A atriz Maria CeiçaReprodução
Tive uma infância tranquila, com uma educação bem rígida e meu pai sempre destacou muito a importância da educação na vida de, negros que somos. Morávamos em Duque de Caxias e me lembro bem da minha vontade de brincar com a vizinhança, de pés descalços pela rua, mas meu pai não deixava (risos). Para nós, eu e minha irmã mais nova, Christina, a obrigação era estudar, ler, se educar. Apesar de sempre cantar e fazer teatro desde pequena, na igreja que frequentávamos, nunca fui incentivada a pensar no lado artístico e consequentemente por ser sempre boa aluna, me recomendaram cursar escola técnica e ter uma profissão. Assim, me formei em técnica de eletricidade e fui trabalhar na mesma empresa que meu pai. Depois de casada e já com filhos, me dei conta que estava em um lugar que não me reconhecia. Depois de trancar a faculdade de engenharia duas vezes, resolvi buscar o que realmente me emocionava e tocava fundo no meu coração. A arte de representar. Cursei então a Escola de Teatro Martins Pena e desde 1989 sou atriz, com muita paixão pelo que faço.
Criei meus filhos com dificuldade pois me separei do pai deles logo no início da minha carreira. Eles amadureceram muito vivenciando o dia a dia de uma mulher negra, na luta pelo trabalho, dignidade e reconhecimento, com todas as "artimanhas" que o racismo e o preconceito na nossa sociedade nos envolve.
Apesar de muitos trabalhos de sucesso, ainda quero fazer muito mais. Tenho muito a representar, muita bagagem que preciso explorar. Infelizmente, longe de ser ingrata a tudo que construí, não tenho uma carreira de trabalhos contínuos, apesar do sucesso nas personagens que interpretei. Aliás, essa é uma das perversidades que o racismo nos traz: poucas possibilidades de atuar continuamente, por falta de personagens relevantes negros nas novelas, filmes, etc.
Gosto muito da televisão, do cinema e do teatro e ao longo da minha carreira tenho atuado nesses segmentos. É difícil dizer qual o trabalho preferido, pois cada um que faço, faço com muita paixão e entrega. Tenho muito orgulho dos filmes que fiz, das novelas, das peças porque em todos eu quis muito fazer. Essa escolha para mim é fundamental. Escolher dizer, ser alguém que pode influenciar, fazer refletir, divertir e emocionar é muito especial para mim. Sou muito grata a Deus pelo meu trabalho, minha profissão e pelo meu talento. Além de atriz, sou cantora, apresentadora e agora também dubladora.
Essa fase da mulher acima dos 50 é mágica. Maturidade plena, sabedorias adquiridas e os desejos e alegrias continuam em plena aceitação. E os avanços na área da saúde, medicina e estética, estão cada vez mais expandindo a possibilidade de uma longevidade com boa qualidade de vida.
Por ser uma mulher negra e atriz, já sou uma atuante natural nas questões raciais e de gênero, pois é impossível não ser parte desse tema. Principalmente pelas dificuldades em ser atuante, com poucos personagens negros na TV e no cinema. Senão estereotipados como personagens subalternos, escravos e bandidos que são delegados aos atores negros. Ainda que eu tenha tido a sorte de fazer personagens fora desses estereótipos, é inegável a falta de visibilidade que encontramos. A população negra sempre esteve longe desses acessos, de protagonismo, da falta de reconhecimento e de reconhecimento de si mesmo, pela falta de não ter seus pares.
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