Ao invés de alegria, plumas, paetês, alegorias, cores, sambas enredo e torcidas no Sambódromo, cadeado - Gilvan de Souza /  Agência O DIA
Ao invés de alegria, plumas, paetês, alegorias, cores, sambas enredo e torcidas no Sambódromo, cadeadoGilvan de Souza / Agência O DIA
Por MARTHA IMENES
Quanto riso, oh, quanta alegria! A antológica marchinha Máscara Negra de Zé Keti e Pereira Mattos ilustra bem o que representa o Carnaval no Rio de Janeiro: risos e alegrias. Mas este ano a pandemia de coronavírus trouxe outra realidade para foliões e, principalmente, para as escolas de samba: o maior espetáculo da Terra não vai ocorrer. E a Indústria do Carnaval, que movimenta e injeta bilhões de reais na economia fluminense, se encontra parada, com seus trabalhadores (sobre)vivendo com muitas dificuldades. Isso porque muitos desses trabalhadores não conseguiram receber o auxílio emergencial (de R$ 600 e R$ 300) e das 8 escolas de samba do grupo especial, somente quatro foram contempladas com recursos da Lei Aldir Blanc de incentivo a cultura. Para buscar uma saída, as representantes das agremiações e da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) vão se reunir com o prefeito Eduardo Paes e seus pares no próximo dia 10.
Vale destacar que na esteira da Folia de Momo estão turismo, hotéis, bares, lojas, que vendem adereços, tecidos e fantasias, e toda uma cadeia de segmentos que impulsionam os festejos também sentem os impactos negativos da pandemia. 
É importante lembrar que ao anunciar o cancelamento, o prefeito do Rio comunicou que a Secretaria de Cultura e a Riotur preparariam editais de apoio para esses profissionais que vivem do Carnaval. "Neste momento, eles estão em fase de planejamento e serão divulgados assim que forem finalizados", informou em nota.
Expectativa 
Dados de atrativos turísticos para o Carnaval 2021, divulgados pelo Rio Convention&Visitors Bureau, mostram que deve haver uma mudança significativa no perfil de quem visitará a cidade no que será visto como um feriado prolongado e não o maior espetáculo da Terra. A taxa de ocupação de hotéis na cidade, por exemplo, pode chegar a 70%, segundo estimativa da presidente-executiva da fundação, Sonia Chami. Já o público deve ser majoritariamente nacional, o que é uma mudança em relação ao turista estrangeiro, que tradicionalmente visita a cidade nesta época do ano. 
O levantamento mostra ainda que nos últimos dois anos (2019 e 2020), o fluxo durante o Carnaval se manteve acima de 300 mil passageiros no período de oito dias (entre sexta de Carnaval e sábado seguinte  ao feriado), conforme o RIOGaleão. Para 2021, o fluxo esperado é de 30% do registrado nos carnavais passados, sendo o volume de passageiros domésticos 35% maior que o internacional.
O número de visitantes no Corcovado deve cair em 50%, segundo o Bureau. A média de público no Corcovado no Carnaval (fora da pandemia, entre sábado de Carnaval até o domingo, depois do Sábado das Campeãs) é de cerca de 30 mil turistas. Este ano, a estimativa é de 15 mil.
E, ainda conforme os dados, a expectativa de visitantes na Rio Star, a Roda Gigante do Rio, é de mil visitantes no período do Carnaval. E o Bondinho Pão de Açúcar espera receber cariocas, brasileiros e turistas no feriado de Carnaval para viverem a experiência do parque com toda segurança e responsabilidade oferecidas. A expectativa é superar a estimativa de 40% do número de visitantes do mesmo período do ano passado.
Até agora 41% de ocupação
No dia 1º, o Sindicato dos Meios de Hospedagem do Rio de Janeiro (Hotéis Rio) divulgou a primeira prévia de ocupação para o feriado do Carnaval 2021. Até o momento, a média de ocupação hoteleira na capital está em 41%, sendo o período pesquisado de 12 a 16 de fevereiro. No ano anterior, a hotelaria carioca já registrava cerca de 78% na mesma prévia.
"A pesquisa retrata a realidade da pandemia, do momento que nós estamos vivendo. A taxa de ocupação está praticamente a metade da registrada no ano anterior. Não é desejável, mas é compreensível. Com o agravamento da pandemia é de se esperar uma mudança no comportamento dos hóspedes. Nosso principal emissor nacional é São Paulo, onde há medidas mais restritivas para conter o vírus, o que reflete na ocupação hoteleira da cidade. Mas, esperamos que com a vacinação em massa possamos retomar o turismo de eventos para darmos fôlego ao caixa das empresas", ressalta Alfredo Lopes, presidente do Hotéis Rio.
 
U. da Tijuca e Portela: buscam uma saída
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"Não temos mais recursos. Buscamos parcerias para fornecer cestas básicas para nossos trabalhadores, mas sabemos que não é o suficiente", lamenta Fernando Horta, presidente da Unidos da Tijuca. E conta ao jornal O DIA que a escola não tem só a despesa dos funcionários, manter toda infraestrutura demanda dinheiro, são contas de energia, telefone, de manutenção, entre outras. "A escola não vive só de Carnaval, são shows, espetáculos, eventos na quadra (que fica na Leopoldina), mas com a pandemia essas atividades foram suspensas e isso comprometeu muito nosso orçamento", explica Horta.
"Os nossos profissionais estão passando por dificuldades. E eu lamento muito querer ajudar e não poder", diz Horta. Segundo ele, é preciso garantir recursos para, pelo menos, os próximos três meses. "Foi prometida uma solução (na gestão anterior) para novembro, depois foi adiada para dezembro, e agora já estamos em fevereiro. Um mês para quem está com fome é muita coisa!". A expectativa de Horta é que em 3 meses a pandemia dê um "refresco" e adverte: "Mas o povo não colabora", se referindo aos protocolos de segurança sanitária que recomendam uso de máscara, álcool gel e distanciamento.
