Marcelo Freixo no Congresso NacionalReprodução site Marcelo Freixo

Por Bernardo Costa
Rio - As condições de criar uma frente ampla em defesa da democracia, que afirma estar em risco no país, é o objetivo que, segundo o deputado federal Marcelo Freixo, o fez se filiar ao PSB na última terça-feira, depois de 16 anos no Psol. No Rio, ele aponta que a questão vai além da disputa entre esquerda e direita, e está relacionada ao amplo domínio territorial alcançado pelas milícias e pelo tráfico de drogas: "É a luta contra a barbárie", diz Freixo ao DIA. Nesta entrevista, ele ainda rechaça a declaração de Wilson Witzel que, na CPI da Pandemia, disse ter sofrido perseguição política após determinar investigação imparcial sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco. Freixo reafirma que a milícia está envolvida no crime: "Resta saber quem são os mandantes. Matar não pode ser uma forma de se fazer política em lugar nenhum do mundo".  
O DIA: No ato de filiação ao PSB o senhor comentou que o maior desafio hoje no Rio é a segurança pública. Quais pontos precisam ser resolvidos nesse campo?

Marcelo Freixo: O Rio tem as milícias e o tráfico de drogas. Tanto um quanto o outro dominam um amplo território. Lugares onde tem a milícia e o tráfico não vale a constituição de 1988. As pessoas que vivem nesses lugares não estão ali por escolha própria. Elas não têm alternativa. Essas pessoas precisam ser resgatadas pelo estado. A gente precisa ter um plano com a prefeitura e o governo federal de ocupação desses espaços com projetos sociais e com emprego. A gente precisa de renda, para que as pessoas possam consumir para a economia crescer. Precisamos ter um governo que faça o empresário investir no Rio. O empresário não pode ter medo de colocar recursos no estado porque não sabe quem de fato manda no Rio.

Desde a CPI das Milícias, em 2008, para cá, como o senhor vê a atuação dessas organizações?

A CPI das Milícias foi um marco na segurança pública do Rio. Ela mudou a opinião pública. Nós levamos à prisão mais de 240 milicianos, entre deputados, vereadores, pessoas que nunca imaginavam que seriam presas. Isso representou um sacrifício pessoal para mim muito grande, mas não me arrependo de nada. Eu sou professor, fiquei 20 anos em sala de aula, e continuei dando aula depois de eleito. Tive que parar de lecionar por conta das ameaças. E elas chegaram à minha família. A milícia cresceu e expandiu seu domínio territorial. O tráfico de drogas também é um problema muito sério, mas a milícia tem um projeto de poder. A milícia elege gente. Ela transforma o domínio territorial em domínio eleitoral. Ela surge dentro dos espaços de poder e isso é muito grave. A gente precisa enfrentar esse poder, da milícia e do tráfico, e, para isso, a gente precisa de valorização, de modernização da polícia. E de um plano de ação para a segurança pública, além de um governo com credibilidade perante a sociedade.
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Como deve se dar essa valorização e modernização da polícia? 
A modernização da polícia diz respeito à necessidade de eficácia da ação policial. Nós temos que ter um plano de cargos e salários para esses profissionais da segurança pública. Temos que fazer com que essa polícia tenha melhores condições de trabalho, o que passa pelo acompanhamento psicológico, social, médico. A gente tem uma corporação hoje que está abandonada e doente, muitas vezes. A gente tem que dar assistência à família desses policiais. Na Polícia Civil, precisamos ter um investimento concreto na inteligência policial e em equipamentos. A gente precisa fazer com que a ação da polícia seja mais preventiva. Ela precisa ser motivo de orgulho pela sua eficiência. A gente não precisa ter uma polícia que se expõe, que é ameaçada e violenta. É necessário que tenhamos uma polícia de resultado, com investimento não só orçamentário, mas de ação, com metas e eficácia. 

Na CPI da Pandemia, Wilson Witzel citou que sofreu perseguição política após ter determinado uma investigação imparcial no caso Marielle, e que essa perseguição teria culminado no seu impeachment. Como o senhor observa essa declaração?

