Por fabio.klotz

Rio - Gol da Alemanha... A expressão virou bordão para apontar e até ridicularizar problemas e erros do futebol brasileiro. Não é para menos. Os gols da Alemanha ainda ecoam no dia a dia e representam o maior vexame da Seleção, o momento em que o orgulho de ser o "país do futebol" ficou abalado. Naquele 8 de julho de 2014, o Brasil, atônito e incrédulo, viu uma goleada em casa, no Mineirão, pela semifinal da Copa do Mundo. Um ano depois da tragédia, o que mudou no futebol brasileiro, o que foi feito para resgatar o prestígio da Amarelinha? Ou 7 a 1 foi pouco?

Fred sofreu com críticas na Copa do MundoArte sobre foto de André Mourão / Agência O DIA

Na semana em que se completa um ano do fracasso da Copa, a CBF começou a agir para buscar soluções para o futebol brasileiro. A entidade promoveu, na segunda-feira, uma reunião com ex-técnicos da Seleção para debater possíveis melhorias e até criou um nome pomposo para o plano de colocar o país do futebol nos trilhos: Conselho de Desenvolvimento Estratégico do Futebol Brasileiro.

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De fatos concretos, da eliminação na Copa do Mundo para cá, foram as mudanças no comando técnico (Felipão saiu para o retorno de Dunga) e no alto escalão da CBF (Marco Polo Del Nero assumiu a presidência). Isso sem falar no vexame fora de campo: o escândalo envolvendo o ex-presidente José Maria Marin, preso e acusado de corrupção por negócios no futebol.

Felipão parecia prever o placar da derrota...Arte sobre foto de André Mourão / Agência O DIA

O pesadelo do 7 a 1 volta à tona e a assombrar o futebol brasileiro. Campeão mundial em 1970 e representante da essência do talento que o país já produziu, Tostão vê o placar na Copa como ponto fora da curva, mas que expõe com exatidão os problemas do esporte no país.

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"O placar foi uma demonstração clara dos problemas que nosso futebol tem, mas, ao mesmo tempo, ele foi exagerado. Podemos jogar mil vezes com Alemanha que ele não vai se repetir. O placar foi um acidente pela forma que aconteceu", declara Tostão.

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Pepe é outro representante da nata do futebol brasileiro. Bicampeão mundial com a Seleção e o Santos, ele recorda o "pesadelo do 7 a 1".

Túnel do tempo: A crônica da pior derrota da história do futebol brasileiro

"Estava sentado na minha sala, como sempre faço, de bermudão e chinelo, e parecia que eu estava vivendo um pesadelo. 'Isso não está acontecendo, não pode estar', eu pensei. Eles fizeram sete e pararam por conta própria. Se precisasse de saldo de 12 gols para passar de fase, eles iriam fazer. O Brasil se entregou naquele jogo", lembra.

O que mudou?

Humilhação em casa, ferida exposta para o mundo e orgulho abalado. A cicatriz da Copa do Mundo será eterna no futebol brasileiro. Porém, o aprendizado foi pequeno em relação ao tamanho da derrota. De acordo com Tostão, nem um período de luto o Brasil viveu. Melhorar então...

Julio Cesar não escondeu a decepção%3A lágrimas para uma dor difícil de cicatrizarArte sobre foto da Reuters

"Não houve nada, nenhuma tentativa de melhorar. A comissão técnica trocou, mas o Dunga não significa mudança de conceito teórico. Nenhum jogador excepcional surgiu, nem ninguém, no mínimo mediano, foi revelado pelo nosso futebol. Continua tudo igual. É grave porque perdemos um ano de trabalho. O Brasil não teve nem luto pela perda. Não usamos esse tempo para refletirmos. A CBF foi logo escolhendo o Dunga, até achei que ele era o melhor técnico para tentar melhorar e esquecer o que aconteceu. Até o início da Copa América (a Seleção teve uma série de vitórias) foi uma ilusão. Mas esta eliminação na Copa América serviu para provar aos que ainda achavam que o 7 a 1 foi apenas uma decepção que realmente perdemos por falta de qualidade", afirma Tostão. Para ele, a tragédia na Copa não ensinou nada ao Brasil. Gol da Alemanha...

