Crime aconteceu em 1994 na Favela Nova Brasília, no Complexo do AlemãoArmando Paiva/ Agência O Dia

Rio - O 1º Tribunal do Júri absolveu, nesta terça-feira (17), os cinco policiais militares e civis denunciados pelos homicídios de 13 pessoas na chacina da favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão. O caso aconteceu em 1994, e somente após quase 27 anos, o inspetor Rubens de Souza Bretas, o delegado Ricardo Gonçalves Martins, o ex-PM José Luiz Silva dos Santos e os ex-policiais civis Carlos Coelho Macedo e Paulo Roberto Wilson da Silva foram julgados.
Em novembro de 2018, os réus foram pronunciados por homicídio duplamente qualificado. Na votação da série de quesitos formulados de acordo com os crimes imputados aos ex-policiais, os jurados reconheceram os fatos, mas não a autoria dos assassinatos. A sessão, que durou dois dias, foi presidida pela juíza Simone de Faria Ferraz. O Ministério Público pediu a absolvição dos réus por falta de provas.
No primeiro dia de julgamento, foram ouvidas duas mulheres, testemunhas de acusação e jovens à época do crime. Uma delas relatou ter visto agressões e abusos cometidos pelos policiais na casa onde estava na ocasião. A outra contou ter sido agredida e abusada por um dos acusados. O delegado José Secundino depôs como testemunha de defesa, afirmou conhecer todos os réus e contou não ter participado da operação nem dos confrontos.
Outras quatros testemunhas de defesa também foram ouvidas antes do inquérito dos réus. O MPRJ pediu que as provas produzidas durante a audiência fossem enviadas à 35ª Vara Criminal, onde tramita o processo pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor que teriam ocorrido no ataque. Um sexto réu, o policial Plínio Alberto dos Santos Oliveira, teve sua punibilidade extinta por ter morrido no curso do processo, em 2018. 
Na sentença, a juíza destacou que os 13 corpos foram empilhados em uma praça na comunidade, como um aviso de demonstração de força para alguns e que, 27 anos depois, ainda "ecoa pela cidade a realidade de um estado policialesco de força e armas."

"Para alguns um exército vencido, em que as mortes foram comemoradas como "vitória", como se possível fosse comemorar a morte. Muito se disse aqui dos tormentos vividos pela longa instrução criminal, não os desconheço, não os relevo, não os minoro, mas sim, foram os réus julgados. As vítimas não tiveram esse sopro de esperança", ressaltou Ferraz. 
Durante os debates que aconteceram antes da reunião dos jurados para responder ao questionário, a promotora Julia Jardim e o advogado Rodrigo Roca discutiram por causa dos argumentos da defesa. A promotora alegou que o advogado estava sustentando a política de extermínio dentro do Tribunal de Justiça e que não poderia difamar e desqualificar a imagem das vítimas. Roca afirmou que estava sustentando sua fala a partir de informações dadas pelas próprias testemunhas.

Os cinco réus negaram os crimes e alegam que a acusação foi feita por uma confusão no reconhecimento na Corregedoria da Polícia. Rubens Bretas afirmou não ter assinado qualquer documento de auto de resistência e não sabe o porquê de ter sido investigado. José Luiz dos Santos contou que foi à Nova Brasília no dia para recuperar um carro roubado, trabalho que ele fazia por fora da atividade policial, mas não participou da investida.
Ele afirmou que foi à praça onde estava a pilha de corpos e reconheceu como Plínio um dos dois homens armados e sem camisa que apareceram em uma foto de jornal que foi anexada ao processo enquanto carregavam um policial ferido. José Luiz estava na foto com a camisa de sua empresa de recuperação de carros. Plínio usava uma guia branca de umbanda, característica que foi lembrada pelas duas testemunhas de acusação.

Carlos Macedo, que era detetive de polícia, afirmou que participou da operação, mas não cometeu nenhum dos crimes. Ele disse ter sido reconhecido por uma testemunha depois de piscar para um colega na sala de manjamento, quando vários policiais foram levados à Corregedoria para que as vítimas e testemunhas pudessem identificar os agressores.

