Caso de menina de 2 anos, em São Gonçalo, não é isolado. Só em 2020, o Rio teve 3.591 crianças e adolescentes vítimas de violência sexualReprodução

Rio - Policiais da 74ª DP (Alcântara) investigam se uma menina de apenas dois anos foi abusada sexualmente pelo tio, com o consentimento da própria mãe, no Jardim Catarina, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Os suspeitos, que são irmãos e teriam uma relação incestuosa, foram linchados por moradores do bairro, na última terça-feira, dia 11, que se revoltaram com a história e os acusaram de estupro.
A polícia tomou conhecimento do caso após um líder religioso da região, ser chamado por traficantes, e levar o casal para a delegacia. A criança passou por exame de corpo de delito, e a distrital aguarda o resultado do laudo pericial para saber se alguma lesão foi constatada.
O pastor que levou o casal para delegacia contou aos agentes que estava em sua casa quando um homem o procurou para que ele socorresse uma mulher que estava sendo espancada. Segundo ele, ao chegar na Rua Albino Imparato, principal via do bairro, se deparou com os irmãos amarrados por fitas adesivas e muito machucados, sendo linchados pela vizinhança.
O religioso afirmou, em depoimento, que enquanto colocava a dupla no carro para socorrê-los, a mulher teria dito que os vizinhos descobriram que ela permitia a prática do estupro contra a filha. E, segundo o pastor, após a violência contra a filha, ela ainda manteria relações sexuais com seu irmão na frente da criança.
A mulher ainda teria dito ao pastor que estava grávida de 2 meses dele e que ela mesmo foi estuprada ainda criança pelo irmão. Entretanto, em sede policial, ela negou que permitisse que seu irmão abusasse de sua filha e disse, ainda, que jamais deixaria ele fazer qualquer mal contra a bebê. A criança foi encaminhada para uma assistente social.
Por conta dos graves ferimentos, o tio da criança não teve condições de prestar depoimento. O casal de irmãos foi socorrido por uma ambulância do Samu.
Cenário da violência
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados pelo Unicef, entre 2017 e 2020, 62 mil crianças com idade até dez anos foram vítimas de violência sexual no Brasil. Só no Estado do Rio de Janeiro, 12.093 meninas e meninos até 17 anos sofreram violência sexual. No ano de 2020, o número foi de 3.591 crianças, adolescentes e jovens até 19 anos vítimas de violência sexual no estado.
"A maioria das vítimas é de meninas, na faixa dos 10 aos 14 anos, cerca de 47% desses crimes. Dos 15 aos 19 cai para 19%. Isso explica porque existe um tipo penal específico para atos libidinosos, sejam sexuais ou contato sexual impróprio, com menores de 14 de idade. Embora esse padrão em relação a faixa etária e gênero não existe um perfil do abusador. O abusador está presente em todas as classes sociais", afirma o coordenador de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Rio, Rodrigo Zambuja.
Em 40% dos casos abusador é conhecido
Em 2020, 3.591 crianças, adolescentes e jovens até 19 anos foram vítimas de violência sexual só no Estado do Rio, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que foram divulgados pelo Unicef. Segundo o levantamento, houve uma queda no número de registros de violência sexual, nos meses em que as medidas de isolamento social por conta da pandemia de covid-19 estavam mais fortes, em comparação aos anos anteriores. No entanto, a Unicef pontua que essa queda provavelmente representa um aumento da subnotificação, e não de fato uma redução nas ocorrências.
Coordenador do Núcleo de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Rio, Rodrigo Azambuja também acredita que essa diminuição de registros não retrate a quantidade real de casos, mas sim a subnotificação por causa da pandemia e do isolamento social. Ainda segundo o defensor público, mais de 30% dos crimes de violência sexual contra menores são cometidos por algum familiar.
 
"Existem dados que mostram que em 32% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes o abusador é algum familiar e em 8% é um conhecido. A maioria dos crimes contra crianças e adolescentes acontecem no ambiente doméstico e as necessidades de isolamento social, por conta pandemia, certamente contribuiu para ocultar os números de crimes, no ano de 2020. A gente acha que esta queda nos índices foi apenas na criminalidade comunicada à Justiça e não naquelas que vinham acontecendo. O problema continuou, mas houve queda apenas na notificação", disse Azambuja.
 
Educação sexual: aliada no combate ao crime
 
Para o coordenador de Infância e Juventude da Defensoria, é necessário políticas públicas para combater este tipo de crime no estado.  "Faltam políticas públicas para prevenir abusos sexuais de crianças e adolescentes. Nas escolas não há integração necessária com órgãos competentes do Estado e da Justiça para cuidar desses meninos e meninas. Esta falta de integração impede um cuidado mais efetivo e que sinais de violência sexual sejam logo percebidos e evitados".
 
Ele criticou ainda a ausência de educação sexual nas escolas. "Faltam atividades de educação sexual nas escolas, já que são mal compreendidas e vistas como erotização e homossexualização. Estes temas acabam virando tabu e não conversados e isso contribui para que casos de violência não sejam desvendados e acabem acontecendo".
 
O defensor orienta para que as pessoas denunciem casos de violência sexual. "Devemos estar vigilantes e cuidar de todas as crianças, é dever de todos, ainda que essa criança não seja nosso parente, é constitucional. Eventualmente há sinal de violência. Crianças, por exemplo, ficam mais arredias e rebeldes, esta é a forma que ela tem para comunicar-se sobre a violência que vem sofrendo. Notifiquem às autoridades, aos conselhos tutelares".
 
Exploração sexual infantil cresceu em 2021
 
Um levantamento feito pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) apontou que crimes de exploração sexual contra crianças e adolescentes aumentou em 40% de 2020 para 2021, quando o número de registros subiu de 180 casos para 253.
 
Os crimes contabilizados pelo TJ são: satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente; crime /contravenção contra criança e adolescente; submeter criança/adolescente à prostituição ou exploração sexual; vender, expor à venda foto, vídeo ou outro registro com cena sexo explícito; oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar imagem com cena de sexo explícito; e adquirir, possuir, armazenar imagem outro registro com cena de sexo explícito.