Motoristas de aplicativos vivem rotina de violência e insegurança no RJRovena Rosa/Agência Brasil

Rio - Motoristas de aplicativo que trabalham em todo estado do Rio convivem com uma intensa rotina de medo e insegurança. Com altos índices de violência, o Instituto Fogo Cruzado contabilizou 12 baleados, dentre eles, quatro mortos. O levantamento foi realizado entre os dias 1º de janeiro e 11 de novembro de 2024 na Região Metropolitana.

No mesmo período, em 2023, seis morreram e cinco ficaram feridos. Para motoristas ouvidos pelo DIA, a falta de segurança está em toda parte, seja fora dos veículos ou com os próprios passageiros.

Moisés Freitas, 31 anos, que trabalha no setor desde 2018, contou que cada vez mais a categoria está exposta ao perigo. "Os valores das corridas diminuíram, então a gente tem que trabalhar mais. Eu sinceramente saio de casa sem saber se vou voltar. A gente não vê muita viatura na rua, vemos muitos arrastões. Eu tenho mais de 30 mil corridas e parece que de duas semanas pra cá a violência, com mortes, subiu drasticamente".

Dentre alguns dos episódios de violência que já presenciou, Moisés cita um tiroteio na Linha Amarela e um assalto na Rua dos Inválidos, no Centro do Rio.

"Era uma quinta-feira à tarde e eu estava embarcando o passageiro quando pararam mais dois carros atrás de mim. Nisso, vieram dois homens em uma bicicleta e nos assaltaram, além do carro de trás. Eu só escapei porque eu reagi, o que peço para as pessoas não fazerem, mas depois que me assaltou, um deles foi com a bicicleta para frente do carro e eu joguei ele para o alto. Em seguida, a polícia veio e fomos para delegacia, isso já tem quase um ano. Além disso, temos os reflexos que passamos na rua. Na Linha Amarela, na semana passada, o tiroteio foi na minha frente", disse.

Para as plataformas, ele ainda pediu que sejam solicitadas selfies de reconhecimento aos passageiros, para evitar fraudes e garantir um pouco mais a segurança para ambos os lados.

Assim como Moisés, Victor Carvalho, de 24 anos, que trabalha há um ano em carros de aplicativos, reforçou os perigos do dia a dia. Para ele, os bandidos estão à vontade, "assaltam como se fosse um emprego, como se fosse um trabalho".

O condutor, que viveu momentos de terror nos últimos dias, contou que teve a arma apontada para seu rosto enquanto ia buscar uma passageira no bairro Maria Paula, em São Gonçalo.

"Era um domingo à tarde, por volta das 17h30, quando eu peguei uma corrida, passei por uma quadra de futebol e não parecia ser área de risco, então fui seguindo. Logo depois escutei alguém mandando eu parar e quando fui ver tinha um cara apontando a arma para mim lá na frente, aí eu liguei o pisca alerta e a luz interna, o vidro já estava abaixado. Nisso, ele mandou eu seguir até ele e com uma pistola na mão perguntou o que eu estava fazendo", relatou.

Victor explicou que o GPS o indicou para o local, mas que o criminoso informou que ele deveria seguir por outro caminho, o que não foi alertado pela passageira. "Ele deixou eu sair, mas disse que se fosse à noite tinha atirado em mim. Depois disso, eu cancelei a corrida e fui embora, não consegui mais trabalhar. Acho que também faltou sensibilidade da passageira em avisar que era da área de risco, mas provavelmente não fez com medo do cancelamento", disse.

Por fim, o motorista também questionou a falta de suporte por parte das plataformas. "Se a gente for assaltado e roubarem nosso celular, ou nosso carro, eles não prestam nenhum tipo de suporte, não somos funcionários, mas como eles mesmo dizem, somos parceiros, só que de parceria não tem nada", lamentou.

"Medo 24h"

Complementando o colega, Danielle Cerqueira, 49 anos, que atua há mais de anos na profissão, explicou que já foi assaltada, mas por um passageiro. Anteriormente, ela trabalhava com transporte escolar, mas escolheu migrar de categoria para ter mais liberdade.

"Houve um aumento muito grande da violência, inclusive eu já fui assaltada por um passageiro, que se dizia passageiro e não era, porque é muito fácil você fazer um cadastro. Na ocasião, levaram meu carro, celular e dinheiro. Antigamente tínhamos medo da noite, porque era perigoso, hoje em dia o medo está 24h, o assalto não tem mais hora, é de manhã, de tarde, e à noite", disse.

