Réplica da Luzia feita em 3DDivulgação

Rio - Após o incêndio que atingiu o Museu Nacional, em 2018, amuletos e peças raras egípcias passaram a ser resgatadas dos escombros. Muito se perdeu, mas também há muito para se recuperar. O laboratório do museu, que trabalha desde 2003 com tecnologia digital, agora também faz impressões 3D de protótipos que são usados no lugar de peças que foram danificadas pelo fogo, enquanto estão em restauração, ou que se perderam totalmente.

Antes do incêndio, a coleção egípcia do Museu Nacional contava com cerca de 700 peças. De acordo com o arqueólogo Pedro Luís Von Seehausen, foram resgatadas mais de 300 peças. "Com o impacto do incêndio, pensamos que tudo se perdeu e que não havia mais solução. Mas a gente já começou a pensar também na possibilidade de algumas peças terem se salvado", disse Pedro. "Uma alternativa na minha cabeça era: trabalhar em um projeto, resgatando peças da coleção. Algumas resistiram ao incêndio, principalmente aquelas feitas de rocha e metal, como os amuletos. Tínhamos essa noção", completou.

Segundo Pedro, o que foi não foi recuperado não significa que tenha se perdido totalmente. Muitas peças ficaram fragmentadas, algumas em até 80 pedaços. No entanto, com um trabalho minucioso, há possibilidade de ser restaurada. "O número de peças resgatadas pode aumentar muito, tudo depende da capacidade do restauro. A sorte é que temos profissionais de excelência, formados pelo próprio museu", declarou.

O incêndio de 2018 destruiu o caixão de madeira e os restos da sacerdotisa egípcia Sha-Amum-em-Su, mumificada há 2.700 anos. O interior do sarcófago estava lacrado desde então, sendo revelado somente pelas chamas do fogo. No entanto, os oito amuletos que estavam em seu interior e que nunca tinham sido vistos antes não foram atingidos. Entre eles, o chamado escaravelho-coração. A sacerdotisa, que era cantora de Amon, havia sido dada de presente pelo rei do Egito na época, Kediva Ismail, para D. Pedro II. De acordo com Pedro, ela foi dada junto com outras peças e umas edições do "description de l'egypte", um dos primeiros livros sobre o Egito antigo publicado.
"Os egípicios acreditavam que, ao morrer, ocorreria um julgamento com 42 perguntas. Entre elas, desde se você cometeu algum homicídio ou se falou mal de alguém. O escaravelho-coração era um amuleto, em forma de besouro, que deixaria o seu coração mais leve no momento do julgamento", explicou Pedro. 

Além dos amuletos de Sha-Amum-em-Su, também foi resgatado a única representação do sacerdote de Amon Menkheperre como um faraó, estatuetas de servidores funerários e estelas, que eram blocos de rocha calcário similares a lápides funerárias.

Com algumas peças fragmentadas, o uso da impressora 3D se viu como necessário. "Tem peças que faltam algumas partes que não serão recuperadas, então a gente consegue alinhar o modelo antes e imprimir na base acrílica o formato que falta. Podemos imprimir próteses para restaurar essas peças que foram perdidas", explicou Pedro. "É muito importante termos o 3D, porque a gente consegue pensar na possibilidade de restauro. Claro que queremos deixar as peças novas, mas as que ficaram fragmentadas ou se perderam com o incêndio, podem ser expostas com o seu protótipo ou uma prótese para completar a estrutura", comentou. "Tem peças que perdemos para sempre, mas temos as suas versões digitalizadas, então podemos fazer uma réplica com a impressão 3D ou colocá-las em uma exposição de realidade virtual, por exemplo", finalizou.

Mesmo com as diversas peças perdidas no incêndio, a vantagem é que elas eram digitalizadas. De acordo com Sérgio Alex, professor Titular do Museu Nacional/UFRJ, as principais peças do Museu Nacional tinham sido digitalizadas e suas informações foram resguardadas nos arquivos digitais. "Em alguns casos, essas peças podem ser replicadas ou trazidas de volta no ambiente virtual através da realidade virtual", explicou.

