Corpo de Elza Soares é velado no Theatro Municipal, no Rio, nesta sexta-feiradivulgação

O programa de calouros de Ary Barroso era um sucesso na rádio Tupi. Compositor de “Aquarela do Brasil” ( “Brasil, meu Brasil, brasileiro/ Mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus versos), Ary era considerado um terror quando estava no palco e com o microfone em punho. Piadas sobravam. Deboches aos que cantavam mal. Provocações aos novatos, tentando de todas as formas levar à tensão o candidato ao estrelismo.
Em 1953, Elza Soares, que defendia tostões em faxinas, recentemente viúva, com filhos à criar, resolveu encarar a fera. As feras, afinal a plateia entrava no jogo, rindo, vaiando ou, em alguns casos, aplaudindo. Com a roupa remendada, cheia de alfinetes, a jovem de nem 22 anos entrou no auditório mais aclamado do Rio de Janeiro. Não demorou para o público reagir. Gargalhadas preconceituosas.
Na biografia escrita pelo jornalista Zeca Camargo, a própria Elza Soares relembra: “Entrei segurando minha roupa para ela não desmontar e arrastando uma sandália muito vagabunda, que era a única que eu tinha, e o Ary logo me olhou com aquela cara de quem ia aprontar alguma comigo.”
E aprontou mesmo. Logo de cara, Ary perguntou o que Elza estava fazendo ali. “Vim cantar”, respondeu de pronta. “E quem disse que você canta?”, retrucou. “Eu, seu Ary”, rebateu Elza. A plateia, de risonha, ficou apreensiva. Não era uma candidata fácil de levar na provocação. Vaidoso, Ary deu o golpe derradeiro: “Então, agora, me responda, menina, de que planeta você veio?”. “Do planeta fome”, deu touché a menina nascida na Vila Vintém, em Padre Miguel
Ao compositor e cantor Rogério Skylab, Elza conta a consequência desse momento:

Casada com o jogador de futebol Garrincha, a rubro-negra Elza Soares teve que enfrentar o alcoolismo do marido, as inúmeras discussões e a instabilidade financeira. Elza foi base para que o ex-craque do Botafogo e da Seleção Brasileira conseguisse ter um fim de vida menos melancólico.
Por falar em Garrincha, hoje (20/01/22) completa quase 40 anos da morte do atacante que entortava os adversários com a facilidade de alguém que vira um copo de água gelada em um dia de sol. Por causa dessa efeméride, Jorge Ramos, apresentador do programa Painel, na rádio Roquette-Pinto, estava defendendo a importante história do “Mané”. Em seguida entrou a música de Elza Soares. Natural, convenhamos. No meio da canção a notícia da morte da cantora. O experiente jornalista teve que conter a emoção.
Há um ano, quando assumi a Roquette-Pinto, recebi um apontamento de um recém contratado. “A rádio toca muito a Elza Soares”, pontuava. Não demorou para que eu levasse esse olhar ao Ivan Bala, programador da emissora, elogiado publicamente até por Caetano Veloso. “Ela é a alma do Rio, não dá para não tocar em exaustão”, defendeu com a calma de um monge tibetano. Concordei, claro.
Elza largou a vassoura para agarrar o microfone, sem esquecer do tempo de poeira e madame falando alto. Passou fome. Viveu agressões físicas em relacionamentos. Cuidou dos filhos dela e dos outros parceiros. Ultrapassou as lamas e se tornou rainha. Lançou diversos compositores, mostrando generosidade. Perdeu, venceu, levou o Rio ao Brasil e o Brasil ao mundo. Quebrou paradigmas. Quando pouco se falava ( ou se ouvia) feminismo, levantou bandeiras. Quando poucos debatiam de peito aberto as diferenças raciais, Elza estava ali.
Fecho essa coluna com uma gravação dela de “Tributo a Martin Luther King”, de Ronaldo Bôscoli e Wilson Simonal. Luther King foi um pastor e ativista político norte-americano que lutava contra as diferenças raciais nos Estados Unidos. Foi brutalmente assassinado por suas ideias.


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Letra de Tributo a Martin Luther King
Sim, sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que te peço é luta sim, luta mais
Que a luta está no fim
Cada negro que for, mais um negro virá
Para lutar com sangue ou não
Com uma canção também se luta irmão
Ouvir minha voz, lutar por nós
Luta negra de mais é lutar pela paz
Luta negra demais para sermos iguais
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Morre a educadora Neusa Moura
Nessa segunda-feira (19), morreu a educadora Neusa Moura. Trabalhando como empregada doméstica, estudou pedagogia e se formou.
Em pouco tempo, estava dando aula em escolas religiosas em Petrópolis. É um grande exemplo de superação e entrega à educação.
Fica aqui o pedido ao prefeito Rubens Bomtempo e ao presidente da Câmara Hingo Hammes que reflitam sobre uma rua ou praça com o nome dessa grande petropolitana.
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"Me deixem cantar até o fim"
Na live com Seu Jorge e Agnes Nunes, Elza Soares interpreta "Mulher do fim do mundo". É impactante quando a cantora solta a voz para emitir a vontade de cantar até o fim.
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