Por O Dia
Em uma carta célebre, escrita na prisão, Martin Luther King ensinou que “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. Ele se referia à questão racial e à luta pelos direitos civis nos Estados Unidos da América, mas a afirmação é válida para qualquer tipo de injustiça social extrema, seja onde for.

Em novembro de 2007 a Assembleia Geral da ONU declarou 20 de fevereiro como o Dia Mundial da Justiça Social. No Brasil essa data não repercutiu como deveria nos últimos anos. O Brasil não é um país pobre. É um país desigual. O 9º mais desigual do mundo, segundo números oficiais do IBGE e de uma compilação do Banco Mundial. Ficamos atrás de oito países africanos. Nas três Américas não há país mais desigual que o nosso.

No final do ano passado, o IBGE divulgou a Síntese de Indicadores Sociais com o índice de Gini de 2019. O Gini mede a concentração de rendimentos no país. Ficamos com 0,543 (quanto mais próximo de 1, pior é a distribuição). Segundo o IBGE, os 10% mais ricos detinham 43% da renda — 43 vezes o que os 10% mais pobres tinham, que era 1% do total.

Outros números dos indicadores sociais trouxeram mais elementos que comprovaram a desigualdade. De cada 10 trabalhadores ocupados, 4 estavam na informalidade. Na região Norte chegava a 61,6%. Entre as mulheres pretas ou pardas de 15 a 29 anos, 32% não estudavam e nem trabalhavam. Um percentual 2,4 maior que a de jovens brancos nessa faixa.

Se o corte for por grau de instrução a desigualdade também é gritante: entre aqueles sem instrução, ou com ensino fundamental incompleto, a informalidade chegou a 62,4%, três vezes maior do que entre os que tinham ensino superior completo. 

Todos esses números que mostram a desigualdade social no Brasil não registram ainda o impacto da pandemia na economia, na vida das pessoas e na distribuição de renda. Mas a última Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio), também do IBGE, registrou. Ela revelou que, em média, os 10% mais ricos perderam 3% da renda. E os 40% mais pobres tiveram uma queda de mais de 30%, descontando o auxílio emergencial.

O aumento da desigualdade durante a pandemia é um problema global. Enquanto o mundo vive uma retração econômica, foi noticiado que os 10 maiores bilionários do mundo aumentaram suas riquezas em US$ 500 bilhões desde o início da crise.

Em tempos de pandemia, aliás, a desigualdade não é apenas financeira. Mas também decorre dela. A estimativa é que 9 em cada 10 habitantes de países pobres fiquem sem vacina contra a Covid-19 este ano. Mas, encomendando de diversos fornecedores, alguns países mais ricos já garantiram doses suficientes para imunizar até quatro vezes a sua população.

A injustiça social pode se manifestar de diversas formas. Este ano, a ONU propôs a economia digital como tema da campanha do Dia Mundial da Justiça Social. É apropriado. A transformação causada pela revolução digital se aprofundou na pandemia, aumentando em particular as disparidades causadas pela necessidade do trabalho remoto. A dificuldade de uso ou acesso a computadores, plataformas e programas, ou mesmo a uma internet de qualidade, foram fatores que aumentaram a desigualdade.

No Judiciário isso foi claro: enquanto para muitos advogados e advogadas foi a forma de continuar trabalhando, para muitos outros foi um processo de exclusão. Nós, na OABRJ, buscamos reequilibrar isso dando condições para que essas deficiências fossem minoradas, com uma rede de escritórios compartilhados com computadores dotados de webcams, disponibilizando tutoriais, programas e equipes de atendimento. Além de fazer interlocuções constantes com os tribunais.

É preciso que os esforços para combater as desigualdades nos outros campos façam parte das agendas públicas de autoridades e da sociedade.
 *Luciano Bandeira é presidente da OABRJ