Uma seleção está sendo feita das peças que serão fundamentais serem restauradas. "Muitas vão poder voltar no estado que estão, mesmo após o incêndio, outras tratadas de uma maneira mais próxima e outras foram perdidas totalmente, a não ser que sejam prototipadas ou através do meio virtual. Outras, não tinham nem arquivo ou sequer informações, essas vão ficar perdidas para sempre", afirmou Sérgio.

A coleção egípcia do Museu Nacional era a maior da América Latina e, mesmo após o incêndio, continua sendo a maior.
Entre as peças perdidas estão as raras múmias de nativos da Amazônia; coleções botânicas de dom Pedro II e grande parte do acervo de insetos do Departamento de Entomologia. O inventário ainda está sendo contabilizado e, em 2021, um livro sobre o resgate do acervo foi lançado.

O laboratório

O laboratório começou usando tecnologia digital para estudo científico. Um equipamento de tomografia era usado para estudar os dinossauros, múmias e outras peças. "A tomografia te permitia, na linguagem popular, entrar dentro dos materiais. Por exemplo, através dela eu conseguia entrar no caixão da múmia, analisar seu esqueleto, sem precisar serrar o caixão ou cortar qualquer coisa", disse Sérgio.

Durante um tempo, o objetivo principal do laboratório era estudar múmias, dinossauros e bebês, por causa do departamento de medicina também, que pesquisa sistemas embrionários. "Em 2007 publicamos um livro chamado ''Tecnologia 3D", mas a gente chama até hoje de "Dinossauro, Múmias e Bebês", porque eram coisas muito diferentes, mas todas com ponto em comum que era a tecnologia 3D", explicou.

Em 2013, a tecnologia de impressão 3D começou a ser desenvolvida e o museu contava com duas impressoras. "Com isso, começamos, a partir dos artigos da pesquisa, a reproduzir as peças em 3D. Essas peças eram inicialmente utilizadas para pesquisa, mas depois passaram a ser utilizadas para exposições", completou Sérgio. "A impressão 3D se desenvolveu muito nesse tempo, várias outras tecnologias também foram criadas, utilizamos todas elas", concluiu.

Quando aconteceu o incêndio de 2018, o laboratório foi totalmente queimado. Todas as suas instalações e seus equipamentos se perderam nas chamas. "Só os arquivos foram salvos, porque tínhamos cópias deles em outros locais. Nesse momento, nos demos conta de que o que tinha sobrado de muitas coleções do museu eram os arquivos 3D", explicou Sérgio. Foi quando começou o trabalho de resgate e as equipes ainda não tinham ideia do que poderia ser salvo. "No momento seguinte, percebemos que os arquivos tinham um papel importante, ajudando na recuperação desse material, que podia ser observada através do acervo", declarou. "Por exemplo, a Luzia, que a princípio se julgava perdida. Tínhamos apenas a impressão 3D. Depois, com trabalho da equipe, encontramos e ela passará por um processo de restauração. Isso será muito assegurado pelo fato da gente ter um modelo 3D digitalizado antes do incêndio", concluiu.

De acordo com Sérgio, com a tecnologia 3D é possível preservar não só a peça, mas a informação dela. Com os arquivos digitalizados, mesmo que a peça tenha sido perdida, dá para recompor no meio digital e expor em uma realidade virtual. "Com a pandemia, as ferramentas digitais e a interação digital acabaram dando uma super explosão. Novos caminhos foram criados e as pessoas passaram a fazer reuniões virtuais e utilizar outros meios de comunicação", completou Sergio. "Muitas novas tecnologias se desenvolveram com tudo isso e hoje estamos na fase da realidade virtual. O que o laboratório basicamente faz, atualmente, não é trabalhar apenas com digitalização, mas, o foco principal, é a criação de espaços virtuais", concluiu Sérgio.

Hoje, através de ferramentas digitais disponibilizadas na internet, salas de exposição são criadas. "Nossa equipe hoje está trabalhando no desenvolvimento de espaços digitais em realidade virtual. Na prática, coloca-se arquivos digitais, dimensionais e, através dos óculos de realidade virtual, a pessoa se conecta com esse espaço de visita. Caminhando nas exposições diversas", contou.

De acordo com Sérgio, ainda não há um laboratório físico instalado depois do incêndio. As equipes trabalham em parceria com outras instituições.