Danielle contou ainda que tem se privado de aceitar corridas em dinheiro, por medo, o que diminui os ganhos. "Uma corrida no cartão te traz mais segurança, porque é um cadastro mais minucioso, mas hoje muitas corridas são no dinheiro e isso traz insegurança. O maior problema também é o tempo de espera, pois a gente fica muito vulnerável, o passageiro chama e às vezes não está no local de embarque. O que estamos reivindicando é que tenha reconhecimento facial do passageiro da mesma forma que o motorista tem", reforçou.

Ela relatou também que os motoristas tentam se ajudar a todo tempo e questionou os métodos de segurança dos aplicativos. "Nós temos que zelar pela nossa segurança através de grupos, aplicativos, onde compartilhamos nossa localização e nossas placas para que um tome conta do outro. O aplicativo tem gravação, mas e aí? Você vai gravar com um ladrão no seu carro? Como vamos ligar para polícia com uma arma em cima da gente?", disse.

Roubo de veículos

Outro profissional, Thiago Araújo, 44 anos, que fará 10 anos como motorista de aplicativo em dezembro, frisou o índice de roubos de carros na cidade. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (Isp), 13.101 veículos foram recuperados até setembro deste ano, uma média de 48 por dia. No comparativo com o mesmo período de 2023, o indicador registrou um aumento de 19%.

"A questão da violência tem dois pontos: assaltos e roubos de carros aumentando cada vez mais, o que também atrapalha muito a gente na questão de seguro, que cada vez fica mais caro. E a questão do passageiro, quem o aplicativo coloca no nosso carro, porque a partir do momento que tiver uma boa verificação, isso vai ajudar muito", disse.

Para Thiago, uma lei que responsabilizasse a plataforma em caso de assalto por passageiro também seria eficaz. Em outros casos, ele revela que o tempo de espera também facilita roubos e traz sensação de insegurança ao motorista.

"Eles só visam o lucro e a forma mais fácil de pedir o carro e pronto, mas se der problema eles ficam isentos. Eu já fui assaltado, não foi por passageiro, mas o aguardando, porque ele demorou a descer. Eu sempre falo para ficar no portão ou no hall do prédio, o carro encostou você sai, só que as pessoas demoram a sair de casa e a gente fica parado, muitas vezes com o pisca alerta ligado o que chama mais atenção", explicou.

Thiago foi roubado em Santa Teresa, na Região Central do Rio, ainda em 2016. "O passageiro chegou me ligar avisando para esperar só um minutinho que ele estava descendo, mas nesse minutinho eu fui assaltado e levaram meu carro e levei quatro meses para ser indenizado", contou.

O motorista ainda frisou o aumento de barricadas na cidade. "Desde que eu entrei eu vi a criminalidade aumentar bastante na rua. Antigamente você não podia entrar em uma comunidade que era uma subida, ou era rua apertada, mas hoje as barricas desceram muito, estão em ruas de moradias normais. Tem motorista que tira barricada, eu não tiro, acho isso muito arriscado, muito perigoso. Nossa área de atuação cada vez mais vai diminuindo dentro do RJ por causa da segurança", concluiu.
Procurada, a Polícia Militar informou que não comenta dados não oficiais. Já a Polícia Civil orientou os motoristas a não reagirem em casos de assalto e procurarem de imediato a delegacia mais próxima para registrar a ocorrência.

"Alvo fácil"

Outro condutor, Carlos Rodrigues, que trabalhou três anos como taxista e atua há quase 10 em aplicativos, explicou que a categoria é um alvo fácil dos bandidos. Dentre as formas de driblar os bandidos, ele opta por escolher a dedo as corridas que irá fazer.

“As plataformas só visam o dinheiro, não ligam para quem vai entrar no carro. Para o motorista é muito difícil, tem uma análise, para o passageiro não. Eu nunca fui assaltado porque tenho um filtro muito bom por causa do táxi, eu não gosto de pegar passageiro de lugar público para lugar público, outra coisa é que eu tenho que ver o passageiro saindo de uma casa, prédio ou portaria, então nunca passei sufoco”, esclareceu.

Trabalhando por todo Rio e Grande Rio, Carlos reforçou que não ultrapassa barricadas e que sabe de casos de passageiros que não facilitam e ainda colocam em risco a vida dos motoristas.

