Bar Luiz teve falência decretada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), no dia 29Banco de Imagens / Agência O Dia

Rio - A falência do Bar Luiz, decretada pela Justiça, deixou os amantes da boemia tristes. Considerado um dos mais importantes ícones do Centro do Rio, o local, que durante 135 anos, serviu um dos chopes mais gelados da cidade e deliciosos pratos típicos alemães, como o kassler (bisteca de porco defumada), ficará guardado na memória de uma legião de apaixonados. Desde 2020, a casa estava afundada em dívidas e em processo de recuperação judicial.
O músico e compositor Moacyr Luz lamentou profundamente a notícia e disse estar preocupado com o futuro dos estabelecimentos no Centro. "Quando fecha um bar, um pedaço da história da gente também fecha. Eu frequentei muito o Bar Luiz, conheci o João Nogueira lá dentro. Frequentava lá com o Chico Caruso, o Sérgio Cabral, pai, o Martinho da Vila e muitos outros amigos. Então, cabe até nota de falecimento. Eu já tentei de tudo, falei com a dona de lá e com os donos de outros bares, mas não tinha o que fazer, a dívida é muito grande. É triste ver mais um patrimônio da cidade, caindo igual ao Palácio Monroe", desabafou Moa, como é mais conhecido, fazendo referência a antiga sede do Senado Federal, demolida em 1976, para as obras do metrô, na Cinelândia.
"Olha, na verdade, a Rua da Carioca, que foi uma rua de tantas lojas e bares importantes, o Centro do Rio, lugar histórico, está tudo abandonado. O Rio de Janeiro inteiro está fechado, a cidade depois da pandemia virou uma cidade fantasma, então é uma questão muito ampla. A cidade precisa reagir, não sei como. Não sou especialista, sou só compositor, mas tenho feito minha parte, inclusive tocando no Amarelinho, que estava fechado e foi salvo por um empresário dono de outro bar, que entrou com dinheiro. Olha como está o movimento no Málaga, no Villarino, onde começou a parceria entre Vinícius de Moraes e Tom Jobim, no Paladino e muitos outros. Estão todos entregues", analisou o compositor.

Para o presidente do Cordão da Bola Preta, Pedro Ernesto Marinho, a cidade perde muito com o fechamento. "Isso me entristece muito, por conta do Bar Luiz representar efetivamente a Cidade Maravilhosa e o modo de ser do carioca. Vai ficar uma lacuna muito grande se não houver uma reversão nessa decisão. É muito triste para a cidade. O Rio de Janeiro precisa valorizar a sua tradição, a sua história, através da cultura. Alguma coisa precisa ser feita, não sei por quem, mas o Rio precisa de mudanças e investimento para não permitir que isso aconteça. A gente fica preocupado quando vê um bar dessa importância fechar e percebe que já está acontecendo com outros. Então, tomara que alguém se interesse em reabrir o Bar Luiz. Não sei se seria possível reabrir na Rua da Carioca porque ali virou um lugar fantasma, as lojas estão praticamente todas fechadas e aquele local virou uma rua de passagem de pessoas, somente. É lamentável, o Rio de Janeiro não merece perder o Bar Luiz, como não merece perder nenhuma de suas tradições", opinou o presidente do bloco.

"O Bar Luiz tem um espaço muito grande no coração, não só meu, mas no Cordão da Bola Preta. Vivi momento maravilhosos lá. Tinha um chope de qualidade, aquela famosa salada de batatas, o joelho, enfim... Mas, particularmente, a principal ida era no sábado de carnaval, que o Bola Preta, até o final da década de 1990, tinha como parte roteiro do desfile de sábado, a ida a Rua da Carioca. Era infalível, todos os anos, irmos ao Bar Luiz para almoçar, onde revíamos amigos que não podíamos encontrar durante o ano, até porque muitos não moravam mais aqui e vinham justamente ao Bola Preta, no sábado de carnaval, e participavam da confraternização no Bar Luiz", relatou o dirigente.
Pedro Ernesto também aproveitou para fazer uma alerta às autoridades. "A Rua da Carioca está abandonada, as calçadas têm buracos, os bueiros estão sem tampa e aquilo ali fica deserto, muito perigoso. Precisamos sensibilizar o nosso prefeito, que é uma pessoa preocupada com a cultura e a marca do Rio, um verdadeiro carioca da gema, no sentido de cuidar para que isso não aconteça com mais nenhum estabelecimento e que recupere o Bar Luiz, fazendo ele voltar a ser o que era, para alegria de todos nós boêmios e cariocas", concluiu.

