"Detalhes de uma vida/ Histórias que eu contei aqui", eu poderia cantarolar, elegendo uma das músicas mais famosas do ReiArte: Kiko

O tempo nublado e a ameaça de chuva insistiam em adiar os meus planos para o último dia de outubro. Mas venci a preguiça e despertei logo cedo. Ainda pela manhã, deixei Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, em direção ao Rio, onde novos ares se anunciavam. No carro, enquanto seguia o caminho para a Urca, via algumas pessoas se exercitando, levando os cachorros para passear ou à espera do ônibus no ponto. E o cenário me revelou decisões ainda divididas sobre o uso — não mais obrigatório — das máscaras ao ar livre na capital.

Já chegando ao meu destino, apareceu à minha frente um cenário que me traz belas memórias da juventude, lá dos anos 90: a fachada do campus da UFRJ da Praia Vermelha, na Urca, onde me formei pela Escola de Comunicação. Ou simplesmente ECO, para os mais íntimos. Bem perto da entrada para o Bondinho do Pão de Açúcar, encontrei a minha amiga Tainara, e de lá seguimos para um local onde um piso de pedras portuguesas forma uma linda Rosa dos Ventos, trazendo questionamentos sobre as direções da vida.

Ali, admirei o simbolismo dos barcos ancorados enquanto um deles zarpava pela Baía de Guanabara. Um vaivém bem parecido com o dos nossos sentimentos, que vivem um dilema entre a busca por segurança e a vontade de se lançar novamente por aí. Retirei a máscara para fotos e, já de olho no que o céu anunciava, corremos para garantir cliques enquanto alguns pingos caíam.

A chuva, então, engrossou e nos fez sair dali. Sobre quatro rodas, percorremos as ruas do charmoso bairro da Zona Sul carioca, onde mora o cantor Roberto Carlos. Comandando o volante do meu carro, que não é nenhum Cadillac, eu tentei tirar onda: "Conheço isto aqui como a palma da minha mão". Minha amiga sorriu, e contei que a Urca fez parte da minha rotina durante mais de 20 anos como repórter esportiva. Frequentemente, ia à Escola de Educação Física do Exército, onde equipes de vôlei e até as seleções brasileiras da modalidade treinavam. "Detalhes de uma vida/ Histórias que eu contei aqui", eu poderia cantarolar, elegendo uma das músicas mais famosas do Rei.

Segui, assim, um ritual de matar saudades e fiz questão de percorrer as ruas do bairro até chegar ao tradicional Bar Urca, de onde saem pastéis e cerveja para os encontros com amigos na famosa mureta ali em frente. Em seguida, pedi à Tainara que abaixasse o vidro do carona para um registro das varas de pescar enfileiradas naquele dia cinzento.
Dava para notar que o outro lado da cidade aparecia embaçado, assim com alguns momentos da vida surgem nebulosos diante das incertezas. Nessas horas, eu também recorreria ao Rei na sua famosa parceria com Erasmo Carlos, o Tremendão: "Além do horizonte deve ter/ Algum lugar bonito pra viver em paz/ Onde eu possa encontrar a natureza/ Alegria e felicidade com certeza..."