"Essa semana eu peguei corrida para a Rua Mar Grande, que é a principal da Cidade Alta, então já é automático, eu falo para o passageiro ficar na UPA, que é a entrada. Esses dias teve um colega que pegou uma corrida no Jardim Botânico, na Zona Sul, coração do RJ, avisou que só ia até a barricada e o passageiro avisou a vagabundagem, que esperou ele na barricada e mandaram entrar, deixar lá dentro na Penha e não cobrar a corrida, mandaram ser de graça, por sorte, ele saiu", lamentou.

O motorista disse ainda que atualmente, não existe área perigosa, pois todas estão. "Não tem onde ir, antigamente Zona Sul era tranquilo, agora não tem onde mais. Esses dias, um colega parou no Catete perto da delegacia para tirar um cochilo porque o carro dele tem câmera e abordaram ele de fuzil. Ele só conseguiu fugir porque o carro era elétrico, então só acelerou, mas deram tiro de fuzil, só não pegou nele", finalizou.

O que dizem as plataformas de aplicativos?

Procurada, a Uber e 99, empresas associadas à Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) ressaltam que a segurança de motoristas parceiros e usuários é uma prioridade em suas operações.

"As plataformas investem e trabalham continuamente para buscar cada vez mais proteção nas milhões de viagens que ocorrem diariamente por meio de ferramentas tecnológicas que atuam antes, durante e depois de cada viagem.As empresas associadas disponibilizam seguro durante as viagens para os motoristas parceiros e os usuários. Em caso de alguma ocorrência, profissionais e usuários devem reportar o ocorrido para as plataformas", disse em nota.

Ainda em comunicado, a Amobitec reafirmou que as empresas estão em diálogo constante com o Poder Público, de forma transparente e colaborativa, colocando-se à disposição para contribuir com iniciativas que busquem avanços na segurança para os motoristas dos aplicativos e usuários. Entre essas iniciativas, está a integração das plataformas com o sistema 190 de alguns Estados, como o Rio de Janeiro, que permite ao motorista acionar uma ferramenta de emergência que envia os dados da viagem em tempo real para as centrais de atendimento da Polícia Militar.
Relembre alguns casos
O Instituto Fogo Cruzado contabilizou casos ocorridos apenas na Região Metropolitana. No entanto, a reportagem O DIA já registrou outros ações violentas em todo em estado ao longo do ano.
No último domingo (12), Bruno Bastos, de 46 anos, foi baleado durante uma perseguição policial na Av. Pastor Martin Luther King, em Inhaúma, Zona Norte do Rio. Ele estava indo abastecer o carro quando foi atingido. Após ser atingido, o motorista foi socorrido e encaminhado ao Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, e recebeu alta no dia seguinte.
No início do mês, Anizio Carlos da Cunha, de 45 anos, morreu baleado em um assalto no bairro Sete Pontes, em São Gonçalo, na Região Metropolitana. Segundo informações iniciais, ele foi abordado por criminosos na Rua Leopoldo Froes.
Ainda em novembro, Yuri Zumba Borges da Silva, de 31 anos, foi encontrado sem vida no bairro Alto da Serra, em Petrópolis. Ele estava desaparecido desde a madrugada de 30 de outubro, quando trabalhava como motorista de aplicativo. 
Paulo Roberto de Souza, de 60 anos, morreu depois de ser atingido na cabeça em um um tiroteio na região do Complexo de Israel, na Zona Norte. Na ocasião, o motorista estava com um passageiro. Ele foi socorrido e encaminhado ao Hospital Municipal Doutor Moacyr Rodrigues do Carmo, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, mas chegou sem vida na unidade.
Em outubro, outro condutor foi vítima da violência. Romário Marinho da Costa Guerra foi morto a tiros, durante um roubo em Marechal Hermes, na Zona Norte. Ele realizava uma corrida com uma passageira no veículo, quando foi alvo de um criminoso, na Rua Coruripe. A mulher não ficou ferida e o bandido acabou sendo preso em flagrante. 
Em agosto, Carlos Vinícius Pereira de Azevedo, de 31 anos, foi vítima de um assalto na Rua Júlio Berkowitz, no bairro Cabuis, em Nilópolis, na Baixada Fluminense. Ele não resistiu e morreu.
Em São Gonçalo, José Paulo dos Santos, de 58 anos, morreu depois de ser agredido na comunidade do Pombal, no bairro Porto Novo. De acordo com a família, a vítima estava com uma passageira e teria se recusado a entrar no local.
No mês de junho, Simão Rosa Nascimento, de 42 anos, morreu após ser esfaqueado em uma tentativa de assalto em Campo Grande, na Zona Oeste. Ele trabalhava para pagar o prejuízo de um carro roubado há cerca de um ano.