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Segundo conta, os dois se conheceram em uma igreja na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, em 1991, época em que ela já havia começado a recolher jovens abandonados.
No início do relacionamento, Anderson era um adolescente de 15 anos e começava a liderar um grupo de jovens da Assembleia de Deus. Por sua vez, Flordelis cantava e tocava guitarra nos cultos e declarava já ter feito pregação até na porta de baile funk. Recém-separada do primeiro marido, ela tinha o dobro da idade dele: 31 anos. Na época, a missionária já cuidava de ao menos cinco crianças recolhidas, além dos três filhos biológicos - Flávio e Adriano dos Santos Rodrigues, e uma moça, Simone, xodó e braço direito.
Nessa época, ele foi morar com Flordelis. Em uma casa de dois quartos, sala e cozinha no Jacarezinho, espremiam-se bebê, crianças e adolescentes que ela alega ter resgatado do tráfico ou das calçadas do Rio. Pobre e numerosa, a família dependia de doações para sobreviver.
Anderson e Flordelis se casaram em 1998. Entre filhos biológicos da missionária, adotados e sócioafetivos (aqueles que nunca tiveram a situação regularizada na Justiça), teriam criado um total de 55 jovens, muitos deles com histórias comoventes. Na casa, havia desde recém-nascido abandonado no lixão a ex-integrantes de facções criminosas e sobreviventes da Chacina da Central do Brasil. Com o tempo, Flordelis também começou a colecionar aparições em jornais e problemas com a Vara da Infância. Para fugir da Justiça, teria pulado de casa em casa e dormido na rua.
A mudança
Rejeitado por "pais espíritas", o pastor Luan dos Santos tinha 15 anos na época que foi acolhido. Segundo relata, Flordelis levava a família para "evangelizar" à noite, peregrinando pela cidade e entregando mantimentos a desabrigados. Com o passar dos anos, a evangelização foi se transformando no Ministério Flordelis, a igreja da família, com sede em Mutondo. Nos tempos de carestia, todos tinham função na casa e os irmãos adolescentes precisavam cuidar dos mais novos. Parte deles, por exemplo, dava banho nos menores. Uns eram responsáveis por recolher doações nas ruas e em feiras. Outros organizavam a comida. Também havia filhos destacados para falar sobre a mãe a quem parasse para ouvir.
Embora fosse da mesma faixa etária de alguns filhos, Anderson se consolidou como o administrador da casa e da igreja. Inteligente e bem articulado, ele seria "a mente por trás" da transformação de Flordelis em uma espécie de "marca". O ano de 2009 é decisivo para o boom financeiro do casal. Em outubro, surge o filme Flordelis: Basta Uma Palavra Para Mudar, recheado de atores globais que dispensaram cachê para retratar a vida da missionária. Nele, Anderson é o produtor.
Foi nessa época que Flordelis fechou contrato com a gravadora MK Music, uma das maiores do universo gospel, iniciando uma rotina de convites para shows e grandes eventos. Em alta, a igreja da família começou a abrir filiais, como em Jardim Catarina, Itaboraí, Itaipuaçú, Pendotiba e Piratininga. No início da década, o casal conseguiu comprar uma casa espaçosa em um condomínio em Pendotiba, Niterói. Foi lá que Anderson acabou executado.
Uma filha adotiva relatou à polícia que "a partir do momento que a situação financeira começou a melhorar", na mesma proporção começaram as brigas entre sua mãe e seu pai adotivos. "A mãe acreditava que ela era a responsável pela melhoria da condição financeira da família, porque tudo girava em torno de seu nome, e não do nome do seu pai, apesar de ele ter sido o mentor dela", diz o inquérito.
Com as suspeitas do crime recaindo sobre Flordelis, a igreja acabou rebatizada de Comunidade Evangélica Cidade do Fogo. Já com a denúncia do Ministério Público, oferecida no mês passado, a missionária perdeu o contrato com a MK Music.
Investigação revela privilégios entre filhos e suspeitas de abuso
Uma série de episódios foi trazida à tona pela investigação policial em uma versão diferente. Ao contrário da história conhecida, Anderson começou a frequentar a casa de Flordelis na década de 1990 porque namorava com Simone, a filha biológica da missionária, relação que depois foi trocada pela mãe.
"Flordelis foi na casa da mãe de Anderson e pediu autorização para levá-lo para orar nos montes", descreve o advogado Ângelo Máximo, que representa a família do pastor. A mãe dele, Maria Edna do Carmo, morreu aos 65 anos, vítima de um enfarte, dez meses após o filho. Uma das primeiras a acusar Flordelis de mandar matar o marido, a irmã Michele do Carmo de Souza, de 39 anos, falecera de anemia pouco antes, em outubro. "Partiram sem ver justiça."
São comuns depoimentos relatando que Flordelis e Anderson agiam para distanciar filhos adotivos das famílias biológicas. Uma das testemunhas de acusação, Luan Santos, por exemplo, afirma ter sofrido uma "lavagem cerebral". "Ao se casar em 2008, Anderson o proibiu de convidar os pais biológicos", relata no processo.
Muitos discordam também da afirmação que a casa era um ambiente de solidariedade. Segundo testemunhas, Flordelis faria distinção entre os filhos e priorizava a chamada "primeira geração" - ou seja, os biológicos e primeiros a ser adotados. O grupo tinha direito a despensa separada, enquanto os demais ficavam restritos à "geladeira pública", e ganhava melhores presentes e mais dinheiro.
Já Anderson é descrito como "rígido" e "ambicioso" e acusado de "centralizar o dinheiro" e provocar crises na família.
No inquérito, consta ainda declaração de um ex-integrante do ‘Ministério Flordelis’, segundo o qual pessoas da igreja realizavam "rituais tenebrosos" e havia "práticas sexuais entre seus membros". O depoimento teria sido confirmado por um ex-pregador, que disse nunca ter presenciado estudos teológicos na casa. "É uma seita com aparência de congregação religiosa (.. ) em nada tem a ver com os escritos da Bíblia."
Um dos filhos adotivos afirmou ter sido submetido a uma espécie de "iniciação": supostamente ficara trancado por dias em um quarto, recebendo visita apenas de Flordelis para ter relações. Também há relato de que uma filha tenha sido oferecida a pastores estrangeiros - a Polícia Civil considera não ter provas suficientes para concluir se houve prática de abuso sexual.
Ainda assim, informações sobre possíveis intimidades do casal foram parar no relatório da investigação a que o Estadão teve acesso. Existe a suspeita de que Anderson e Flordelis tenham ido a uma casa de swing em Botafogo, bairro nobre da capital, na madrugada do crime. A deputada nega. Sua versão, porém, não bateria com dados de monitoramento de tráfego recolhidos pela polícia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.