Familiares prestaram homenagem a Moise em frente ao quiosque Tropicália, na época do crimeArquivo/Agência O Dia

Rio – O 1º Tribunal do Júri da Capital marcou para 15 de março o julgamento de dois acusados pela morte do congolês Moïse Kabagambe, então com 24 anos, espancado até a morte em um quiosque da praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste. Eles respondem por homicídio doloso triplamente qualificado, com motivo fútil, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima. Ambos serão submetidos a um júri popular. 
Fábio Pirineus da Silva, conhecido como Belo, e Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, tiveram prisão decretada nove dias após o crime, em 2 de fevereiro de 2022.
Há ainda um terceiro agressor, Brendon Alexander Luz da Silva, conhecido como 'Tota'. De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a defesa dele foi a única a recorrer contra a decisão via júri popular, o que provocou um desmembramento do processo, para que a tramitação do caso dos outros dois réus não sofresse interrupção. O processo de Brendon corre agora no Superior Tribunal de Justiça.
O caso
Moïse, que entrou no Brasil como refugiado, em 2011, teve as mãos e os pés amarrados e foi espancado com socos e chutes, golpes de taco de beisebol e pauladas.
Fábio assumiu ter dado pauladas na vítima, já Cristiano confessou participação com agressões, enquanto Brendon aparece nas filmagens imobilizando o congolês no chão – o crime foi todo registrado por câmeras de segurança.
O motivo do ataque, de acordo com relatos colhidos pela Polícia Civil, foi um desentendimento após Moïse cobrar valores de duas diárias de trabalho no quiosque.
Já o trio – que permanece detido preventivamente desde então – alegou que o ataque teria começado após o congolês, supostamente embriagado, tentar pegar uma cerveja da geladeira do Tropicália, quiosque de onde havia sido dispensado cinco dias antes, após beber durante o serviço, segundo o proprietário. Na ocasião, ele já estaria trabalhando no Biruta, quiosque vizinho.
O crime gerou grande comoção com repercussão nacional e internacional, protestos e até relatos de ameaças por parte de familiares do congolês, que, na época, garantiram ter sido inibidos ao ir até o Tropicália para protestar e mostrar indignação pelo assassinato brutal.
Organizações de Defesa dos Direitos Humanos, grupos antirracistas e outras entidades de grande importância, assim como artistas e autoridades foram às redes sociais protestar contra o crime. O caso chamou a atenção das autoridades quanto a condições de trabalho insalubres, maus tratos, abusos e não cumprimento de leis trabalhistas para com os imigrantes que moram no Rio.
Denúncia
Cerca de um mês após o homicídio, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ofereceu denúncia contra Fábio, Aleson e Brendon. O órgão afirmou que Moïse foi agredido com requintes de crueldade, “como se fosse um animal peçonhento” e que os denunciados “com vontade livre e consciente de matar, em comunhão de desígnios entre si, agrediram a integridade corporal”, do jovem.
A denúncia detalhou que "Brendon, conhecido como Tota, derrubou e imobilizou Moïse, que, já dominado e sem chance de defesa, foi agredido também por Fábio, vulgo Belo, com um pedaço de madeira. E em seguida, Aleson, conhecido como Dezenove", deu continuidade às agressões contra o congolês.
Ao longo do processo, diferentes audiências foram realizadas. Em uma delas, uma testemunha assegurou que o trio só desamarrou Moïse ao notar que ele já estava morto. Já na última audiência, em setembro de 2023, a Justiça ouviu testemunhas, mas Fábio, Aleson e Brendon optaram por não falar.
Nova ameaça
Também em 2023, mas no mês de agosto, Lotsove Lolo Lavy Ivone, mãe de Moïse, registrou boletim de ocorrência na 29ª DP (Madureira) afirmando ter sido perseguida e ameaçada por um homem dias antes. O fato aconteceu na mesma semana de uma das audiências do processo.
No depoimento, ela – que se tornou assistente de acusação no processo – relatou que o indivíduo começou a segui-la na Estrada do Portela, na altura do Shopping Madureira, Zona Norte, por volta das 8h30 de um domingo. Em um determinado momento, o suspeito também teria feito um sinal de arma com a mão. Nervosa, ela buscou ajuda no interior de um supermercado da região.
Após o crime, a família de Moïse recebeu convite da Prefeitura do Rio e da Orla Rio – administradora dos quiosques na Barra – para gerir um quiosque no Parque Madureira – o ponto segue sob responsabilidade deles.
O ponto no Parque Madureira foi escolhido em comum acordo entre a Secretaria Municipal de Fazenda do Rio e a família de Moïse. Inicialmente, o próprio Tropicália – onde ocorreu o crime – foi cogitado, mas os familiares acabaram declarando preferência por operar em um outro local, por não se sentirem confortáveis em assumir a operação do quiosque que vai ficar ao lado do memorial ao jovem.