Rio - Um intenso tiroteio nas imediações da estação de trem de Manguinhos, na Zona Norte, na semana passada,apavorou usuários da SuperVia. Na plataforma, uns se jogaram no chão, enquanto outros se ajoelharam, implorando proteção divina.
A imagem, compartilhada por internautas nas redes sociais, ilustra a rotina de desespero e medo que os cerca de 700 mil clientes e 2,6 mil funcionários da empresa enfrentam diariamente nos ramais de Santa Cruz, Japeri, Saracuruna, Deodoro e Belford Roxo, que cortam 27 favelas dominadas por diferentes facções criminosas. A cada dia fica mais tenso se viajar nos trens no Rio.
Não é para menos. Estatística da Polícia Militar revela um dado macabro: somente entre os meses de abril e maio, 20 cadáveres foram encontrados ao longo dos 270 quilômetros de trilhos da malha ferroviária carioca. Um corpo a cada três dias. A maioria das vítimas teria sido morta a tiros, em circunstâncias ainda não esclarecidas.
Na sinistra contagem, conforme a PM, há também pessoas atropeladas ou que se suicidaram, ficando de fora, porém, baleados socorridos, que acabaram morrendo em hospitais.
“Na Estação de Manguinhos ficamos assim!”, postou uma mulher, acima da foto retratando o pânico na estação de Manguinhos, e justificando a tensão que cresce a cada 24h entre os que são obrigados a usar o sistema. “No trem, me sinto como um boi indo para o matadouro”, resume o sentimento coletivo, uma professora assaltada na Estação de Sampaio.
Na Internet, como no Facebook SuperViaRJ, têm-se a noção do caos provocado pela crise na segurança pública. A toda hora alguém relata tiroteios, inclusive dentro de vagões e estações, arrastões, assaltos e atos de vandalismo.
Segundo nota da Polícia Militar, o Grupamento de Polícia Ferroviária (GPFer), cujo efetivo não é revelado, junto com agentes ligados ao Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis), entre 6h e meia-noite, atua em toda a extensão do sistema, onde cerca de 30 ocorrências, apenas relacionadas a assaltos e furtos, são registradas por mês.
Especialistas, no entanto, estimam que o número de ocorrências seja três vezes maior, uma vez que a maioria sequer registra queixa em delegacias. Em nota, a SuperVia informou que, neste ano, tiroteios já interromperam a circulação de trens por sete vezes.
Dois passageiros baleados no mesmo dia
A PM informou que os frequentes tiroteios “são provenientes de ações nas comunidades que margeiam a malha”, e que o GPFer prendeu, entre abril e maio, 28 bandidos. Em nota, a SuperVia, que tem 640 câmeras de monitoramento, diz gastar R$ 10 milhões por ano com reposições de cabos furtados e depredações. De janeiro a abril foram 1.800 ocorrências (12 por dia) de destruições em 50 estações e equipamentos. Os 100 novos trens chineses já tiveram para-brisas quebrados.
Nos últimos meses, várias pessoas foram baleadas na área da SuperVia. Duas num só dia: 27 de março. Felipe Cerqueira, 24, no braço, na Estação Jacarezinho, e Domingos Gomes, 23, dentro do trem — entre Ricardo de Albuquerque e Olinda, ramal Japeri, também no braço, após tentativa de assalto.
“A polícia faz os trens da SuperVia de trincheiras”
Cadáveres, disparos de armas de fogo e pedras contra os trens, justificam o apelido de “corredores da morte”, dado aos trajetos, segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias do Rio, Valmir de Lemos, o Índio. Ele revela que ao menos três funcionários da SuperVia entram com pedidos de afastamento do trabalho por semana.
“A maioria por estresse. A polícia faz os trens de trincheiras”, lamenta Índio. Levantamento do sindicato mostra os pontos mais perigosos. “Há trechos, como Manguinhos, Jacarezinho, Senador Camará, Santíssimo, Taquaral e Antares, que os maquinistas passam abaixados, com medo de balas perdidas e pedradas”, denuncia.