Na Zona Portuária, mais precisamente na Gamboa, o belo coreto da Praça da Harmonia também chama a atenção. Construção é de 1912Vanessa Ataliba

Rio - Construídos há mais de 100 anos, os coretos são guardiões de uma parte importante da tradição cultural do Rio. Se antes eram palcos de festas, bailes de carnaval e até de discursos políticos, hoje perderam um pouco do protagonismo. No entanto, ainda são motivos de orgulho para moradores de diversos bairros, principalmente na Zona Norte. 
Alguns coretos sofrem, ainda, com vandalismo e acabam virando moradia improvisada para pessoas em situação de rua. Outros, porém, "envelheceram" bem e continuam servindo como locais de interação social e entretenimento.
Um dos mais icônicos coretos da cidade, inaugurado em 1919, fica no Jardim do Méier, bem perto do Hospital Municipal Salgado Filho. O professor de Educação Física Marcelo de Farias, 39 anos, ministra aulas para a terceira idade na praça e ressalta a importância afetiva do local, ainda que, costumeiramente, ele seja alvo de vandalismo. "Ao longo dos meses, a gente nota que a prefeitura faz um conserto aqui, outro ali, mas logo aquilo aparece quebrado por obra das pessoas que não enxergam o valor histórico que tem para o bairro e para a cidade. A gente passa, mas a história por trás de onde a gente vive permanece", afirma.
Também na Zona Norte, em Quintino, há outro coreto, esse de 1917. Moradora há 29 anos da região, Márcia Curcino, 62, tem orgulho do monumento. "O coreto é parte da história do bairro. Ele não está em suas melhores condições. Nem ele e nem a praça em si. Ainda assim, há anos que a missa de São Jorge é feita no coreto também. O pessoal coloca as cadeirinhas e todo mundo assiste", conta.
Na Zona Portuária, mais precisamente na Gamboa, o belo coreto da Praça da Harmonia também chama a atenção. Fisioterapeuta do Centro Psiquiátrico do Rio, Danielle da Costa, conta que a praça e a construção, que data de 1912, são utilizados para atividades de fisioterapia ao ar livre, além de festas. "Aqui, nós fazemos, além dos exercícios físicos, festa junina e carnaval, tudo em volta do nosso coreto, que também serve para acolher a população que não tem onde morar em um dia de chuva", revela.
Outros importantes coretos ficam no Campo de São Cristóvão, ao lado do Centro de Tradições Nordestinas Luiz Gonzaga, e na Praia de São Roque, na ilha de Paquetá, onde acontece uma tradicional festa junina.
História
A ideia de promover eventos públicos em praças, ruas e jardins foi diretamente influenciada pelo renascimento artístico e cultural, a partir do século XV. No entanto, a popularização dos coretos ocorreu a partir do final do século XVIII e início do XIX, principalmente com o crescimento de cidades na Europa, atendendo a necessidade de atividades comerciais, manifestações políticas e religiosas, além de apresentações de música, teatro e poesia.
No Brasil, os coretos também se espalharam por povoados, vilas e cidades. Muitas vezes associados à Igreja, por serem extensão da capela central do lugar. O Rio de Janeiro já chegou a ter 24 exemplares dos mais diversos modelos, a maioria no subúrbio, onde geralmente não havia muitas opções de cinemas, teatros e outras opções de lazer. Até por isso, os coretos adquiriram caráter de agregação e sociabilidade. Aliado a isso, o carnaval teve papel fundamental na popularização, já que era nos coretos onde se  apresentavam bandas, além de servir como local de concentração para blocos. 
Na Praça Saens Peña, na Tijuca, por exemplo, moradores se reuniam ao redor do coreto, que foi demolido, para apresentações de bandinhas após a missa na Igreja de Santo Afonso, muito antes da chegada dos famosos cinemas na região.

O primeiro coreto instalado na cidade do Rio foi inaugurado em 21 de junho de 1903, na Praça XV. Sua edificação estava ligada a política de modernização, feita aos moldes europeus, da então Capital Federal, no contexto das reformas urbanas do prefeito Pereira Passos (1902-1906). Esse coreto foi construído pela Companhia de Carris Urbanos e inaugurado com direito a matéria nos jornais e apresentação da Banda da Marinha.
Esse mesmo coreto foi parar, mais tarde, na Praça Washington Luiz, em Sepetiba, no dia 30 de novembro de 1949, por ocasião da inauguração da rede de luz elétrica no bairro. O general Ângelo Mendes de Moraes, então governador do Distrito Federal, como conta o também historiador Rafael Mattoso, comandou o evento, recepcionando o prefeito, secretários, senadores, deputados federais, vereadores e o padre Arruda Câmara. Todas as solenidades aconteceram no local.

A construção está preservada até hoje em Sepetiba, na Zona Oeste, e serviu como cenário para a novela "O Bem Amado", de Dias Gomes, em 1973, na TV Globo. No local, o personagem Odorico Paraguaçu, interpretado pelo ator Paulo Gracindo, fazia seu icônicos discursos cheios de neologismos.
Da ordem política, explica Mattoso, nasceram expressões populares, como "balançar o coreto", que nada mais era que questionar os discursos dos políticos da República Oligárquica (1894-1930), e "bagunçar o coreto", que significa quebrar o ordenamento urbano imposto por medidas como a do prefeito Passos, de fazer do Rio uma "Paris Tropical", não só em estética, como em costumes.
Com o passar dos anos, os coretos reinventaram-se na questão de sua utilidade. O historiador defende que, acima de tudo, eles sejam, atualmente, lugares de preservação da memória coletiva. "Como dizia o geógrafo Milton Santos, são como se fossem rugas, marcas que imprimem essa sensação de pertencimento na cidade. Eu acho importante, pois, principalmente no subúrbio do Rio, os coretos adquiriram um laço de sociabilidade muito grande e de pertencimento das pessoas àquele local", analisa Rafael Mattoso.
Conservação
Procurada, a Secretaria Municipal de Conservação confirmou, em nota, que o coreto do Méier foi todo reformado em 2021, mas, menos de um ano depois, em 2022, já foram necessárias novas recuperações por depredação. Para a secretária Anna Laura Valente Secco, essas construções remetem ao tempo em que as praças eram o centro dos eventos sociais das cidades e que preservá-los é manter viva a cultura e a história do Rio. A Secretaria reforça, também, a importância da colaboração da população para conservação.