Garça envia foto com balaclava e armas a policialReprodução

Rio - O ano era 2005 e Francisco Anderson da Silva Costa, o Garça ou PQD, com então 20 anos, viu sua carreira militar extinguir na mesma velocidade que pilotava sua moto, a qual não passou despercebida de policiais militares do BPVE (Batalhão de Policiamento em Vias Especiais), na Linha Vermelha. Além de estar sem habilitação, na cintura, ele levava um instrumento que seria familiar para o resto da sua vida criminosa: um revólver, com numeração raspada e cinco munições intactas. Lotado no 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista, do Exército só lhe sobrou o apelido, apreço por fardamentos e armas.
E foram as armas que guiaram sua entrada na milícia: ele virou matador da quadrilha. É o que apontam os mandados de prisão por homicídio que surgiram nos anos seguintes contra ele. No primeiro, de 2015, que a polícia conseguiu identificar sua participação, um relato emocionado de um irmão da vítima consta no boletim de ocorrência. Ele atendera de madrugada uma ligação anônima. "A notícia que eu tenho para te dar não é muito boa! Encontraram o corpo do seu irmão! Tenho certeza que é ele! O corpo dele está em um matagal, na rua João Augusto Paiva, esquina com a José Coelho". O irmão dele trabalhava como operador de máquinas em um areal, dominado pela milícia. 
Três anos depois, seu nome foi formalmente denunciado como integrante da 'Milícia do KM32', que atua Seropédica, Nova Iguaçu, Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis, e extensões na Zona Oeste do Rio. 
Em 2019, Garça é apontando pelo desaparecimento de um pm e um ex-pm. Os dois estavam juntos na região de Três Pontes, segundo o rastreador do carro.  A área é berço dos milicianos Braga. Na época, a milícia já era comandada por Wellington da Silva Braga, o Ecko, que sucedeu o irmão, Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, morto em ação policial.
No mesmo ano, seu nome consta na investigação do desaparecimento de um traficante de drogas. Segundo a mãe da vítima, que registrou o caso, "ele levava grande quantidade de drogas e dinheiro no veículo".
Mas, coordenando as ações do grupo em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, que ele teria ganho mais influência na quadrilha após um crime: a morte do irmão de Tony Ângelo, chefe de milícia que disputava com Ecko a liderança do grupo.  Thiago de Souza Aguiar foi morto com vários tiros por homens que estavam em dois carros: o ataque teria participação de Garça. Em uma escuta, o miliciano conta que "somente não atirou mais pois o fuzil deu pane". 
Sempre andando travestido de policial ou com roupas militares, ele passou a presentear policiais cooptados para a quadrilha com blusas personalizadas e tecido esportivo. Dizia ter sido feita em Guaraciaba do Norte, no Ceará, de onde é natural e pedia uma foto para enviar ao fornecedor para possíveis ajustes. Segundo investigações da Draco,  a medida era uma forma de  mostrar o "exército recrutado". 
Infiltrado em Whatsapp
As formas de se aproximar de policiais eram diversas. Em algumas, oferecia almoço gratuito para policiais penais, como ficou explícito no diálogo entre Carlos Eduardo Feitosa de Souza, o Feio, um dos denunciados na Operação Heron, e PQDzinho, braço-direito de Garça. "Já falou com os amigos sobre o almoço? Agora e toda segunda", diz. O comparsa responde: "Já é". 
O mesmo Feio seria o responsável por infiltrar Garça em grupos voltados a ações policiais. Em áudio do dia 15 de fevereiro de 2021, Feio diz que vai colocá-lo em um grupo. "Vou arrumar um grupo lá para tú, amanhã  tô de serviço, vou vê com os amigos lá, quem tem grupo grande lá, aí eu vejo e te coloco", afirmou. Feio ainda instruiu Garça a dizer que era da Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) caso alguém perguntasse. 
 Já a um outro policial, que disse ser complicado colocá-lo em um grupo, pela presença de subsecretários da pasta, Garça respondeu: "Estou em um grupo de toda a P2 (serviço secreto) do Estado do Rio de Janeiro". 
Quando fazia os chamados reconhecimentos da área, pedia para que as sirenes de determinadas viaturas ficassem ligadas. Em uma ocasião, solicitou que um recado fosse dado ao sargento Leonardo Correa de Oliveira, também denunciado na Heron: "O GAT (Grupo de Ações Táticas) mais 'psico' do 27ºBPM (Santa Cruz)". Oliveira, por sua vez, responde: "Obrigado pelo carinho". Em outra, pede ao tenente Matheus Henrique de França, o Franc, para deslocar viaturas para Manguariba, área então liderada por Ecko. 
A polícia monitorava Garça até o dia dois de junho do ano passado, quando chegou a informação de que ele havia sido morto diretamente por Ecko. Segundo os dados de inteligência, Garça teria roubado R$ 100 mil  e contado ao chefe que perdera a quantia a policiais. Ao descobrir a verdade, Ecko não teria perdoado. Após os tiros, ele teria jogado o corpo de Garça no Rio Guandu.
Meses depois, a esposa de Garça foi chamada para depor na Draco e disse que recebeu uma ligação. "Não precisava procurar pelo marido: ela não iria encontrar". Como seu corpo nunca foi encontrado, seu nome constava em mandado de prisão da operação desta sexta-feira. A polícia, assim como disse a ligação anônima, não o encontrou. 
"Esse trabalho começou no ano passado após a tentativa da prisão do Garça. Ele atuava em Santa Cruz,  conseguiu fugir, mas foram apreendidos cinco telefones e foi pedida a quebra do sigilo telemático. Temos elementos que ele está morto, mas pedimos a prisão", disse Thiago Neves, titular da Draco, que coordenou as investigações. No total, onze mandados de prisão foram expedidos, entre os alvos, policiais penais e oficiais e praças da Polícia Militar.