De acordo com o Fogo Cruzado, nos últimos 10 meses, o Instituto mapeou dados sobre violência armada
De acordo com o Fogo Cruzado, nos últimos 10 meses, o Instituto mapeou dados sobre violência armadaReprodução internet
Por O Dia
Rio - O Instituto Fogo Cruzado participará, no dia 19 de abril, de uma audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir estratégias de redução da letalidade policial no estado do Rio de Janeiro. A Audiência, que acontece entre os dias 16 e 19, é referente à ADPF 635 – conhecida como "ADPF das Favelas pela Vida" –, e entrou em vigor em 5 de junho de 2020.
A medida estipula a suspensão de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro - durante a pandemia - que não sejam previamente justificadas ao Ministério Público (MP). O órgão tem entre suas prerrogativas o controle externo da atividade policial.
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De acordo com o Fogo Cruzado, nos últimos 10 meses, o Instituto mapeou dados sobre violência armada - desde que a ADPF 635 entrou em vigor no estado como medida cautelar. A Arguição, que tinha como objetivo questionar ações policiais com alta letalidade em favelas do Rio, foi apresentada pelo partido PSB e construída coletivamente com a Defensoria Pública do Estado, junto a coletivos e organizações da sociedade civil, incluindo o Fogo Cruzado.
A intenção da ADPF é diminuir a vulnerabilidade da população, que durante estas operações, tem seu direito de ir e vir cerceado por estarem na linha de tiro.
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Em 18 de maio do ano passado, uma operação conjunta entre as polícias Civil e Federal vitimou o adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, no Complexo do Salgueiro. Após a morte, o Ministério Público Federal solicitou à Polícia Federal detalhes da operação - incluindo o planejamento operacional da ação. O órgão também pediu à PF que só fizesse operações durante a pandemia em casos de "extrema urgência".
Em 25 de maio, o então governador do Rio, Wilson Witzel, solicitou às polícias civil e militar que seguissem o mesmo caminho e evitassem operações em favelas durante a pandemia para poupar vidas de moradores. Além de João Pedro – morto em 18 de maio –, dois jovens foram mortos em duas ações da PM – uma na Cidade de Deus (20 de maio), na Zona Oeste, e outra no Morro da Providência (21 de maio), no Centro do Rio.
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As ações ocorreram em meio a entregas de cestas básicas. Além destas duas ajudas humanitárias interrompidas à bala, o Fogo Cruzado mapeou outros 6 tiroteios que aconteceram em meio às ajudas comunitárias e deixaram mais 3 mortos e 2 feridos.
A morte de João Pedro durante uma ação policial que não prendeu ninguém e não apreendeu nada, foi determinante para que o ministro do STF, Edson Fachin, concedesse a liminar e determinasse a suspensão de operações policiais não urgentes nas favelas do estado durante a pandemia.
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Nas palavras do ministro Edson Fachin, "nada justifica que uma criança de 14 anos de idade seja alvejada mais de 70 vezes. O fato é indicativo, por si só, que, mantido o atual quadro normativo, nada será feito para diminuir a letalidade policial, um estado de coisas que em nada respeita a Constituição".
O Rio após 10 meses de ADPF 635
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Perto de completar 1 ano em vigência, números mostram que desde que a ADPF entrou em vigor, em 5 de junho de 2020, houve redução na maioria dos principais indicadores da violência armada monitorados pelo Fogo Cruzado.
Nestes 10 meses, o número de tiroteios/disparos de arma de fogo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro caiu 22% em comparação com os 10 meses anteriores à decisão do Supremo. Foram 3.726 registros entre 6 de junho de 2020 e 5 de abril de 2021, e 4.750 registros entre 6 de agosto de 2019 e 5 de junho de 2020.
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O número de tiroteios com presença de agentes de segurança apresentou queda ainda mais expressiva: 32%. Foram 1.030 tiroteios nos 10 meses de vigência da ADPF, contra 1.523 nos 10 meses anteriores.
