Depois de passar uma noite internada no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros, no Recife, a menina de 10 anos constantemente estuprada pelo tio conseguiu interromper a gravidez na tarde de ontem. Segundo o médico responsável, ela passa bem e deverá receber alta ainda hoje. A criança, violentada desde os 6 anos de idade, não conseguiu atendimento em seu estado, o Espírito Santo, devido à recusa do serviço de saúde local em realizar o procedimento.
A coordenadora de enfermagem do Centro, Maria Benita Spinelli, afirmou ao Estadão que foi adotado o procedimento menos invasivo possível, com o uso de medicamentos para induzir o aborto após o óbito fetal. O procedimento começou na noite de domingo, dia 16, quando a menina deu entrada no hospital. A autorização do aborto foi dada, no sábado, pelo juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e Juventude da cidade em que mora a criança, a pedido do Ministério Público do estado.
Entretanto, não cabia a interferência da Justiça. Já no Art. 128 da Lei nº 2.848/40, o abordo é respaldado quando em caso de estupro, se não houver outra forma de salvar a vida da gestante e, a partir de 2012, também inclui casos em que o feto for anencéfalo. Para a advogada Rachel Serodio, especialista em Direito da Mulher, embora o Código de Ética Médica resguarde o profissional da saúde de agir contra a própria consciência e religião, não pode ser interpretado de forma absoluta.
"O Estado é laico e a religião privada do médico não pode ser instrumento de valoração moral para realização do procedimento", destaca. Legalmente, para realizar um aborto, basta apenas a palavra da vítima, que deverá se atendida por uma equipe multidisciplinar o mais rápido possível "ante todo o risco de morte e sofrimento". O Código Penal não determina a realização de nenhum procedimento legal, como boletim de ocorrência ou exame de corpo de delito.
Serodio afirma que o descaso com o aborto legal reflete a falta de políticas públicas de educação, prevenção e abortamento legal de modo a evitar que não se repitam casos como esse, que a vítima teve que se deslocar para outro estado para conseguir realizar o procedimento. "O vivenciado neste último domingo é o retrato da dificuldade de acesso ao sistema de saúde por meninas e mulheres que, sistematicamente, acabam por ter seus direitos violados e submetidas à tortura", lamenta.