'É um absurdo. Muitos políticos não querem saber da população. Os que pegaram o vírus estão internados nos melhores hospitais. E a gente?', disse Wellington
 - Daniel Castelo Branco
'É um absurdo. Muitos políticos não querem saber da população. Os que pegaram o vírus estão internados nos melhores hospitais. E a gente?', disse Wellington Daniel Castelo Branco
Por Renan Schuindt*

Um dia após o presidente da República deixar subentendido que não sabe o que fazer para conter o avanço do coronavírus no país, com a frase "E daí?", personalidades e familiares de vítimas fatais da covid-19 ouvidos por O DIA, enviaram sugestões do que Jair Bolsonaro poderia ter feito até aqui para salvar a vida de muitos brasileiros. Uma delas, Josiete do Carmo, que perdeu quatro parentes, não vê mais esperança e prefere entregar Messias à justiça divina. Políticos também emitiram suas opiniões, entre eles, os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Doria, o presidente da Câmara Rodrigo Maia e o senador Major Olímpio.

A apresentadora Fátima Bernardes não só reprovou a atitude, como também sugeriu o que ele poderia fazer na posição de presidente do Brasil. "Não é questão de fazer alguma coisa, de milagre. Talvez… talvez não, certamente, um pouco de solidariedade faria bem à família das vítimas. Às famílias das pessoas que estão sofrendo com os seus parentes internados", disse.

Na última terça-feira, no Palácio da Alvorada, ao ser questionado sobre o alto número de mortes causadas pela doença em todo o país, Bolsonaro disse não ter como fazer milagre. "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres", disse.

A frase repercutiu de maneira negativa, principalmente entre os que perderam familiares por causa do coronavírus. É o caso de Daiana, que além do tio, perdeu o pai na última semana, ambos com sintomas da covid-19. Ela considera um descaso do presidente. "Acredito que se o país tivesse se preparado melhor para receber essa pandemia, tudo seria diferente. Falta atendimento nas UPAs. Faltam médicos", afirma.

 

Repercussão no meio político
A declaração repercutiu no meio político. O governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel rebateu a declaração feita por Bolsonaro. No Twitter, Witzel escreveu: “É inaceitável o pouco caso com que o presidente sempre tratou a pandemia e as mortes. Ele não demonstra nenhuma solidariedade com as famílias que estão perdendo as pessoas que mais amam. O presidente nunca deu à pandemia a importância que ela merece. Em vez de ser o líder das ações de saúde e de economia, sempre tomou para si o papel de criar crises e mais crises”.

Já Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, ao ser questionado sobre a resposta de Jair Bolsonaro à escalada de vítimas da covid-19 no Brasil, evitou criar polêmicas. “É claro que uma frase mal colocada acaba gerando algum tipo de polêmica. Mas eu não tenho dúvida que nenhum governante, de forma nenhuma vai minimizar ou tratar com desdém a perda de vida de brasileiros, em nenhum caso e, principalmente, nessa crise do coronavírus”, disse.

O governador de São paulo, estado com maior índice de contaminados, João Doria foi direto. “Convido o presidente a visitar os hospitais ao meu lado. Vamos mostrar a realidade para ele”, disse.

Em um vídeo, o senador Major Olímpio, cobrou empenho do presidente. “É preciso que haja comprometimento e trabalho intenso para diminuir o número de mortes e os efeitos dessa pandemia”,
disse. Já o deputado federal Alessandro Molon, também por meio de vídeo, disse que “é inaceitável”, e ainda, que a atitude demonstra “profundo desprezo e descaso com familiares das vítimas fatais e seu
sofrimento”.

O que dizem os especialistas
Entre os especialistas, muitos deles na linha de frente de combate ao coronavírus, a frase também não foi bem recebida. Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (Sinmed-RJ), Alexandre Telles considera a fala de Bolsonaro um desrespeito à população. "A todo momento ele desrespeita e incentiva que desrespeitem o isolamento social. No Rio, a situação é grave, pois o Ministério da Saúde tem leitos fechados nos hospitais federais que poderiam ser usados para pacientes com covid-19. Ele deve contratar mais profissionais para estas unidades e comprar materiais e insumos", afirma o médico, que também dá plantão no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, unidade referência para o tratamento da doença na capital.

Ex-secretário de Saúde do Rio e médico sanitarista da Fiocruz, Daniel Soranz diz que é uma loucura o presidente ter esse tipo de comportamento. "Se tratando do Rio de Janeiro, ele deveria contratar profissionais de saúde, reativar os 900 leitos que estão fechados nas unidades federais e contratar pessoal administrativo. Desde o início, o Into poderia estar sendo utilizado como unidade referência para covid-19.
Além disso, ele poderia ter feito um polo de saúde voltado para coronavírus nas favelas e ter centralizado a compra de testes junto ao Ministério da Saúde", diz o especialista.

Sofrimento de parentes de vítimas
Josiete do Carmo, moradora da Vila Operária, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, já contabiliza quatro parentes mortos com suspeita de covid-19. Desacreditada de uma possível conscientização por parte de Bolsonaro ela diz contar com a justiça divina. "Acabei de perder minha mãe. A única coisa que posso fazer num momento como esse é entregar o presidente nas mãos de Deus", disse.

"Mais uma vez, ele foi infeliz no que falou. A gente sabe que ele não é uma pessoa polida para falar mas, principalmente nesse momento, ele foi bastante indelicado", relata Ana Lúcia Ferreira, de 38 anos, que perdeu a prima de apenas 42 anos para a covid-19 no dia 21 de abril. Apesar de apresentar todos os sintomas e receber tratamento para o coronavírus, a certidão de óbito atestou morte por insuficiência respiratória aguda, mais um alerta para a subnotificação de óbitos.

"O presidente tinha que sentir na pele o que eu tô sentindo, o que estamos passando. Ele só vai dar valor quando perder um ente querido. O descaso com nossa saúde foi muito grande", desabafa Carla Medeiros, que perdeu o marido, de 39 anos, no início do mês, vítima da covid-19.

Ontem, ao lado de aliados, também no Palácio da Alvorada, Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social. Disse que as mais de 5 mil mortes no país ocorreram mesmo com as medidas decretadas por governadores e prefeitos. Como habitual, culpou a imprensa pelas "palavras distorcidas", embora a declaração que demonstrou falta de empatia pelo povo brasileiro tenha partido dele próprio.

Opinião nas ruas
Quem ainda precisa se locomover pelas ruas da cidade também demostrou indignação, inclusive entre os eleitores de Bolsonaro. "O presidente não sabe se expressar. Ele tinha que falar para as pessoas se precaver", disse Jorge Gilson, morador de Bangu.

"Mandou muito mal. Não tinha que ter falado aquilo. Ele pode ajudar o povo com medicamentos e acessórios para os médicos. Me decepcionou", afirmou o taxista Fábio.

"Votei no senhor, pensando que faria o melhor para nós. Não está havendo nenhuma consideração", disse Michele.

"É um absurdo. Muitos políticos não querem saber da população. Os que pegaram o vírus estão internados nos melhores hospitais. E a gente?" disse Wellington.

Colaborou a estagiária Julia Noia

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