Comissão de Direitos Humanos da Alerj faz audiência pública sobre prisões por falha no reconhecimento facialTHIAGO LONTRA

Rio - A Alerj realizou, nesta sexta-feira, audiência pública para debater prisões por falha no reconhecimento facial. Um relatório da Defensoria Pública do Estado juntamente com o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE) revela que ao menos 90 pessoas foram presas injustamente com base em reconhecimento fotográfico, entre 2012 e 2020. O encontro foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado, que é presidida pela deputada Dani Monteiro (PSol).
Segundo a parlamentar, um levantamento feito pela Defensoria Pública do estado indica que 86,2% das detenções injustas por reconhecimento fotográfico resultaram em pelo menos nove meses de prisão aos alvos da falha.
"O que percebemos não são prisões individuais ou erros ao acaso. Há toda uma estrutura que corrobora e reafirma essas prisões injustas, e no nosso Código Penal são nítidas as etapas do reconhecimento fotográfico e como ele deve ser aplicado. Primeiro da descrição, segundo da comparação e terceiro da identificação", explica a deputada.
Um dos participantes da audiência pública, o produtor cultural Ângelo Gustavo Nobre, de 30 anos, foi uma das vítimas desse erro cometido pelo sistema. Ele ficou preso quase um ano acusado de participar do roubo de um carro na Zona Sul do Rio de Janeiro. No dia do crime, contudo, Ângelo estava em casa, onde se recuperava de uma cirurgia invasiva nos pulmões. A prisão do produtor foi sustentada no reconhecimento por uma vítima do assalto, que se baseou em uma foto nas redes sociais.
"Fui acusado e nem os autos do processo eu encontrei. Eu, inocente, sem qualquer relação ao fato criminoso, fui afastado da minha casa, da minha família, da minha filha. Foram dias difíceis, eu pensei que minha vida tinha acabado", revelou Ângelo.
A psicóloga e especialista em Justiça Criminal, Juliana Ferreira da Silva, diz que o reconhecimento por testemunha ocular é a principal fonte de erro do judiciário. "Indicativos de pesquisas mostram que o percentual de erro das testemunhas é muito alto. Uma em cada quatro testemunhas apontam pessoas erradas quando o culpado está presente nas linhas de reconhecimento e uma em cada três testemunhas apontam pessoas erradas quando o culpado não está presente na linha de reconhecimento", afirmou a psicóloga.
Segundo o delegado da Polícia Civil, Gilbert Stivanello, que esteve na audiência, os casos de condenações injustas a partir de reconhecimento fotográfico são exceções. O agente trouxe números de 2021 que indicam cerca de 8.010 reconhecimentos pessoais e 1.012 por fotografia, nos quais 7.500 foram tratados com êxito. Stivanello defende o sistema de reconhecimento e acredita que as falhas são de condutas pessoais. "A ferramenta é necessária, e a falhas são humanas. Precisamos qualificar nossos profissionais", comentou.
O deputado Waldeck Carneiro (PT) questiona a atribuição das prisões equivocadas a exceções e erros humanos dada pelo delegado.
"Por mais que os números trazidos possam indicar que o que estamos discutindo aqui são exceções, são casos que causam danos gravíssimos na vida das vítimas e de suas famílias. Há uma fortíssima incidência de vítimas negras, por mais que possa haver exceções, em decorrência de falhas humanas e documentais, essas incidências indicam falhas sistêmicas", pontuou o deputado.
Outros casos 
Vítima de situação parecida, o jovem Maicon Valentim, foi absolvido na última quinta-feira, após dois meses de prisão indevida. Ele teria sido reconhecido e ido sob custódia com base no reconhecimento por um print de Facebook. A prisão ocorreu em agosto, sem que o jovem sequer fosse levado para ser ouvido na delegacia. Maicon aguarda a chegada do alvará de soltura para este sábado, no presídio Romeiro Neto, em Magé, na Baixada Fluminense. 
Outro caso recente, mas dessa vez já com final feliz, é o do mototaxista Alexandre dos Reis Pereira Camargo, de 23 anos. Ele foi preso no dia 10 de agosto sob a acusação de tentativa de homicídio contra policiais durante troca de tiros no Morro da Providência, no Centro do Rio, em 9 de junho de 2020.
Alexandre foi detido enquanto renovava a habilitação em um posto do Detran em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio. À época ele contou que nunca esteve na Providência.
O mototaxista foi solto após ficar mais de um mês preso no presídio Ary Franco, em Água Santa, na Zona Norte. O desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), entendeu como insuficiente o reconhecimento do jovem por foto em carteira de identidade datada de 10 anos atrás, quando o suspeito tinha 12 anos de idade.
Assim como Maicon, Jeferson Pereira da Silva, de 29 anos, também foi acusado de um roubo ocorrido em 2019. Ele teria sido reconhecido através de uma foto 3x4 de quando tinha 14 anos. Após cinco dias preso, Jeferson conseguiu habeas corpus e finalmente pode voltar para casa. "Rezei muito para que essa hora chegasse. Gostaria de agradecer também meu advogado que lutou por mim incansavelmente", disse o jovem, emocionado ao deixar a prisão.