"Se você pegar os técnicos brasileiros, eles vão na TV e falam que estão melhores, mais atualizados, etc. Aí vem dirigente dizer que o Brasil não tem carência de jogador e que na parte tática estamos evoluindo. As pessoas que estão no comando do futebol, dentro e fora de campo, dizem que está melhorando, mas não está", analisa.

Gol da Alemanha... Tragédia no Mineirão completa um anoAndré Mourão / Agência O Dia

Pepe reforça as palavras de Tostão e também não vê mudança no futebol brasileiro depois do vexame na Copa do Mundo.

"Vivemos um momento de uma safra de jogadores de pouca qualidade. 90% da nossa Seleção joga no exterior e isso não a faz ser boa. O futebol aqui no Brasil também não está tão bom. A Seleção não dá confiança ao torcedor. Antigamente a gente ia ver os jogos da seleção brasileira com uma expectativa boa. Agora dá preocupação (risos)", diz o craque santista, que vê um lado positivo na criação do Conselho de Desenvolvimento Estratégico do Futebol Brasileiro, que deve ouvir ex-atletas também:

"Acho que isso terá um efeito muito bom. Unir essas pessoas que participaram e que jogaram na Seleção e por tudo que eles fizeram... esse pessoal tem uma experiência muito boa para passar aos que estão atualmente. Ainda não me chamaram, mas, se for convidado, eu falaria da nossa organização. A questão do nosso calendário eu vejo como algo para se acertar."

Para voltar a brilhar

A Seleção agora tem a missão de resgatar o prestígio abalado pela goleada imposta pela Alemanha. Como voltar a bradar com orgulho o rótulo de o "país do futebol"?

A decepção da goleada estampada na torcida brasileiraArte sobre foto da EFE

"O Brasil precisa mudar conceitos, treinadores, estrutura, forma de jogar, ambiente fora de campo, mentalidade de dirigentes e principalmente diminuir as promiscuidades comerciais - o bom seria eliminá-las, mas acho improvável. A curto prazo, é tentar formar um time melhor. Não vamos conseguir grandes coisas, mas é o começo. O futebol brasileiro precisa de jogadores e técnicos mais arejados e atuais. A Argentina vive os mesmos problemas estruturais que a gente e tem mais jogadores com capacidade de vestir uma camisa de uma seleção. Além do Messi, há outros bons lá. Resta esperar e torcer para que surjam mais uns dois jogadores para ajudar o Brasil", analisa Tostão.

Pepe também dá conselhos para o Brasil absorver o impacto do 7 a 1 e voltar ao caminho das glórias.

"Já que demos tantas oportunidades para os jogadores que atuam fora, temos de olhar melhor os que atuam no Brasil e procurar formar um time com eles sendo maioria. Os jogadores do exterior já se firmaram financeiramente e têm uma tranquilidade na carreira. Os que estão aqui ainda buscam uma melhora nessa qualidade de vida, em contratos e, por conta disso, o espírito de luta pode ser maior em campo", afirmou Pepe.

Além de resgatar os momentos de glória, o futebol brasileiro tem outro desafio: superar o crescente desinteresse da população pela Seleção.

"Existe uma diminuição da importância do futebol na nossa sociedade. Tem coisas muito mais importantes no Brasil do que o futebol: Saúde, política, educação... As pessoas, hoje, se importam menos com a derrota da Seleção. Acho que isso de 'País do futebol' é uma mentira hoje em dia. O número de torcedores é bem menor nos estádios. Há pesquisas que mostram que existem mais pessoas que não ligam para futebol do que torcedores do Flamengo. Nossa forma de gostar de futebol está mudando e isso acabou fazendo o 7 a 1 pesar menos para eles", encerra Tostão.

Reportagem de Fábio Klotz e Victor Abreu

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