Sarah, Igor e Nina: vítimas do racismo em espaços elitizadosReprodução
As vítimas das histórias acima são a influenciadora Sarah Fonseca, de 28 anos, ex-participante do reality show 'De férias com o ex' com mais de 700 mil seguidores no Instagram; Nina da Hora, de 26 anos, conhecida como "hacker antirracista", referência da nova geração de pesquisadores ligados à tecnologia; e Igor Palhano, de 30 anos, filho do humorista Mussum, famoso por integrar 'Os trapalhões' ao lado de Didi, Dedé e Zacarias. Tratam-se de pessoas em evidência, o que ajuda a espalhar a gravidade dos casos. Mas, infelizmente, esse tipo de situação não é uma novidade na capital carioca.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) especialista em relações sociais, Vantuil Pereira acredita que estes casos demonstram que ainda vivemos sob uma "estrutura racista que não foi alterada". "Por quase 90 anos a população negra foi excluída, em sua maioria, dos bancos universitários. A presença de negros na televisão foi rarefeita, sempre ocupando espaços subalternizados. A violência contra favelados, em sua maioria negros, é um cotidiano na cidade do Rio", aponta.
Para Vantuil, os episódios em questão evidenciam que, independentemente dos patamares sociais e econômicos, as pessoas negras não estão livres dos efeitos do racismo. "A origem e a cor da pele, determinam assimetrias socioeconômicas e políticas. Indicam que existe no senso comum lugares que os negros deveriam ocupar, uma espécie de hierarquização. Os estranhamentos dizem respeito ao passado escravista, onde os negros eram serviçais, subalternizados e pobres, ocupando lugares que não eram o de consumidores. Ainda estamos neste estágio em determinados espaços da cidade. São lugares onde a presença de negros gera estranhamentos", explica.
Marcas de discriminação
O imaginário popular sobre o Rio aponta para uma certa harmonia racial e uma coletividade hospitaleira, mas a realidade não tem acompanhado a fama. Um levantamento do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ) apontou que o número de registros de ocorrência por racismo dobrou no primeiro semestre de 2021 em comparação com o mesmo período de 2019. E estamos falando do segundo estado mais preto do Brasil, de acordo com o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, atrás somente da Bahia.
"O atual contexto político externalizou o que alguns segmentos já queriam expressar e se viam compelidos. Políticas como as cotas, o incipiente acesso de negros ao mercado consumidor, aos aeroportos, adquirindo veículos.... tem incomodado alguns que imaginam existir lugares sociais e a presença desses corpos representa um acinte. Alguns pensam que negros não podem ocupar determinados lugares, reservados para uma casta. Isso tem relação direta com o passado escravista", analisa o professor.
Para o especialista, o fato da sociedade prestar mais atenção em casos como os relatados aponta avanços da luta antirracista, mas ainda há uma caminhada longa pela frente. "Dificilmente isso ocorreria antes do debate público sobre cotas, antes da emergência de movimentos como o Black Lives Matter - Vidas Negras Importam -. Há um debate público sobre o racismo que precisa ser aprofundado. Deveríamos estimular mais e mais o aparecimento e publicização de denúncias. São elas que tem nos levaram a um outro patamar e que tem estimulado a indignação frente ao preconceito e ao racismo", afirma.
Relembre os casos
A empresária e influenciadora Sarah Fonseca registrou queixa de racismo na Delegacia de Combate a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no Centro do Rio, na última terça-feira (8). Em vídeo publicado nas redes sociais um dia antes, Sarah relatou, às lágrimas, que ela se aproximava da família do namorado para pegar as chaves do apartamento, quando um funcionário da padaria Baked, em Ipanema, Zona Sul do Rio, se aproximou e disse que era para ela se afastar do local.
"Acabei de sofrer racismo por esse cara aqui em Ipanema. Meu namorado tava sentado ali com os pais, fui conversar com eles e ele me mandou sair. Achou que eu ia pedir dinheiro. Vergonha! Eu só cheguei perto do meu namorado para falar com ele e ele mandou eu sair. Vergonha!", denunciou Sarah no vídeo.
No dia 4 de março, a cientista da computação Nina da Hora denunciou, também através das suas redes sociais, que foi vítima de racismo enquanto fazia compras na Livraria Travessa do Leblon, também na Zona Sul. De acordo com seu relato, um segurança da loja teria a seguido enquanto ela se aproximava das estantes do local e chegou a impedir que ela olhasse um dos títulos à venda.
"Eu gosto muito de livrarias e hoje eu estava na Livraria Travessa, no Leblon, comprando livros com a minha irmã e o segurança achou que ele tinha o direito de me seguir e parar em cima dos livros que eu estava olhando. Eu tive que falar o valor que eu gastei da última vez que foi alto e depois falar com a gerente. Agora a gerente disse que ia conversar com ele mas registrando pois imagina só me constranger a ponto de não me deixar fazer uma das coisas que mais amo, que é ler", contou Nina.
Igor Palhano registrou também registrou seu caso na Decradi no último dia 4. O episódio aconteceu quando ele tentava deixar o Park Shopping Jacarepaguá com sua motocicleta na noite do dia anterior. Os seguranças do shopping lhe pediram habilitação e documento da moto, e mesmo após a apresentação dos documentos, ele ainda foi retido no local por meia hora.
"Eu mostrei documento e habilitação, mesmo não devendo mostrar. Eu me senti humilhado. Eu já estava tão acostumado (com situações de racismo) que tentava levar: 'isso acontece, é da nossa sociedade'. Mas, dessa vez, me privaram de sair. Estou humilhado, impotente. Mesmo tendo vários amigos, uma família que me apoia, passei por isso", relembrou.
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