Eu quero lembrar que o Witzel, na campanha que o elegeu, foi uma das pessoas que estavam no ato em que foi rasgada a placa da Marielle. Eu não sei se o impeachment provocou amnésia no Witzel, mas ele foi uma das pessoas que mais desrespeitou a memória da Marielle. Ele não teve cuidado com a memória de uma pessoa que foi brutalmente assassinada. Eu não vi no governador Witzel empenho para elucidar esse crime. Acho que, na Polícia Civil, tem gente muito séria que investigou o caso e que continua investigando. Mas não por empenho do Witzel. Acho que a declaração dele é um jogo para tentar não ser esquecido depois de ter sido cassado por corrupção na Saúde. Ele não é uma pessoa que tem credibilidade em relação ao assunto, pois foi eleito rasgando a placa de Marielle Franco.

Na sua opinião, por que ainda não se chegou aos mandantes do assassinato?

Foi um crime premeditado, muito bem planejado, com participação de gente poderosa. Não tenho dúvida do envolvimento da milícia. Mas os responsáveis precisam ser apontados, e três anos sem esclarecimento é inadmissível em qualquer caso. Acho que todos os crimes de homicídio são importantes. Mas a morte de Marielle teve uma razão política. E você não pode ter um lugar como o Rio de Janeiro em que uma vereadora é brutalmente assassinada por motivação política sem sabermos quem ordenou o crime. Matar não pode ser uma forma de se fazer política em lugar nenhum do mundo.

O senhor continua sofrendo ameaças?

Eu investiguei a milícia e investiguei o tráfico de drogas. Eu recebi dezenas de comunicados de setores de inteligência da polícia e do Ministério Público sobre situação de risco. A Marielle foi assassinada, e a pessoa que matou a Marielle, segundo apurado pela polícia e pelo Ministério Público, investigou a minha vida e a vida da minha família. São situações evidentemente de risco e, por isso, eu tenho um sacrifício pessoal, ando com escolta, tenho muitas privações, mas não me arrependo. Eu acho que enfrentar a milícia é dever público.

As ameaças foram um dos fatores que motivaram o senhor a ter se candidatado a deputado federal com posterior transferência para Brasília?

Não. Até porque eu não saí do Rio de Janeiro. Eu fico uma parte da semana em Brasília e outra no Rio. Eu fui deputado estadual no Rio por três mandatos e entendi que era o momento de ser deputado federal e contribuir para o Rio de outra maneira. Achei que era importante ter essa experiência em Brasília. Isso não teve relação com as ameaças porque elas acontecem em qualquer lugar do Brasil.

Por que a filiação ao PSB?

O meu movimento em direção ao PSB é no sentido de construir uma grande frente política de defesa da democracia. Eu acho que essa é a questão central no Brasil. A eleição de 2022 vai ser a eleição mais importante dos últimos tempos, porque ela vai ser um plebiscito sobre a constituição de 1988, se ela vai ser respeitada ou não. Então, eu acho que a gente precisa de uma grande frente, de uma política feita com diálogo, e isso é o mais importante. E, especificamente olhando para o Rio, a capacidade de fazer um projeto pensando nos próximos 15, 20 anos. Um projeto calcado na ideia de desenvolvimento e segurança. E isso não pode ser feito por um único partido e muito menos por uma única pessoa. O Rio está numa crise muito aguda, uma das mais profundas da sua história. E acho que o PSB é o partido que reúne as melhores condições para construirmos essa frente política, ampla, contando com setores da sociedade civil.

E que condições são essas que o PSB oferece?

O PSB é um partido estruturado, respeitado, que tem uma longa história em defesa da democracia brasileira. Além disso, está disposto a fazer um programa e ter um diálogo amplo neste desafio em prol da democracia. Por isso a minha filiação junto com o governador Flávio Dino (do Maranhão).

O senhor acredita que, com a crescente polarização na sociedade brasileira nos últimos anos, o Psol ficou marcado com uma imagem de ser um partido radical de esquerda, e que essa visão poderia estar atrapalhando suas possibilidades eleitorais?

A disputa no Rio vai ser muito mais ampla do que uma disputa entre direita e esquerda. A disputa no Rio é a disputa contra o crime. É uma disputa contra a barbárie que se estabeleceu sobre a vida dos mais pobres. Eu estou pensando nas mulheres pobres, trabalhadoras, mães das periferias, das favelas. Essas pessoas não estão pensando na direita, na esquerda. Essas mulheres precisam respirar, precisam de emprego, precisam de segurança, precisam ter a certeza de que o filho vai para a escola ou para o trabalho e vai voltar para casa. A gente precisa que o Rio volte a ser um lugar bom para se viver. Isso tem que ser um desafio que envolva muita gente, pessoas que estão nas universidades, nas periferias. Precisamos das melhores cabeças e também dos partidos políticos, para compormos uma grande aliança que possa salvar o Rio.