Jordhan Lessa: livros, palestras e paternidade - Reprodução
Jordhan Lessa: livros, palestras e paternidadeReprodução
Por RENAN SCHUINDT

Embora no dicionário a palavra paternidade signifique a relação jurídica entre pais e filhos, as histórias de vida de Jordhan Lessa e Glauco Vital, dois homens trans, vão muito além daquilo que a sociedade considera como certo ou errado. Depressão, violência sexual, fundo do poço. Foram árduos os caminhos até que os dois amigos se transformassem no exemplo de pais que são hoje. Com caminhos entrelaçados, porém, com rumos diferentes, eles encontraram forças no desejo de ser pai para vencer os preconceitos diários. E observam a participação de Thammy Miranda em uma campanha destinada ao Dia dos Pais como uma vitória.

Aos 12 anos, quando descobriu ser adotado, a vida de Jordhan mudou completamente. Com a mente de um menino, porém, com corpo de menina, o jovem entrou em choque quando soube que seu pai biológico era quem ele conhecia por avô e sua mãe era, na verdade, quem ele chamava de irmã. Fugiu de casa, morou nas ruas, até parar na antiga Febem. Aos 16, ainda sem saber lidar com sua transsexualidade, foi violentado e engravidou.

Decidido a ter o bebê, embora a lei lhe desse o amparo para o aborto, criou seu filho sozinho. Já adulto, Jordhan ingressou na Guarda Municipal do Rio e, de lá para cá, não foi fácil, mas se tornou um símbolo da causa LGBT. Seus livros viraram referência no tema. Não à toa, hoje, roda o país dando palestras e provando a todos que a paternidade está muito além do dicionário.

"Até bem pouco tempo a paternidade era algo doloroso, muito pesado para mim. A repercussão do caso Thammy me faz refletir nesta questão. São tantos pais que não assumem seus filhos, que se negam a dar amor, pagar uma pensão alimentícia, que quando as pessoas vêem algo que elas não estão acostumadas, ou seja - pais que estão assumindo uma condição, baseando essa relação em amor, que estão tentando de alguma forma, provar que paternidade está acima da anatomia dos corpos -, elas estranham. Se assim fosse, não teríamos uma quantidade infinita de mães solo, ou a Justiça abarrotada de processos onde os filhos brigam por reconhecimento paterno", desabafa Jhordan Lessa.

Apesar do dicionário definir dois tipos de paternidade - legítima, quando os filhos procedem de uma união entre pai e mãe, e adotiva, quando o filho é adotado -, Jhordan vai além de qualquer significado ou paradigma. "Com as novas configurações que nós temos, é um motivo de muito orgulho para mim ser pai. Não fui reconhecido pelo meu (pai). Na época, a família tradicional brasileira não podia ter a 'mancha' de um filho bastardo. Um confusão na minha cabeça, mas mesmo assim me tornei um pai de verdade. Aquilo que eu não tive", conclui Lessa.

Licença paternidade

Há oito meses, a pequena Giovanna chegou à vida do casal Glauco Vital e Marcela Santoro. Moradores de Olaria, na Zona Norte, eles sempre compartilharam do mesmo sonho: serem pais. Mas não foi fácil. A primeira tentativa, há menos de um ano atrás, ocorreu por meio de uma inseminação artificial, sem sucesso. Apesar da tristeza, bastaram apenas três meses para que um novo procedimento fosse realizado e, dessa vez, com êxito. A partir daí, a correria foi para conseguir a ratificação de nome e gênero nos documentos. Assim, sua filha também teria seu nome na certidão de nascimento.

Glauco lembra com orgulho o dia em que recebeu sua licença paternidade. "Como funcionário da prefeitura, fui o primeiro homem trans a receber este benefício. Foi um marco, não só para minha família, mas para muitas outras. Isso abriu portas para os demais. A gente tem que brigar por muita coisa. Por isso, essa licença representa a concretização de um sonho", afirma o fotógrafo, que trabalhou com Lessa na Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (Ceds-Rio).

Personagem da vida real

Próxima reprise da Globo, a novela Força do Querer, de Glória Perez, prevista para ocupar o lugar de Fina Estampa, trará a personagem Ivana, interpretada por Carol Duarte. A inspiração da autora foi Tarso Brant, um homem trans, que acabou se transformando em consultor de Glória na produção do roteiro. Na trama, o rapaz será uma espécie de anjo da guarda de Ivana durante a fase de transição de gênero.

Denúncia contra Malafaia
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Ontem, um coletivo formado por cinco instituições ligadas à causa LGBTQ entrou com um pedido de representação contra o pastor Silas Malafaia. Esta semana, o líder religioso defendeu publicamente o boicote à marca envolvida na campanha publicitária com Thammy, além de não reconhecer sua figura paterna. A ação conjunta é assinada pela ANTRA, ABGLT, ARAFH, GADVS, Mães Pela Diversidade e Cidadania. De acordo com uma das advogadas do grupo, Maria Eduarda Aguiar, o pedido é para que o pastor seja investigado por discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, prática considerada criminosa desde junho do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que esse tipo de conduta seja punido pela Lei de Racismo (7716/89). "É o racismo social, que é onde está inserido a transfobia", disse a advogada.
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