Moradores da Ilha de Paquetá fizeram mutirão para tentar salvar o baobá João Gordo - Divulgação/ Alessandra Bruno
Moradores da Ilha de Paquetá fizeram mutirão para tentar salvar o baobá João GordoDivulgação/ Alessandra Bruno
Por GUSTAVO RIBEIRO
Rio - Na batalha do respeito ao planeta contra a arrogância humana, vence o amor à vida. A qualquer vida. Dois dias após um exemplar de baobá ter sido serrado em episódio criminoso que comoveu a população da Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, a árvore, de origem africana, já impõe sua força para sobreviver. Um mutirão iniciou, neste domingo, uma série de procedimentos que seriam capazes de salvar a planta, carinhosamente apelidada de João Gordo quando desembarcou na ilha, em setembro de 2013.
Não à toa a espécie é conhecida como 'Árvore da Vida' pelos povos tradicionais africanos. "O amor há de vencer o ódio. Hoje durante toda a manhã o grupo Plantar Paquetá – responsável pelo plantio do baobá João Gordo 7 anos atrás – realizou importantes cuidados com o intuito de permitir sua rebrotação. Contou para isso com o assessoramento técnico do botânico Paolo Sartorelli, especialista nessa espécie de árvore. Segundo Sartorelli, quando o baobá é agredido e retirada a sua ‘parte aérea’, a árvore ainda tem chances de rebrotar, se realizados cuidados e mantida a hidratação", divulgou a associação de moradores Morena Paquetá, por meio de comunicado, na noite deste domingo.
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Ação criminosa deixou apenas um toco onde vivia o baobá - Reprodução
Entre os procedimentos para salvar o baobá, localizado na Praia da Ribeira, foi feito um corte oblíquo no tronco e foram aplicados sulfato de cobre (cicatrizante), 300 gramas de adubo NPK 4-14-18, 300 gramas de farinha de osso e quatro quilos de adubo orgânico. O tronco foi regado com um tipo de biofertilizante líquido orgânico e protegido com uma estrutura de madeira a 30 cm de distância do toco. Por fim, foi instalada uma tela que só deixa passar 50% da luz. "Os sinais de recuperação podem aparecer a partir de 15 ou 20 dias", contou Guto Pires, apoiador da Associação de Moradores Morena Paquetá.
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A associação chegou a cogitar uma campanha para que voluntários se tornassem 'guardiões' do baobá, mas preferiu lançar 'vaquinha' para a compra de uma câmera de segurança. "Com a 'vaquinha', pretendemos, em breve, instalar uma câmera potente que grave no escuro, com infravermelho, para dispersar essa mobilização e evitar novos ataques", explicou Guto Pires.
O grupo pede que interessados em contribuir com a campanha para a compra da câmera entre em contato por meio das redes sociais da Morena Paquetá. O orçamento ainda será anunciado, assim como a forma de arrecadação. Um ofício será enviado pelos moradores à Secretaria Municipal de Meio Ambiente para solicitar a implantação de um jardim de proteção ao João Gordo, com o objetivo de valorizá-lo e protegê-lo. Outra boa notícia é que duas doações de novos baobás foram oferecidas à ilha, de uma pessoa que pediu para não se identificar e da associação de moradores de Santa Teresa.
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Moradores se unem para identificar culpado e polícia também investiga
De acordo com Guto Pires, apoiador da associação Morena Paquetá, há uma mobilização entre os moradores do bairro em busca de câmeras que possam ter flagrado o vandalismo contra João Gordo. Eles perceberam que a árvore tinha sido cortada na manhã da última sexta-feira. Sobrou um pequeno tronco. Ainda segundo Guto Pires, o restante do caule foi localizado no mar. Até o momento, apenas a imagem de uma pessoa passando de bicicleta com uma sacola no guidão entre 0h20 e 4h30 de sexta-feira foi identificada, mas ainda não é possível afirmar que seja o autor do delito.
