Juan Carlos Raxach, coordenador da área de prevenção e promoção de saúde da Abia Divulgação

Rio - "Bota a camisinha, bota, meu amor / Que hoje tá chovendo, não vai fazer calor." A marchinha de João Roberto Kelly cantada pelo apresentador Chacrinha estourou em 1987. Ninguém estranhava, nos anos 1980 e 1990, a irreverência das campanhas para a prevenção contra o vírus HIV para adultos, adolescentes ou grupos específicos. O vírus da Aids foi identificado pela primeira vez no início dos anos 80. O primeiro caso no Brasil foi em 1983, na Cidade de São Paulo. O mundo está entrando na 5ª década do surgimento do HIV, e apesar de continuar existindo infecção e mortes, o Brasil está mais acanhado no enfrentamento ao vírus.
Mas o fluxo de informação não pode parar. Por isso, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), que tem como foco o acompanhamento das políticas públicas, a formulação de projetos de educação e prevenção ao HIV e à Aids, vai realizar uma live em formato de talk show na quarta-feira, dia 18, via zoom, para abordar essas questões. A partir daí, o canal da instituição no YouTube vai disponibilizar uma série de cinco entrevistas com especialistas da Abia.
Mais de 36 milhões já morreram de doenças relacionadas à Aids no mundo. O vice-presidente da Abia, Veriano Terto Junior, que é doutor em Saúde Coletiva, lembra que o Brasil tem uma boa experiência no enfrentamento à epidemia, com acesso universal aos medicamentos distribuídos pelo SUS.
"Quanto menos carga viral no corpo em tratamento, menor a chance de infectar outras pessoas. No Brasil, conseguimos um número próximo de 70% das pessoas diagnosticadas com HIV e em tratamento com carga viral indectável, o que é um dado muito bom", comenta.
Para o especialista, combater o HIV deixou de ser prioridade para governos e órgãos de saúde publica. "O tratamento é mais precário onde há populações que 'não interessam' para o mundo: pobres, trans, países africanos. Nesse contexto cada vez mais conservador, as pessoas são vistas como problemas, ameaças, e isso acaba afetando a maneira de ver a Aids. É mais uma doença da pobreza e dos potenciais 'doentes' da sociedade", expõe a ferida.
Tuberculose
No Brasil, temos uma estimativa de 10 mil mortos por ano, sendo que cerca de 30% estão relacionados à coinfecção com a tuberculose. Quem tem HIV está mais suscetível de adquirir a outra doença? Sim, mas somente quem não está em tratamento. É comum que quem tem tuberculose faça o teste para HIV e vice-versa. Aliás, duas doenças altamente estigmatizadas.
O preconceito é uma barreira teimosa para um mundo que há 40 anos luta contra uma epidemia. Até hoje, quem se infecta com o HIV, desenvolvendo Aids ou não, é 'apontado' pela sociedade, o que acaba gerando um prejuízo emocional ao paciente.
"A pessoa pode ter depressão, porque não pode revelar sua condição no trabalho, tem dificuldades sociais e de iniciar relacionamentos. Pior: no Brasil, não temos uma legislação que proíba empresas de submeter as pessoas a testes de HIV", aponta Veriano.
Detalhes importantes
Quando uma pessoa adquire o vírus mas não está com nenhum tipo de infecção oportunistas e sistema imunológico não está deteriorado, diz-se que ela possui HIV. Para dizer que alguém está com Aids, além de ter o vírus, a pessoa necessariamente padece de alguma infecção oportunista e está com a imunidade seriamente afetada.
"Já quando a pessoa inicia tratamento retroviral e diminui a quantidades de vírus a níveis indetectáveis, ela deixa de transmitir o vírus. Isso se chama tratamento como prevenção. Mas é preciso manter o tratamento para continuar assim", explica o coordenador da área de Prevenção e Promoção de Saúde da instituição, o médico e psicoterapeuta Juan Carlos Raxach.
Serviço
Talk Show sobre a prevenção do HIV e Aids no Brasil.
Dia 18 de maio, das 14h30 às 17h
Em plataforma Zoom (https://bit.ly/abiatalkshow). Senha: 975198.
Programas pré-gravados disponíveis no canal /www.youtube.com/user/ABIAIDS/.
A realidade no Rio de Janeiro
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam para a existência de 38 milhões de pessoas, no mundo, vivendo hoje com o vírus.
De acordo com o Boletim Epidemiológico HIV/Aids, do Ministério da Saúde, o Rio de Janeiro é o 2º estado (o primeiro é São Paulo) que registrou mais casos de HIV em 2020 (3.031 casos) e também até junho de 2021 (1.222).
Foram notificados no Estado do Rio 16.532 casos de HIV no período de 2018 a 2021, com um acumulado de julho de 2009 até julho de 2021 de 36.542 casos.
Juan Carlos Raxach afirma que há uma queda nos casos na maioria dos indicadores ou dados reportados, "mas sempre existiu uma subnotificação para a maioria dos indicadores e, com certeza, essa subnotificação deve ter se agudizado nos dois últimos anos devido à epidemia de covid-19".
Uma mudança ocorrida por causa da covid facilitou a vida dos pacientes. Ao invés da pessoa ser obrigada a ir mensalmente ao posto receber os retrovirais, essa rotina agora pode ser a cada dois ou três meses. Foi levada em conta a dificuldade de deslocamento, até por conta do empobrecimento das pessoas.
Como pode melhorar?
A forma como o país enfrenta o HIV/Aids já foi melhor? Os especialistas fazem coro: "sim!". "As campanhas escassearam, vivemos num contexto muito mais conservador do que nos anos 90. Aqui e no mundo. Antes, era mais fácil abordar temas como vida trans e sexo na juventude", lembra Veriano.
Educar a população continuamente, falando para todos os públicos, poderia jogar esse números lá embaixo. Mas há outro 'pecado mortal' sendo cometido. "No Rio, por uma questão moral, não se compra mais gel lubrificante para preservativo, e ele é fundamental. Já caiu o número de preservativos, e distribuídos sem gel, a pessoa acaba preferindo fazer sexo sem proteção", diz Juan Carlos, que completa: "Infelizmente, o governo tem bloqueado a participação da sociedade civil nas decisões das politicas públicas do Brasil.