Alberto foi reconhecido como assaltante por uma foto 3x4Arquivo Pessoal

Rio - Apresentar a carteira assinada pelo emprego em que trabalha há 20 anos, no Cais do Porto, os comprovantes de renda e moradia fixas, o registro de ocorrência de um roubo do qual foi vítima e não ter antecedentes criminais, não foram suficientes para provar a inocência do estivador Alberto Meyrelles, preso nesta quarta-feira (17), em Realengo, na Zona Oeste do Rio, que agora conta com o pedido de revogação da prisão da Defensoria Pública do Rio (DPRJ) para ser solto.

Na manhã de ontem, Alberto seguia de sua casa para a da mãe, há uma distância de cerca de 100 metros e, ao chegar, foi abordado e preso por policiais civis em uma viatura descaracterizada. Em agosto, a reportagem de O DIA mostrou que ele vem tentando provar sua inocência desde que teve a prisão preventiva decretada. O estivador teve a carteira roubada em um assalto que aconteceu no mesmo dia do crime de que é acusado de ter cometido.

Segundo o inquérito policial, o documento de Alberto foi encontrado em um carro Toyota Corolla, mesmo modelo de veículo utilizado pelo grupo que o havia assaltado. A carteira de habilitação foi, então, apresentada pela polícia à mulher vítima do outro roubo, que o identificou como autor do crime apenas pela fotografia da CNH. Inicialmente, ela havia descrito o assaltante como uma pessoa "de cor negra, altura aproximada de 1,70m, cerca de 25 a 30 anos, gordo, sem barba, cabelo crespo". O acusado tem 1,80m e 39 anos.

Na época, ele registrou o assalto e chegou a mencionar o veículo e o extravio da CNH no boletim de ocorrência. No entanto, não houve desdobramentos na investigação do caso. Mas, quase sete meses depois, em 6 de novembro de 2019, foi instaurado inquérito para apurar as circunstâncias do assalto sofrido pela mulher e, por conta do reconhecimento fotográfico, Alberto passou a constar como suspeito.

O caso teve novo desdobramento em outubro de 2020, quando o Ministério Público do Rio de Janeiro (MRPJ) ofereceu denúncia e requereu sua prisão preventiva, pedido que foi acolhido pelo juízo da 1ª Vara Criminal de Bangu, com base, mais uma vez, apenas no reconhecimento feito através de imagem 3x4. De acordo com Augusto Meyrelles, irmão da vítima, a Justiça já negou três habeas corpus, alegando que o estivador é criminoso de alta periculosidade e reincidente.

"A gente só teve conhecimento do que estava acontecendo em maio deste ano, quando chegou um mandado (de prisão) para ele. Ele não foi ouvido pela Polícia Civil, não foi chamado amigavelmente para se explicar, para depor, só chegou um mandado de prisão e daí começou todo o calvário. Ele está sendo assistido pela Defensoria Pública. Tentaram habeas corpus, os três foram negados, porque a juíza alega que ele é de alta periculosidade, ela cita nos autos que ele é reincidente, sendo que ele nunca cometeu nenhum delito", afirmou Augusto.

A vereadora Tainá de Paula (PT) afirmou que o seu mandato está acompanhando o caso. "Até quando pessoas pretas serão caçadas pelo Estado? Quando vocês ouviram falar de uma pessoa branca que foi presa a partir do reconhecimento em uma foto 3x4 na delegacia?", questionou a parlamentar.

Em nota, a Polícia Civil informou que o reconhecimento fotográfico aconteceu na gestão passada da pasta e que a atual orientou, desde outubro de 2020, que os delegados não usem apenas o reconhecimento fotográfico como prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos. "A instituição informa que o método, que é aceito pela Justiça, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser ratificado por outras provas técnicas”.

Procurado, o Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) informou que o caso foi encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Os autos foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça e a decisão é aguardada. No caso deste tipo de recurso (ordinário constitucional), não há juízo de admissibilidade, a 2ª Vice-presidência somente encaminha para o STJ, como foi feito", informou a Justiça, em nota.

Grávida de três meses, a esposa de Alberto, Karine Garcia, fez um desabafo nas redes sociais. "A família está destruída. Estamos prestes a realizar o nosso maior sonho de ter um filho. Sinceramente sem acreditar que tudo isso está acontecendo. Sei que ele não é o único a ser injustiçado. Meu maior desejo é que todos tenham seus casos resolvidos!", escreveu Karine.

"Estamos decepcionados com essa Justiça, porque isso não é um erro, isso é racismo, porque como um juiz vai negar um habeas corpus três vezes para uma pessoa que é inocente? É sempre isso. Negro é sempre injustiçado, é sempre quem é preso. Sempre a carne mais barata do mercado é a negra. Meu irmão está sendo mais um desses que está pagando o pato, sem ter o que pagar. O que mais ele precisa provar? A Justiça é que tem que se renovar, que tem que ser feita de forma correta, sem assepsia de pele, tem que ser julgado de forma íntegra e não é feito dessa forma", lamentou o irmão de Alberto.
Negros são as maiores vítimas de reconhecimento fotográfico
Dados de dois relatórios, formulados pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) e pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), apontam a existência de falhas no reconhecimento fotográfico em delegacias do país. Segundo os documentos, de 2012 a 2020 foram realizadas ao menos 90 prisões injustas baseadas no método, sendo 73 delas no Rio de Janeiro. Desse total, 79 contam com informações conclusivas sobre a raça dos acusados, sendo 81% deles pessoas negras.

O primeiro relatório, divulgado em setembro de 2020, citou 58 erros em reconhecimento fotográfico de junho de 2019 e março do ano passado. Todos eles no Rio de Janeiro. O relatório mais recente, produzido com informações enviadas por defensores de dez estados diferentes e publicado em fevereiro de 2021, engloba o período de 2012 a 2020. Neste estudo foram contabilizados 28 processos, quatro deles com dois suspeitos, envolvendo assim 32 acusados diferentes.
O Rio de Janeiro é o estado que apresenta maior número de casos, com 46% das ocorrências. Cerca de 83% das pessoas apontadas como suspeitas eram negras. No total, 81% dos erros citados nos casos dos 90 réus foram constatados em prisões realizadas no Rio de Janeiro. A maioria das acusações foram por prática de roubo. Considerados os dois relatórios, conclui-se que 81% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico são negros, somando-se pretos e pardos.