Por O Dia
As chuvas de janeiro de 2011 na região serrana do Rio são consideradas a maior tragédia climática do país. Dito assim, parece que a culpa é da natureza, o que não é verdade.



Três colegas perderam a vida e diversos advogados e funcionários da Ordem foram diretamente atingidos pela tragédia. À onda de devastação seguiu-se uma de solidariedade, em que a sociedade civil uniu forças com o poder público para salvar vidas e na ajuda emergencial.



A gravidade da situação motivou a maior operação social da OABRJ em sua história, mobilizando centenas de advogados e ajudando a arrecadar e distribuir milhões em recursos. 



Passados dez anos do desastre ainda há muito a ser feito para minorar o impacto na vida de quem foi afetado e para evitar a repetição da tragédia. Pontes e estradas foram reconstruídas. Muitas obras de contenções de encostas foram feitas, centenas de moradias foram construídas, mas a estimativa é de que 86 mil pessoas ainda estejam vivendo em áreas de risco nas três cidades mais atingidas: Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. 



Estive esta semana em Teresópolis, um dos locais atingidos pela tragédia há 10 anos, com outras lideranças da OABRJ. Relembrei os momentos de tristeza e dor à época, quando, como presidente da subseção da Barra da Tijuca, a maior do estado, acompanhei a missão da OABRJ à região. Nunca vi tamanha devastação e sofrimento concentrados. Várias casas desapareceram sob uma avalanche de lama, estradas e pontes foram destruídas e bairros inteiros ficaram inacessíveis. 



Mas também relembrei com orgulho a ajuda que a OABRJ deu aos advogados e à população das cidades atingidas. Orgulho também dos incontáveis gestos de solidariedade e grandeza demonstrados por inúmeros advogados que arregaçaram as mangas e se puseram a trabalhar voluntariamente durante a emergência. 

A Ordem cumpriu sua missão na defesa dos interesses da sociedade sem descuidar das questões corporativas. 



A tragédia mobilizou todas as energias da estrutura da Ordem. A estrutura da OAB/Friburgo, presidida à época por Carlos André Pedrazzi, centralizou a atuação, mesmo tendo sua sede também atingida pela chuva.



Conseguimos a doação de 3 mil barracas para os desabrigados. E ajudamos a arrecadar, coletar e distribuir toneladas de donativos. Realizamos mutirões e ações sociais nas cidade afetadas, fornecendo orientação jurídica para a população. Auxiliamos no processo legal de reconhecimento das vítimas e na burocracia de liberação dos corpos para as famílias. Fizemos o acompanhamento do cumprimento do aluguel social para famílias afetadas e ajudamos no trabalho de localização de vítimas. 



Em parceria com a Casa da Moeda, foram feitas mais de 60 mil cartilhas informando os direitos básicos dos moradores, procedimentos para pleitear o aluguel social e o FGTS, retirada da segunda via de documentos pessoais ou escrituras de imóveis, como obter certidão de óbito de parentes nos cartórios e o que fazer para se candidatar a um processo de adoção de crianças órfãs.



Fizemos gestão com o MP para que o BNDES incluísse nos contratos de financiamento a empresas uma cláusula para que não houvesse demissões. 



Mas, passado o momento de emergência, o processo de reconstrução é mais longo. Problemas políticos acabam sendo complicadores importantes nessa questão. Teresópolis teve sete prefeitos em sete anos (de 2011 a 2018), por exemplo. Com isso, as soluções são implantadas com maior lentidão, quando são.

Por isso, é oportuno que o governo do Estado tenha transferido sua sede para a região serrana durante esta semana para jogar luz nos problemas, discutindo soluções e estratégias de prevenção com autoridades e lideranças da sociedade civil.



O governador anunciou uma verba de R$ 220 milhões em urbanização de margens de rios, desassoreamento e canalização na cidade. Para evitar a repetição da tragédia a prevenção é a chave. E há muito mais a ser feito, como a contenção de encostas, o reflorestamento de mata ciliar e o combate à ocupação desordenada do solo. Também é preciso criar mapas de risco e conscientizar a população em relação ao descarte de lixo (assim com organizar uma coleta eficiente de lixo por parte das prefeituras). E fiscalizar tudo isso.



Chuvas fortes e deslizamentos são comuns em áreas de morro, não só na região serrana. E vão continuar a ocorrer. Mas mortes são evitáveis. 



Fiel à sua missão social, a OABRJ fará tudo o que puder para contribuir com as discussões e ações que evitem outras catástrofes. Mas alerta que já passou da hora para que a valorização da prevenção e da redução de riscos faça parte da agenda nacional. Não só em casos de chuva.
Luciano Bandeira é presidente da OABRJ