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O presidente da Portela, Luís Carlos Magalhães, também chama atenção para as dificuldades que os trabalhadores da escola de samba estão enfrentando e diz que a agremiação vai buscar uma saída conjunta com o prefeito (Eduardo Paes), a Liesa, o governador do estado (Cláudio Castro) e o conjunto das escolas. "Estamos com barracões interditados e a pandemia impedindo eventos na quadra. Há muitos trabalhadores do Carnaval sem qualquer perspectiva", diz Magalhães.
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União e força familiar para atravessar a crise
Intérprete da Unidos da Tijuca Wantuir de Oliveira com sua filha, Wictoria Tavares, que também canta na escola
Intérprete da Unidos da Tijuca Wantuir de Oliveira com sua filha, Wictoria Tavares, que também canta na escola Ricardo Cassiano/Agencia O Dia
O intérprete da agremiação tijucana Wantuir Oliveira, 63 anos, morador de Duque de Caxias, no Centenário, é um dos muitos trabalhadores que não conseguiu ter acesso ao auxílio emergencial do governo federal. "Não me explicaram nem o motivo de não terem liberado o auxílio", diz.
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Casado, pai de 2 filhos, um mora em Portugal, e avô de Arthur Neto, de 1 aninho e 7 meses, Wantuir conta ao DIA que a esposa trabalha em casa fornecendo alimentação e que a filha, também cantora, está desempregada. As quentinhas têm garantido o básico para a família.
"Nos mobilizamos em entregar comida nas empresas e comércio. A minha esposa Rosilene cozinha com ajuda da minha filha Wictoria, que canta comigo na Tijuca, e eu entrego de carro", explica o intérprete.
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Wantuir falou um pouco da sua trajetória para O DIA. "Fui ferroviário durante 15 anos e tenho mais uns dez anos em outras empresas, larguei tudo por causa da música. Canto na Sapucaí desde 1987", relembra. E detalha: "De 87 a 94 apoio do Dominguinhos do Estácio. De 1995 a 2020 canto no grupo especial. Foram oito escolas no grupo especial, mais 15 anos no Carnaval fora de época de Uruguaiana na Rouxinois".
Wantuir conta que levou o nome do Brasil várias vezes para o exterior. Ele esteve quatro anos na Paraíso School of Samba de Londres e fez viagens pelo Japão, levou o samba quatro anos seguidos para o Canadá, outros seis na França, Espanha, Portugal, Suíça, e nos Estados Unidos esteve umas 10 vezes. "Sempre tive uma vida tranquila, mas agora estamos vivendo este filme que nos trouxe muita dificuldades mas estamos sobrevivendo com muita luta e união familiar", diz Wantuir.
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Alô Caxias!!!! Quem quiser dar uma força pro Wantuir é só pedir a quentinha que o Arthur chama de "Papa Dodo", feita pela Rosilene com todo capricho. Se liguem na missão: os pedidos podem ser feitos nos telefones (21) 98235 2300 e 2654 6340.
O cenário também está bastante difícil para Phelipe Lemos, de 31 anos, casado e com um filho de apenas 8 meses, é o 1º mestre-sala da Unidos da Tijuca, ele conta que a situação só não ficou pior porque conseguiu receber o auxílio-emergencial, que acabou no dia 31 de dezembro. "Consegui receber todas a parcelas do auxílio, o que me impediu de receber recursos da Lei Aldir Blanc", explica Phelipe.
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"Recebi muitas fraldas doadas de amigos e graças ao auxílio emergencial do governo conseguimos manter tudo em ordem, com dificuldades mas conseguimos", diz Phelipe.
Perguntado sobre ter o samba nas veias e este ano não ter Carnaval Phelipe responde: "Difícil demais. Esse mês está sendo mais... Carnaval é a minha vida! Eu sempre sonhei em viver da minha arte de mestre sala, e em 2020 completei 10 desfiles como mestre-sala principal de uma escola do grupo especial, 10 anos vivendo apenas da renda do Carnaval. Estar nessa situação é triste, mas tenho fé que voltaremos a sambar e sorrir", diz Phelipe.
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Trabalho para o ano todo
O impacto positivo do Carnaval na cidade é destacado pelo economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Marcel Balassiano. Segundo ele, as escolas de samba contribuem para movimentar a economia carioca durante todo o ano.
"Não só nos dias de Carnaval, as escolas têm impacto o ano inteiro na Indústria do Carnaval, com diversos tipos de produções trabalhando nos barracões e nas quadras, e movimentando a economia formal e informal", diz.
Para se ter uma ideia, segundo balanço da Riotur, 2,1 milhões de turistas marcaram presença na folia em 2020, injetando R$ 4 bilhões no período, 8% a mais que no ano passado.
O que é a Lei Aldir Blanc
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A Lei Aldir Blanc, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em junho de 2020 foi destinada a profissionais do setor cultural, como artistas, contadores de histórias e professores de escolas de arte e capoeira, paga por meio dos governos estaduais em três parcelas mensais de R$ 600.

Ao todo, já foram transferidos cerca de R$ 3 bilhões para estados e municípios auxiliarem os pequenos artistas e espaços culturais. Os recursos destinados por meio da lei, segundo o governo federal, também podem ser utilizados para pagamento de auxílio mensal para manutenção de espaços artísticos em valores que variavam de R$ 3 mil a R$ 10 mil.
Os contemplados com os recursos podem ser conferidos no link http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/11910668/4307741/ContempladosLAB2020.pdf
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