Paulo Roberto da Silva afirmou que sequer esteve no local no dia da chacina e que a acusação foi baseada em um erro a partir do reconhecimento em sede policial de modo confuso e pouco claro. À época, ele estava lotado na Delegacia de Repressão a Entorpecentes, mas em função interna. Ricardo Gonçalves Martins também negou ter participado da operação, já que no dia estava trabalhando como segurança particular na casa de um empresário. Ele foi reconhecido por vítimas na Corregedoria da polícia.
Em nota, o Ministério Público do Rio que "lamenta o desfecho do processo e requereu a absolvição dos acusados não por chancelar a barbárie praticada por agentes em 1994, em Nova Brasília, e sim pelo fato de que não há provas da participação efetiva dos mesmos nos crimes de homicídio. Cabe ressaltar que alguns dos réus ainda respondem pelos crimes sexuais que foram denunciados". Confira a nota na íntegra no final da matéria.
Relembre o caso
No dia 18 de outubro de 1994, as polícias Civil e Militar do Rio realizaram uma incursão na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, com auxílio de helicóptero. Na ação, 13 jovens foram executados. De acordo com as denúncias formuladas, três mulheres, duas delas adolescentes na época, teriam sido torturadas e violentadas sexualmente. Após a repercussão da operação, uma comissão especial de sindicância instaurada para fornecer dados adicionais ao inquérito policial apurou indícios de execuções sumárias dos jovens e recolheu provas da violência sexual e tortura das adolescentes.

Na mesma comunidade, outra operação foi realizada no dia 8 de maio de 1995, como resultado de uma suposta denúncia anônima. Mais 13 jovens foram mortos na ação, que contou com auxílio de dois helicópteros. Cerca de 120 policiais participaram das duas operações. Os homicídios foram registrados como confrontos e autos de resistência, o que isentou os policiais da responsabilidade pelas mortes na época.
O Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) reabriu as investigações das chacinas da Nova Brasília em cumprimento à sentença determinada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) que condenou o Brasil pelas mortes em 2017. A Corte IDH determinou ao Estado Brasileiro o pagamento de indenizações por danos material e moral aos familiares das vítimas e às mulheres que sofreram violência sexual. Os juízes da Corte obrigaram ainda o país a reativar investigações sobre as mortes e os incidentes de violência sexual, além de implementar programa ou curso permanente sobre atendimento a mulheres vítimas de abuso.
Nota do Ministério Público do Rio 
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) vem esclarecer as razões pelas quais a 1ª Promotoria de Justiça Junto ao I Tribunal de Júri da Capital apresentou, nesta terça-feira (17/08), pedido de absolvição dos cinco policiais acusados por 13 homicídios qualificados na chacina de Nova Brasília, ocorrida durante operação realizada em 1994.
Durante o julgamento, a Promotoria apontou que o Estado não tinha condições de pedir a condenação dos réus por falta de provas contundentes. Cabe ressaltar que, ao longo de todos os anos de investigações, foram detectadas falhas estruturais e circunstanciais, que impediram uma adequada colheita de provas no seu nascedouro. Requerer a condenação de quem quer que seja sem o devido suporte probatório também seria altamente violador.
Em certa medida, é possível mesmo afirmar que os fundamentos da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e do pedido de absolvição apresentado pelo MPRJ, durante o julgamento, são basicamente os mesmos. O Estado brasileiro não foi capaz de responsabilizar seus agentes de segurança pelas violações.
Um julgamento que demora 27 anos, a partir da data do fato, por si só, é um julgamento injusto. O MPRJ lamenta o desfecho do processo e requereu a absolvição dos acusados não por chancelar a barbárie praticada por agentes em 1994, em Nova Brasília, e sim pelo fato de que não há provas da participação efetiva dos mesmos nos crimes de homicídio. Cabe ressaltar que alguns dos réus ainda respondem pelos crimes sexuais que foram denunciados.
É ainda vital reconhecer que não se logrou êxito na tarefa de alcançar provas porque os órgãos de execução penal não quiseram produzi-las e se omitiram nesta missão. Dessa forma, o MPRJ, acolhendo o princípio do in dubio pro reo, requereu a absolvição dos acusados, não afirmando a inocência dos mesmos, na medida em que não pode fazê-lo. Mas sustentando que não pode afirmar que eles efetivamente participaram daquela empreitada".
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