Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

Oito dias deste 2022 e os pássaros que aqui gorjeiam não gorjeiam como antes. O barulho na madrugada infernal dos fogos "anunciando" o ano novo, mais uma vez, espantou os pequenos animais. Minhas manhãs, enfeitadas, e alegres, com os cantos dos sabiás, dos bem-te-vis e o alvoroço das ararinhas ainda não ecoam aqui na minha região. Sinto falta. Somente alguns pombos famintos apareceram no dia 3, procurando alimentos. Até as rolinhas, sempre rondando as árvores do quintal da caverna, ainda
não vieram bater o ponto. Triste manhãs, Mas, tenho esperança que todos voltem.
As frutas do conde já estão amadurecendo. Elas atraem as ararinhas e sanhaços. Ah, ainda tenho as uvas, outro atrativo para os
pássaros. Vou ver se a natureza ajuda na volta dos belos tucanos. O casal de beija-flor, que se acha dono do pessegueiro, em breve deve voltar.

Depois deste lamento, lembrando do triste foguetório do início do ano, deixa eu contar uma história para vocês. Estou torcendo para que seja alegre. Vou tentar. Afinal, os seis leitores que mandam e-mails, vez por outra reclamam de causos melancólicos. Eles têm razão. Mas, antes, me sinto na obrigação de avisar que o Gordinho, ex-Refogado, fechou o bar.
Não teve sucesso na negociação com o proprietário do imóvel para a renovação do contrato de locação. Não adiantou o abaixo assinado de reforço. Estamos órfãos do antro alcoólico mais familiar da Água Santa. Acho que os amigos estão preparando uma passeata de protesto. Pior é que alguém (desconfio desse alguém) iniciou uma fake news, informando que no lugar do bar vai surgir uma igreja. Que maldade...

Mas, hoje é o vigésimo ano que eu e o Fulô, apelido de Filomeno, um antigo vizinho que agora mora em São Gonçalo (o cara deve ser um tremendo cristão: saiu da Água Santa e foi morar em São Gonçalo) tomávamos uns chopes no Engenho de Dentro. Mas o restaurante do seu Mário, famoso naquela época pelo cozido à portuguesa aos domingos, tinha doces sobrenaturais e irresistíveis à venda. No final da chopada (chegamos às 16h e já eram 21h), aconselhei Fulô a levar uma forma inteira de pudim de leite condensado para a esposa, uma maneira de amenizar a longa ausência.
A mulher dele, uma paraibana forte e mais braba que um Rottweiler com dor de dentes, não gostava quando o marido ficava bebendo na rua. Cansei de escutar quando ela gritava, ameaçadora, com ele: "Quer beber? Beba em casa, ao meu lado !"
Por isso, amigas e amigos, apontei o doce como maneira de amansar a fera. Entenderam? "Mas, como vou levar o pudim?", indagou o companheiro, já meio desconfiado. "Bem, é só acondicionar em uma 'quentinha...'.
Fulô subiu nas tamancas, achando que eu estava de gozação: "Tá pensando que sou burro? Como levar um pudim gelado em uma quentinha?" Desisti de convencê-lo. Ah, pedi mais dois chopes.