O músico Gabriel Cavalcante, o Gabriel da Muda, integrante do Samba do Trabalhador, também lamentou o encerramento das atividades do Bar Luiz. "Quando um bar como esse fecha, um pouco do Rio de Janeiro morre, um pouco da cidade vai embora. É um pouco de Rio de Janeiro que a gente perde. Um lugar com essa importância, palco de tanta coisa e que testemunhou inúmeros acontecimentos no nosso país, fechar assim, acaba levando um pouco da cidade junto. O Centro do Rio é o lugar mais democrático da cidade, onde tudo se encontra, não tem classe social, não tem distinção entre as pessoas que estão ali, então é uma pena. Eu ainda guardo um pouquinho de esperança de que alguém faça alguma coisa e reverta essa decisão", desabafou Gabriel.

"Eu acho que são vários fatores que afetam a região. Primeiro, a especulação imobiliária, que afastou muitos estabelecimentos da região, causada através do setor privado, o que eu acho um imenso absurdo, ainda mais se tratando da Rua da Carioca, uma rua histórica da cidade. Por outro lado existe também o esvaziamento cultural, a área ficou abandonada. Eu frequento ali e vejo isso de perto, não funciona mais nada ali, a área está completamente morta e o Bar Luiz vem enfrentando isso há tempos. Não tem mais nada de atrativo ali, nada para se fazer. Eu torço muito para que o poder público olhe para a Rua da Carioca como olhou para a Lapa no início dos anos 2000 e a Lapa se tornou o que é hoje. Precisamos de vontade das autoridades para fazer cultura popular", cobrou o músico.

Além das personalidades da música, clientes do estabelecimento também lamentaram o fechamento. Frequentador há mais de 15 anos, Raphael Gomes, 40, que atualmente mora em Porto Alegre, contou que sempre ia ao bar durante as visitas à capital carioca. "Eu li com tristeza mas já conformado. Quem passa por ali, não precisa nem conhecer o bar para saber que isso já estava anunciado há muito tempo. Está tudo abandonado, nem nenhuma proposta para aquela região. Cansei de sair do trabalho e ir com os colegas ao Bar Luiz. Saindo da Lapa, também, fui ali várias vezes. É uma pena, a gente precisa resgatar nossa cultura e nossos redutos culturais. Cada vez que venho ao Rio de Janeiro, vejo mais lugares fechados e nossa história indo embora. É muito triste", lamentou o atual morador do Rio Grande do Sul.
Fundado em 3 de janeiro de 1887, quando Dom Pedro II ainda era o Imperador do Brasil, e o Rio, a capital do Império, o Bar Luiz ajudou a popularizar a venda da cerveja pela serpentina: o chope. Já durante a Belle Epóque, o bar atraia à noite clientes vindos dos teatros próximos à Rua da Carioca: atores, vedetes e profissionais da arte e espectadores dos cinemas da Cinelândia.

O botequim alemão, que chamava-se Bar Adolph veio a mudar o nome para Bar Luiz, com o advento da Segunda Guerra Mundial e os movimentos nacionalistas e antifascistas no Brasil. Sob estas circunstâncias, estudantes do Colégio Pedro II em campanha contra os regimes fascistas da Europa invadiram o Bar com o intuito de destruí-lo, associando seu nome ao ditador alemão Adolf Hitler.
A casa foi salva pelo compositor de Aquarela do Brasil, Ary Barroso, que lá tomava um chope no bar. Desfeito o mal entendido, os estudantes se retiraram para apedrejar outro estabelecimento nas redondezas. O marcante episódio resultou na naturalização de Ludwig Vöit, que passou a denominar-se Luiz, e na alteração do nome da casa para Bar Luiz.

Em 135 anos, o local recebeu grandes nomes da cultura brasileira, como Olavo Bilac, Sérgio Buarque de Hollanda, Albino Pinheiro e muitos outros. O bar também foi cenário do filme "Bar Esperança", de Hugo Carvana.
 
*Reportagem do estagiário Jorge de Mello, sob supervisão de Raphael Peruci