Pesquisadores de Harvard cruzaram os dados sobre tiroteios mapeados pelo Fogo Cruzado com informações do Instituto de Segurança Pública sobre criminalidade e chegaram à conclusão de que a determinação do STF reduziu "inequivocamente a violência policial".
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Roubos, furtos e ataques a policiais não cresceram. Taxas de homicídios em geral caíram um pouco. O impacto nas apreensões de drogas - um dos motivos principais apresentados como motivo para operações policiais em favelas - se revelou mínimo.
Apesar da queda, ainda é importante destacar que houve participação de agentes na maior parte dos tiroteios que deixaram vítimas neste período. Dos 1.479 baleados no Grande Rio (737 mortos e 742 feridos), agentes estiveram envolvidos em 65% dos casos em que houve mortes (477) e em 77% dos casos com feridos (574).
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Das 42 chacinas ocorridas no Grande Rio no período, em 76% delas (32) houve participação de agentes públicos de segurança. As chacinas decorrentes de operações e ações policiais deixaram 129 mortos em 10 meses. Agentes também estiveram em 79% dos tiroteios que deixaram mortos por balas perdidas e em 67% dos que deixaram feridos.
Com os dados mapeados pelo Instituto neste período, fica perceptível que apesar da melhora significativa nos tiroteios na região metropolitana do estado, ainda há forte presença de agentes em ações que deixam vítimas.
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Favelas continuam afetadas
Apesar da ADPF, ao longo dos 10 meses de sua vigência, 52% (1.927) dos tiroteios registrados na região metropolitana ocorreram em favelas e conjuntos habitacionais, sendo 490 (25%) deles com a participação de agentes de segurança.
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Apesar da menor participação nos tiroteios, a presença de agentes de segurança em ações letais em favelas é marcante: dos 271 mortos em favelas, 84% (227) deles foram atingidos em ações policiais. Já entre os 269 feridos em favelas, em 221 (82%) deles houve agentes em cena.
No "asfalto" a lógica de atuação das forças de segurança se mostra mais branda, mostrando a diferenciação no peso das ações. Em 10 meses de vigência da ADPF, 54% das vítimas fatais de disparos de arma de fogo no "asfalto" e 75% dos feridos foram atingidos em situações em que havia presença de agentes de segurança, proporções significativamente inferiores às encontradas em favelas e conjuntos habitacionais do Grande Rio - que foram: 
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Os 3 locais mais afetados pela violência armada nos últimos 10 meses ficam na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Sozinhas, Vila Kennedy (219) – que já foi eleita laboratório da Intervenção –, Morro do São José Operário – também chamada de Morro da Barão – (72) e Cidade de Deus (55) concentraram 18% de todos os tiroteios em favelas do Grande Rio no período.
Das 124 favelas da Região Metropolitana do Rio que tiveram mortos por arma de fogo nos últimos 10 meses, em 94 delas houve participação de agentes nas mortes. Morro da Caixa d’Água, no Complexo do 18 (10), Morro dos Macacos, em Vila Isabel (10) foram as favelas com mais vítimas nestes 10 meses.
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Aumento nos indicadores
No primeiro mês de vigor da ADPF 635 (6 de junho a 5 de julho de 2020), o número de tiroteios com a presença de agentes de segurança foi o menor registrado do período de validade da medida: foram 49 registros na Região Metropolitana do Rio.
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O mês também foi o menor no número de mortos (18) e o segundo menor no total de tiroteios gerais (com e sem presença de agentes) desde o início da série histórica do Fogo Cruzado, em 2016: foram 308.
Chegando aos 10 meses de operações policiais restritas, este último mês*** evidencia o descumprimento da decisão do STF. Tiroteios com participação de agentes voltaram a aumentar, batendo o recorde do período analisado, 263% a mais em comparação com o primeiro mês após liminar do STF.
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