Amigos e familiares de Fabrício dos Santos Silva se reuniram neste domingo para prestar a última homenagem ao jovem no Cemitério São Francisco Xavier, no CajuCleber Mendes / Agência O Dia

Rio - Sob forte comoção, familiares e amigos de Fabrício dos Santos Silva, 24 anos, se despediram do jogador do time de futebol amador São Caetano, na tarde deste domingo, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, Zona Portuária do Rio. Testemunhas ouvidas pelo DIA afirmaram que, por ele ser morador de Manguinhos, área do Comando Vermelho (CV), foi morto na madrugada deste sábado, ao entrar no Morro do Cruz, na Tijuca, região de atuação do Terceiro Comando Puro (TCP). O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios (DH).
Durante o velório, Sueli Santos desabafou sobre a morte do filho, que além de jogador também era ajudante de cozinha em uma fábrica de salgados em Bonsucesso. 
"O corpo dele foi fuzilado. Muito tiro. Meu filho não tinha nenhum envolvimento com o crime. Ele estava trabalhando de carteira assinada e andava até com contracheque no bolso, porque tinha medo. Sempre quando era abordado, por ser negro também, ele mostrava o documento. Ele era uma pessoa muito boa. Desde ontem eu estou tentando chorar, mas não estou conseguindo. Minha ficha ainda não está caindo que meu filho está ali no caixão parecendo até uma peneira. Agora eu só quero saber o que aconteceu".
Segundo a mãe, Fabrício estava com dois amigos, em um bar de Manguinhos, quando soube de uma festa no Morro do Borel, também na Zona Norte. Eles pegaram um carro de aplicativo, que deixou os três no Morro do Cruz: uma extensão do Borel dominada pela quadrilha de traficantes rivais que atua em Manguinhos.
"A única coisa que eu sei é que eles iam para a comunidade do Borel, mas acabaram indo para essa comunidade que eu nem sabia que existia, que é o Morro do Cruz. Chegando lá, os colegas que estavam com ele viram que não era a comunidade que eles iam. Uma moça, que eu não sei quem é, saiu e falou 'olha, vão embora daqui, porque aqui está em guerra e é outra facção'. Os dois ficaram com medo e saíram correndo, mas Fabrício ainda ficou lá conversando com a moça, que ela falou que ia deixar ele dormir na casa dela e que qualquer coisa que acontecesse ela iria falar que era sobrinho dela", contou Sueli.
Ainda conforme a mãe do jovem, os amigos ficaram desesperados e ligaram para ela. "Por volta das 4h30, 5h, eu fui lá nessa comunidade e vi que o chinelo dele estava na porta da casa dessa tal moça e bati na porta. Eu achei que ele estava dormindo lá e comecei a gritar o nome dele pra ver se ele acordava. Nisso, eu vi muito carro da polícia subindo e descendo. Bateu um desespero, porque nessa hora ninguém sabia dar informação, todo mundo ficava com medo. Parei um carro da polícia e mostrei uma foto dele. Os policiais pegaram meu telefone, subiram e quando desceram me falaram que tinha um corpo no Andaraí. Eu pedi pra me deixarem lá pra eu ver, mas me mandaram ir pra delegacia, na 19ª DP", relatou Sueli, que acrescentou:
"Fui lá, dei o nome dele, mas não tinha nenhuma ocorrência. Quando a gente estava saindo, apareceram dois carros da polícia e perguntei de novo se acharam meu filho. Eles olharam a foto e mandaram eu ir no IML, porque o corpo que encontraram no Andaraí poderia ser dele e quando cheguei lá era do Fabrício mesmo".
Um dos amigos que estava com Fabrício contou que uma moradora do local tentou alertá-los sobre o perigo de estarem em uma comunidade de facção rival, mas o jovem atleta não a escutou. "A moça tentou a ajudar a gente, mas Fabrício não escutou e foi em direção aos caras. Eu só vi um menino descendo atrás da gente e a moça falou que era o vigia deles. Descemos correndo e lá embaixo encontramos uma amiga que mora no Jacaré, que conseguiu pedir um Uber pra gente ir embora", relatou o rapaz que preferiu não se identificar.
O presidente do time em que Fabrício jogava, Valdenir de Souza, lamentou a morte precoce do rapaz e pediu justiça.
"O garoto era muito bom, trabalhador e recentemente ganhou uma promoção no serviço dele de ajudante de cozinheiro, onde trabalhava há quatro anos. Foi uma grande covardia fazer isso com um trabalhador. Eles deveriam ter perguntado se era trabalhador e não ter executado um rapaz desse. Ele era muito querido, a comunidade está toda chocada. Esperamos que não fique impune", disse.
Traficante Scooby teria ordenado morte, apontam áudios
Áudios obtidos pela reportagem e atribuídos a traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP) apontariam conversas sobre a execução de Fabrício. Em um deles, que seria do criminoso Leandro Nunes Botelho, o Scooby, mostra a orientação para o crime. "Vamos ver qual é desse maluco aí, vamos ver qual é desse maluco aí, meu parceiro. Pega a visão geral: se ele tem família no morro, qual é a dele. Se ele for de Manguinhos, parceiro, não tem papo. Não tem papo, mano, não tem papo".
Scooby é líder do Morro dos Macacos, território invadido por traficantes do Comando Vermelho há dez dias. O criminoso, além de vender drogas, cobraria por taxas de internet e outros serviços a moradores e perdeu uma fonte de renda com a invasão. Ele atualmente estaria no morro São Carlos, de onde tenta retomar o local.