Vivi, de Passaporte para LiberdadeDivulgação

Rio - Recentemente, a TV Globo exibiu a minissérie 'Passaporte para Liberdade', retratando o regime nazista de Adolph Hitler. Um tema que deveria ser sempre recorrente nas produções, segundo o rabino Micha Gamerman, neto de sobreviventes do Holocausto que buscaram refúgio no Brasil. “Temos sempre que falar disso para as novas gerações e introduzir o tema nas escolas, para que jamais se esqueçam do ocorrido e, também, para que essa violência nunca se repita. Infelizmente, ainda há pessoas que negam o Holocausto. Então, é preciso lembrar do mal que aconteceu para que ele não se reproduza”, afirma Micha, que também é professor da comunidade judaica.
A lembrança constante de uma parte tão terrível da História da Humanidade - a Europa sob o jugo de Hitler - não significa que somente ali existem sementes de intolerância em geral e, especificamente, um antissemitismo que precisa ser sempre sufocado. Aqui, do outro lado do Atlântico, brasileiros de vez em quando se surpreendem com  notícias sobre grupos clandestinos inspirados na maldade hitlerista. No fim do ano passado, a partir do Ministério Público do Rio, foram feitas operações policiais em setes estados, com mandados de busca e apreensão de pessoas e material de ideologia neonazista. 

O sofrimento e os traumas dos judeus retratados pela minissérie da Globo fizeram Micha se lembrar do que os avós enfrentaram antes de chegarem ao Brasil. “Meu avô perdeu 11 irmãos. Foi o único sobrevivente, mas conseguiu formar uma linda família. Ele sequer podia ouvir o nome de Hitler, pois não controlava sua raiva. Minha avó não podia ver comida sendo desperdiçada. Ela contava da fome que passaram nos campos de concentração, pois o alimento era racionado. Então, ela sentia muito prazer em se sentar com os netos e bisnetos e vê-los comer. Por tudo isso, temos orgulho de manter a nossa história viva”.



Na opinião de Micha Gamerman, a protagonista da obra, Aracy de Carvalho, funcionária do consulado brasileiro que ajudou a salvar vários judeus, colaborou, na verdade, com a mobilização contra a barbárie. “No final de um episódio, ouvi a neta de sobreviventes dizer a frase que reproduzo: ‘Aquele que salva uma alma, salva o mundo inteiro’. Porque, por meio disso, eles conseguiram construir famílias. Como estudioso do judaísmo e neto de sobreviventes, digo que essa é uma frase dos nossos sábios”.

O que salva o mundo é o amor ao próximo
Na opinião de Gamerman, é muito importante que, por meio de produções como 'Passaporte para Liberdade", se possa introduzir a lição do amor ao próximo. “Essa minissérie me impactou pelo amor que Aracy tinha pelo ser humano. Ela não era da nossa religião, mas se dedicou ao nosso povo, salvando-o e, assim, se tornando uma pessoa sublime, pela sua bondade, entre outras nações. Assim como foi Oscar Schindler, que fazia parte do regime nazista, mas também salvou vários judeus. Por amor ao próximo, ele se tornou uma figura sublime, a qual temos consideração, mesmo não sendo da nossa comunidade. E Aracy merece todo nosso prestígio por ter salvado pessoas que conseguiram formar suas famílias aqui no Brasil”.

Na verdade, amar ao próximo como a si mesmo é bíblico. “É um preceito judaico. O Mestre Rabi Akiva ensinou isso para seus alunos. Ele explicou que se você não consegue amar ao próximo como a si mesmo, porque é muito difícil, pelo menos não faça a ele o que não gostaria que fizesse a você. Você não gostaria de ser mutilado, que seu povo entrasse em extinção ou de sofrer, então, não faça. Esse é um grande ensinamento dessa minissérie”, pontua.

Micha Gamerman acredita que só quando os povos entenderem que o que salva o mundo é o amor, não haverá mais violência. “Vivemos diferenças entre raças, culturas e religiões. Mas quando o ser humano entende que tem que respeitar todo mundo, as minorias e suas diferenças, a gente pode acreditar que o mundo vai progredir”.
A quem interessa esconder a História?

Wladimir WeltmanReprodução

"Qualquer minoria tem a obrigação de manter viva as memórias das injustiças. Todos sabiam o que Hitler pensava (escreveu um livro sobre isso), e o que começou a acontecer com a população judaica alemã, assim que ele tomou o poder, mesmo antes do início da Segunda Guerra Mundial. A grande maioria do mundo apenas escolheu se manter silenciosa a respeito. Deu no que deu...", comenta o jornalista, escritor e roteirista Wladimir Weltman. 

Para ele, há algo de obscuro em quem põe em dúvida os feitos de Aracy de Carvalho, intenção que pipocou na mídia quando a minissérie foi ao ar. "Quanto àqueles que tentam minimizar os feitos de Aracy e sua importância na sobrevivência de judeus naquele período, obviamente há uma agenda escondida", sugere Weltman. "O Yad Vashem, o museu do Holocausto em Israel, prestigiou Aracy como sendo uma 'justa' (um conceito judaico sobre o ideal que todo ser humano deve tentar imitar). É a instituição mais eficiente para estudo do Holocausto no mundo, não tem uma agenda oculta. Eles homenageiam sinceramente aqueles que realmente salvaram vidas judaicas. Tenham sido 100 ou 1 só, porque uma vida humana vale tanto quanto toda a humanidade."
União que fez florescer as Artes e Ciências
Nascido no Rio, Weltman hoje vive com a família em Los Angeles, onde prepara um documentário sobre os primeiros judeus da América do Norte. "Os 23 primeiros judeus que aportaram na ilha de Manhattan, quando ainda era uma colônia holandesa, foram judeus brasileiros/portugueses fugidos do Recife, depois que a cidade foi reconquistada pelos Portugueses em 1654", conta. 

O roteirista adianta que o documentário trará dados surpreendentes sobre os judeus do Brasil. Ele entrevistou a recém-falecida historiadora da USP Anita Novinsky.
"Ela me afirmou já ter provado que 30% da população do Brasil colonial era de origem judaica. Mas que tinha certeza de que esse número era muito maior. Provavelmente 60%. E que a colonização do Brasil, desde o seu início, foi de judeus da Península Ibérica, que habitavam a região desde muito antes do nascimento de Portugal e Espanha. E que, durante séculos conviveram com visigodos, romanos, muçulmanos e cristãos em relativa harmonia. Foi uma era de ouro para as ciências e as artes; muçulmanos e judeus recuperaram para o mundo ocidental a literatura e a filosofia grega, que o mundo medieval havia apagado. E os judeus da Península geraram sábios nas ciências, no comércio, na literatura e na poesia. A maioria dos sábios da Escola de Sagres eram de origem judaica. E tudo isso terminou com a expulsão dos judeus da Península, as conversões forçadas e a Inquisição", revela Wladimir Weltman.