Prédio e terreno de antiga fábrica de macarrão, que recebeu R$ 22 milhões em 2004 e hoje deve R$ 100 milhões ao Fundecam, fundo de investimentos de Campos que usava verba dos royalties para investir em novos empreendimentos no município - Jean Barreto/Divulgação prefeitura de Campos
Prédio e terreno de antiga fábrica de macarrão, que recebeu R$ 22 milhões em 2004 e hoje deve R$ 100 milhões ao Fundecam, fundo de investimentos de Campos que usava verba dos royalties para investir em novos empreendimentos no municípioJean Barreto/Divulgação prefeitura de Campos
Por Leonardo Maia
Campos — Na virada do século, a riqueza do petróleo começou a jorrar aos borbotões em Campos. Uma inundação de dinheiro nunca antes vista no município. Naturalmente, olhares cobiçosos se voltaram para a cidade e, aliado ao forte crescimento econômico experimentado pelo país na década passada, vários negócios se sentiram atraídos a investir por aqui. Em 2001, a gestão Arnaldo Viana criou o Fundecam, um fundo que usava as receitas dos royalties para fazer empréstimos a esses empreendimentos, e potencializar o desenvolvimento local. No entanto, onde há dinheiro sobrando há o perigo de seu mau uso. Parece ter sido o que ocorreu ao longo dessas duas últimas décadas.
Entre 1999 (início do pagamento de royalties) e 2016, o Fundecam movimentou cerca de R$ 13 bilhões, em valores não atualizados pela inflação. Mas, segundo um balanço feito em 2017, o fundo amargava um prejuízo que beirava os R$ 450 milhões, dívida acumulada de 40 empresas e negócios que pegaram os recursos do fundo e não realizaram os pagamentos devidos. Muitos deles não prosperaram, tendo fechado as portas pouco tempo depois de instalados, ou mesmo nem sequer se estabeleceram realmente em território campista. Chegaram, pegaram a grana e deixaram a dívida para trás.
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“Temos casos emblemáticos, como o de um empresário de Belo Horizonte que pegou R$ 18 milhões para instalar uma fábrica de fraldas aqui. Hoje ela funciona lá em BH. E não vimos mais esse dinheiro”, relata Rodrigo Lira, atual presidente do Fundecam.
Já em 2003, o Fundecam emprestou R$ 20 milhões a uma futura fábrica de macarrão, cujo grupo administrador já enfrentava problemas financeiros e estava em processo de falência. Além disso, os empresários conseguiram que a prefeitura lhes doasse um enorme terreno na localidade de Baixa Grande. Sem garantias. O negócio funcionou durante muito pouco tempo. A dívida perdura desde então. Pelo menos, o terreno foi retomado na justiça e vai se transformar numa nova central de abastecimento para toda a região Norte Fluminense.
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Prédio e terreno de antiga fábrica de macarrão, que recebeu R$ 22 milhões em 2004 e hoje deve R$ 100 milhões ao Fundecam, fundo de investimentos de Campos que usava verba dos royalties para investir em novos empreendimentos no município - Jean Barreto/Divulgação prefeitura de Campos
“Só dessa investida, temos R$ 100 milhões a receber. Pelo menos recuperamos o terreno”, relata Lira, que aponta inúmeros episódios como esse, identificados no levantamento feito pela atual administração da prefeitura campista.
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CPI na Câmara
Tantas evidências de mau uso do dinheiro público levaram à instalação de uma CPI na Câmara dos Vereadores.
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“Os indícios de fraude são muito fortes”, diz o vereador Jorginho Virgílio (PRP), que preside a comissão parlamentar. “Há o caso de uma usina que pegou R$ 6 milhões. Algum tempo depois, conseguiram pegar mais R$ 8 milhões mesmo estando inadimplentes com o primeiro empréstimo”.
Mas o inevitável jogo político faz com que as investigações e procedimentos caminhem lentamente. De um lado, os vereadores da base de apoio do governo Rafael Diniz. Do outro, a oposição, composta em boa parte por integrantes de gestões anteriores, as mesmas que estão sob investigação.
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Caso do vereador Eduardo Crespo (PR), ex-presidente do Fundecam no último mandato de Rosinha Garotinho: “Fui um dos que votaram a favor da instalação da CPI. Até me chamaram para integrar a comissão, mas não achei correto, dado que fui diretor do fundo”.
Sobre as acusações de má gestão, Crespo diz que a alta inadimplência sempre foi um problema: “Já pegamos assim”. O vereador não quis se estender sobre o assunto, alegando que prefere aguardar o desfecho da CPI para se manifestar de forma mais precisa.
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Em meio a isso, os vereadores da situação tentam implantar outra comissão de inquérito, essa sobre problemas semelhantes na Previcampos, o fundo de pensão dos servidores campistas.
Foco é investir em pequenos negócios e renegociar dívidas
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Quando os royalties pareciam brotar do solo da planície goytacaz, talvez tamanha inadimplência não fosse tão problemático. Mas a partir da crise econômica e com as novas regras de distribuição das indenizações pela exploração petróleo, que reduziram drasticamente as receitas de Campos e municípios produtores, reaver os quase meio bilhão de reais se tornou mais que obrigação, passou a ser vital para a economia local.
“Convidamos todas as empresas para renegociar seus débitos, mas muitas nem sequer os reconhecem. Está tudo judicializado”, conta Lira. Segundo o diretor, apenas seis grupos reestruturaram as dívidas e estão adimplentes com o pagamento das parcelas. Mas é um trabalho moroso e sem muitas expectativas de retorno imediato.
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Dos R$ 450 milhões, quanto já foi recuperado para os cofres do município? R$ 4 milhões.
Por isso, a prefeitura trabalha em outra frente. O uso mais prudente, responsável e eficiente das verbas atualmente disponíveis, que já não são as mesmas. Desde 2017, não entra mais recursos dos royalties no Fundecam.
“Temos nos concentrado em linhas de financiamento para micro e pequenas empresas. Com os R$ 4 milhões que recuperamos, conseguimos investir em 400 pequenos negócios, com uma taxa de inadimplência de 3%”, destaca Lira.
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Dentre os empreendimentos contemplados, estão parcerias com as várias instituições de ensino da cidade, apoiando programas de iniciação científica que tem como foco solucionar demandas específicas de Campos. Ou a Catasol, uma cooperativa de catadores de material reciclável.