Exposição foi inaugurada ontem no Museu da História e da Cultura Afro-BrasileiraPedro Ivo

Rio - Em uma cidade em que diversos lugares de memória foram apagados, o historiador, professor e escritor Luiz Antonio Simas considera fundamental a exposição "Achados do Valongo", inaugurada nesta semana pela Prefeitura do Rio. As 180 peças arqueológicas apresentadas na mostra gratuita do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), na Gamboa, Zona Portuária do Rio, resgatam a memória do Cais do Valongo, onde operou o maior mercado de escravizados do Brasil.

O historiador ressalta que o resgate das peças constrói a lembrança de um Rio de Janeiro negro, que é filho do crime da escravidão, e ao mesmo tempo tem a cultura construída pelos descendentes das pessoas que foram escravizadas.

"Resgatar a memória do Valongo é crucial. Grande parte desses objetos contam a história da escravidão e de um Rio de Janeiro profundamente negro. As pessoas que foram escravizadas não eram só corpos destinados ao trabalho. Essas pessoas tinham conhecimento, tecnologias, produziam cultura, faziam arte, cantavam, dançavam, expressavam seus modos de vida através de suas práticas espirituais", destaca Simas.

Conhecer o passado e preservar lugares de memória são necessários para construir o presente e projetar o futuro, diz Simas. "A gente tem uma tendência no Rio de Janeiro a apagar os lugares de memória da cidade. É muito simbólico que essa exposição esteja sendo montada, por exemplo, no centenário da derrubada do Morro do Castelo. Você não constrói futuro fundamentado no esquecimento. Pelo contrário, você constrói futuro a partir da memória", afirma.

Inaugurada na última quarta-feira (30), a mostra "Achados do Valongo" reúne itens como piaçavas, cerâmicas, pedras e peças em vidro. A exposição deve permanecer no Muhcab por pelo menos um ano.

Os achados arqueológicos que contam um pouco da história da herança africana no Rio fazem parte do acervo do Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana (LAAU) da Prefeitura do Rio. A exposição é realizada por meio da Secretaria Municipal de Cultura e do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, em parceria com pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Museu Nacional.

Criado por ocasião das obras do Porto Maravilha, o LAAU reúne cerca de 1,2 milhão de peças resgatadas durante as intervenções na Zona Portuária, 262 mil itens foram encontrados no Cais do Valongo. As demais são dos sítios Sacadura Cabral, Morro da Conceição e Trapiche da Ordem, entre outros.

A exposição de longa duração se junta à mostra permanente do Muhcab "Protagonismos - Memória orgulho e identidade", dedicada a pensar a história da escravidão, buscando reflexões sobre a complexidade do tema e suas consequências na atualidade.

A mostra também marca um ano da inauguração do Muhcab, que funciona no interior do Centro Cultural José Bonifácio.

Cais do Valongo

O Cais do Valongo foi descoberto em 2011, na fase inicial do projeto Porto Maravilha, de revitalização da região, adjacente ao mercado. Estima-se que por lá passaram 700 mil africanos escravizados, entre 1790 e 1831, oriundos principalmente de portos do atual território de Angola, mas também de Moçambique.

O local tem uma forte ligação com a história da escravidão no Brasil. O Valongo é considerado o maior porto receptor de pessoas escravizadas do mundo e integra a lista de Patrimônio Mundial da ONU. Estima-se que cerca de um milhão de africanos escravizados passaram pela região durante a época.

O Valongo passou a ser utilizado após uma nova legislação estabelecer a transferência do mercado de escravos para a localidade. Mesmo com a proibição do tráfico negreiro em 1831, o Cais do Valongo continuou sendo um dos principais pontos para compra e venda de pessoas escravizadas.

A escavação arqueológica de 2011 abriu um pedaço de terreno de quatro mil metros quadrados. De lá saíram centenas de artefatos de matrizes africanas, como contas de colares, búzios, brincos e pulseiras de cobre, cristais, peças de cerâmica, anéis de piaçava, figas, cachimbos de barro, materiais de cobre, âmbar, corais e miniaturas de uso ritual.

O Muhcab fica na Rua Pedro Ernesto 80, na Gamboa. O funcionamento é de quinta a sábado, das 10h às 17h. Entrada franca. Classificação livre.
Reportagem de Beatriz Perez e da estagiária Beatriz Coutinho sob a supervisão de Beatriz Perez