Ralf é entregador desde 2018 e luta por melhorias dentro do seu trabalhoCleber Mendes/ Agência O Dia
Marcelo, que trabalha desde os 13 anos, começou a fazer entregas por apps há quatro anos. Ele contou que a situação está tão ruim que não há nem como almoçar ou jantar durante o expediente, pois o dinheiro não é suficiente. "A gente só come um salgado e olhe lá. Coxinha no almoço e outra na janta, ou nem janta, só almoça. É muito difícil se alimentar direito, está tudo muito caro".
Segundo ele, quando a pandemia da covid-19 virou realidade, muitos colegas acreditaram em uma melhora por causa do alto número de demandas, mas a expectativa tornou-se decepção. "A gente pensava que ia rolar mais entregas, mas não. Piorou muito, aumentou a demanda, tudo bem, mas também o número de entregadores. O valor da taxa de entrega, ao invés de subir, diminuiu. A gasolina ficou mais cara, como é que faz?", explicou. "Eu trabalho 14 horas por dia, faço isso para sobreviver, para não faltar mesmo. Moro com a minha esposa e duas filhas, o aluguel está para vencer, preciso ir para a rua para conseguir juntar o valor e pagar", completou.
Com filhos pequenos em casa, o entregador declarou que luta para que não falte o básico e, nesse fim de ano, vai precisar fazer uma renda extra para conseguir comprar alguma coisa para a ceia de Natal. "Roupa eu dou um jeito de comprar para os meus filhos. Para mim não tem não, esquece isso. Eu estou tentando trabalhar mais do que eu devo pra tentar fazer alguma coisa aqui em casa no dia do Natal", acrescentou ele, que liga de vídeo chamada para matar a saudade dos filhos quando está muito tempo na rua.
De acordo com Marcelo, os aplicativos não fornecem nenhum tipo de segurança para o veículo ou saúde dos trabalhadores. "A minha moto não tem seguro, é algo que eu queria muito, inclusive. Eu rodo em lugar perigoso, se eu for roubado já era. Eles não dão nada, temos que responder por nós mesmos".
Ralf Alexandre Campos Elisário, 43, é entregador de aplicativo desde 2018. Para ele, estar nessa função atualmente é como "ser um escravo". "O entregador não tem autonomia nenhuma. Como muitos se dizem autônomos, com o aplicativo veio essa visão de ser seu próprio patrão. É tudo pegadinha", disse. "A maioria das empresas programa algoritmo para forçar o entregador a ficar na rua por mais tempo. Se ele não quiser trabalhar hoje, por exemplo, o score desce e no dia seguinte não entrega. Para que o entregador fique com score alto, ele precisa trabalhar sábado, domingo e feriado".
Quando entrou para o ramo, em 2018, Elisário percebeu a diferença. "A população achou que os aplicativos estavam fazendo o bem durante a pandemia, mas foi estratégia deles liberar cadastros. Depois da quarentena, todos eles diminuíram os valores da entrega. Ficou muito pior. A ideia dos aplicativos não foi para ajudar a galera que estava desempregada, mas causar concorrência e realmente baixar os valores de forma tranquila".
Antes, de acordo com ele, um entregador que fazia serviço de correio e rodava 10 ou 20 km com 20 pacotes, recebia por volta de R$ 140. Depois da pandemia, com a liberação dos cadastros, a mesma corrida é feita com 50 pacotes por um valor menor, chegando a R$ 40. "O Ifood pagava R$ 8 por entrega, agora foi para R$ 6", disse. "A gente paga tudo, absolutamente tudo. Toda manutenção da moto, combustível, alimentação, internet, vestimenta, acessórios, tudo é pago pelo entregador", explicou Ralf, que também é produtor de conteúdo e tem mais de 32 mil seguidores em suas redes sociais. "Nós estamos fazendo um trabalho grande para alertar o entregador a fazer cálculos, ou seja, ver se está sendo enganado, entender quanto recebe, colocar tudo na ponta do lápis. Hoje em dia não vale a pena trabalhar por aplicativo porque tudo sai do nosso bolso. Estamos pagando para trabalhar".
Antes da pandemia, Ralf trabalhava seis a oito horas por dia e tirava o sábado e domingo para descansar. Nesse período, ele conseguia fazer aproximadamente R$ 1 mil por semana. "Eu rodava 500 km pra ganhar mil reais em uma semana. Hoje em dia, para o cara fazer esse valor, tem que rodar de mil a mil e duzentos quilômetros e mesmo assim trabalhar de 10 a 14 horas por dia, inclusive fim de semana", afirmou.
Ainda segundo ele, o uso de cartão de crédito acabou sendo comum na categoria para a compra peças de moto ou necessidade de algum ajuste no veículo. Com isso, não há dinheiro sobrando.
O influenciador começou a fazer entrega como forma de renda extra, trabalhando uma semana sim e outra não. No entanto, passado algum tempo, o serviço virou sua renda principal. Ele afirmou que, se não fosse sua mulher trabalhando hoje em dia, estaria passando fome. "É bem pior do que pensam. Se não fosse minha mulher, eu já estava no SPC. Estou todo endividado. Já cortamos muita coisa aqui em casa, cancelei canal de streaming, não compramos mais carne, tiramos a academia, tirei tudo o que podia. Hoje vivemos com o básico". Até mesmo o açúcar foi substituído pelo adoçante porque rende mais. "Não sei se é mais saudável, mas dura mais e eu economizei bastante. Não viajamos, não saímos para comer, não vamos ao shopping, nada. Tudo na minha vida agora é calculado", enumerou.
O seu sonho é ver a sua filha mais velha, de 20 anos, concluir a faculdade no ano que vem e conseguir um emprego melhor. "Eu não quero que ela passe o sufoco que eu passo. Quero que a gente saia dessa situação e viva um pouco melhor".
relação e com o trabalho desses profissionais.
Greve
A greve, que estava marcada para dia 13 de dezembro, foi realocada para o dia 25 de janeiro e não tem data para terminar. "A gente só vai parar quando alguém nos escutar e cumprir as pautas solicitadas. As nossas principais reivindicações são os valores. Em 2013, um motoboy particular recebia entrega mínima de R$ 10 e depois veio o aplicativo e roubou a lei. Agora, o entregador não tem mais autonomia, não há valor da entrega, não há reajuste anual. O aplicativo aumenta ou abaixa a hora que ele quer", explicou Ralf. "Nós buscamos uma entrega mínima de R$ 10 e mesmo assim já está ultrapassado o valor, porque o ideal é R$ 15. Também estamos lutando pelo fim da entrega dupla, por exemplo, o aplicativo paga, por entrega, R$ 6, mas às vezes temos dois pacotes para entregar, mas eles não pagam. Se são duas entregas, temos que receber por elas", comentou.
Os entregadores também pedem o fim das OLs, que são empresas logísticas de entregas que faz ponte entre os aplicativos, como Ifood, Rappi, entre outros, e o trabalhador. "A gente quer o fim dessas empresas porque elas exigem horários de expediente, escala de serviço, então não faz sentido. Se são profissionais liberais, sem vínculo ou CLT, para que essas regras?", indagou Luiz. De acordo com ele, é necessário também que o novo governo se prontifique em ajudar a categoria, dando atenção as pautas e se propondo a fazer uma nova regulamentação que possa atender a todos. "Precisamos mudar a realidade desses profissionais porque está tudo muito precarizado".
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