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"Tem muitas casas ali que não são habitadas e que têm câmeras, mas não sabemos se funcionam. Os moradores estão correndo atrás. A Polícia Militar fez contato com o dono de uma casa que fica em frente ao baobá e que tem câmera e ele se disponibilizou a colaborar", contou Pires. Alguns moradores suspeitam que o crime possa ter sido motivado por intolerância religiosa, já que o baobá é uma árvore considerada sagrada para religiões africanas.
Antes de ser cortado, João Gordo estava crescendo e embelezando a Praia da Ribeira - Reprodução
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A Polícia Civil informou, por meio de nota, que a 5ª DP (Mem de Sá) registrou o caso, na sexta-feira (31/7), como crime contra a flora, previsto no artigo 45 da lei 9065/98 com reclusão de um a dois anos, e multa. "Foram solicitadas imagens de câmeras de vigilância da região. A investigação está em andamento", apontou a Polícia Civil. A Polícia Militar ainda não se pronunciou.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente declarou que "lamenta o ato deplorável de corte da árvore Baobá em Paquetá, e reforça o pedido que seja feita uma investigação para identificar o infrator". A pasta esclareceu ainda que tomará as providências para que a mesma espécie de árvore seja replantada no local. "A Prefeitura do Rio reitera o apelo à população para que em caso de flagrante de dano ao meio ambiente a ocorrência seja comunicada à Central de Atendimento pelo telefone 1746, que mobilizará uma equipe da Patrulha Ambiental para vistoria no local", afirmou em nota.
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Moradora que plantou João Gordo: 'Hoje todos estão tristes'
"Ele chegou em Paquetá bem pequeno, um bebê. Veio sementinha da África, foi germinado e cuidado no Rio até desembarcar na ilha, magrinho, filete de árvore. Fizemos uma festa da comunidade para plantar o baobazinho, em setembro de 2013. Escolhemos um lugar em que ele pudesse crescer livremente, com bastante espaço para mostrar sua grandiosidade. E ali, já no chão do nosso bairro, ganhou o nome de João Gordo", relatou em depoimento emocionante nas redes sociais Márcia Kevorkian, uma das fundadoras do grupo voluntário Plantar Paquetá, que se dedica ao plantio de árvores na ilha. No dia do plantio, João Gordo ganhou até festa, com direito a bolas, bolo, bebida e música.
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"Brincávamos que um dia ele ficaria tão grande, tão grande, que conseguiria enxergar e conversar com sua 'parente' Maria Gorda, o baobá querido da Praia dos Tamoios, outro ponto da ilha. João ganhou nova festa quando fez seu primeiro aniversário em Paquetá. Bolo, bolas, parabéns pra você. Virou um xodó dos moradores, que o visitavam e postavam fotos para mostrar para os outros como ele estava se desenvolvendo. O gravetinho que ao chegar recebeu olhares desconfiados pela sua magreza foi crescendo, engordando, ganhando carinha de baobá", lembrou.
Plantio de João Gordo teve direito a festa na Ilha de Paquetá - Divulgação
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"Na madrugada passada, João Gordo foi serrado na base e seu tronco jogado no mar. Aniquilado. Destruído. Despedaçado. Quem pensa com amor, quem vive com amor, jamais terá capacidade de entender a razão, o que passa pela cabeça de alguém pra interromper uma vida, matar uma árvore, se lixar pra quem cuidou, alimentou, acompanhou cada engordadinha, cada galho novo, cada broto. João nunca vai conversar com Maria", lamentou a 'mãe' de João Gordo.
Guto Pires recorda que João Gordo chegou a Paquetá pelas mãos de um amante de baobás chamado 'Seu Messias', que tinha 88 anos e hoje é falecido. "Ele recebeu a muda de um amigo, Sr. Harding, e cuidou dela em seu apartamento, no Rio, até trazer para Paquetá. Os três - seu Messias, Sr. Harding e o baobá - se encontraram no dia do plantio, em setembro de 2013, na ponta da Ribeira para celebrar a vida daquele novo ser", diz Pires. Respeita Paquetá!
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Encontro entre Seu Messias e Sr. Harding no dia do plantio de João Gordo, os primeiros a cuidarem da semente e da muda do baobá - Divulgação/ Neusa Matos