Por fabio.klotz

Rio - A confiança se transformou em decepção. O sonho virou pesadelo. Thiago Bastos, estudante de 16 anos, presenciou a tragédia no Mineirão. A alegria de antes de a bola rolar deu lugar a um clima de enterro, relembra. Ele guarda o ingresso do fatídico 7 a 1 para a Alemanha, na semifinal da Copa do Mundo, mas demorou a vestir a camisa do Brasil de novo depois do dia 8 de julho de 2014.

Thiago exibe os ingressos da Copa e revê os lances no computadorVictor Abreu / Agência O DIA

"Desde a Copa que eu não visto uma camisa do Brasil", disse Thiago, colocando a peça em frente ao espelho. Ele não pretende se desfazer do ingresso da semifinal da Copa do Mundo:

"É uma Copa no Brasil, entende? Existem testemunhas boas e outras ruins (risos). Mas, no fim de tudo, foi bom viver este clima de Copa. Nunca pensei em jogar fora este ingresso. Vou mandar plastificar para preservar e mostrar para os meus filhos no futuro."

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A saga para acompanhar a Copa Mundo rendeu histórias para contar. Brasil e Alemanha não foi o único jogo que Thiago Bastos assistiu in loco, acompanhado pelo pai, José Antônio Almeida. Outra lembrança que ele tem do Mundial é de vitória, mas com um susto e tanto fora de campo.

"No jogo entre Brasil e Chile, compramos passagens de ônibus, sete horas para ir e mais sete para voltar. Neste jogo, inclusive, fomos assaltados. A gente estava no estádio e a casa do amigo do meu pai, que nos hospedou, foi invadida. Roubaram tudo nosso e da casa. Levaram as passagens de volta, a identidade do meu pai, roupas e objetos da casa. Eu voltei para o Rio só com a minha roupa do corpo. Mesmo assim voltamos para o Brasil e Alemanha na mesma casa que foi assaltada", relembra Thiago.

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Novamente com a camisa do Brasil, Thiago relembra o dia 8 de julho de 2014, quando a Seleção foi humilhada no Mineirão.

"Estava confiante, mas ao mesmo tempo com medo pela seleção da Alemanha. Eu acreditava em uma vitória nossa pela Copa ser em casa, mas com medo da Alemanha porque ela era favorita para ser campeã. Mas quando eu vi... tomei um susto. Aquilo ali foi um desastre. Eu não esperava que a Alemanha fizesse aquela linha de passes na frente da nossa área. No quarto gol eu deixei a arquibancada e fui para as lanchonetes que ficam no interior do estádio e continuei vendo o jogo pelas televisões do Mineirão. 7 a 1, cara?! Fiquei decepcionado", conta. Ao voltar para a arquibancada, Thiago Bastos teve a dimensão do efeito do 7 a 1:

"Muitas pessoas estavam chorando. Meu pai chorou. Eu não chorei porque não tenho esse envolvimento tão grande com a Seleção. Mas meu pai, meu tio (Marcelo) e muita gente estava chorando e se lamentando horrores."

Antes da partida%2C clima era de animação e foto com torcedor alemão. Ingressos da Copa viraram um relíquia que será guardada como recordaçãoArquivo pessoal

Thiago compara o clima no estádio a um enterro: "Era um sentimento de decepção com a seleção brasileira e com os jogadores. Já era uma decepção ser eliminado em uma Copa do Mundo em casa, sendo uma das melhores seleções do mundo pela história e tudo mais. A Seleção estava entre as favoritas, campeã da Copa das Confederações, vinha no embalo, mas o pior de tudo não era ser eliminado da Copa do Mundo, o pior é ser eliminado em casa daquela forma! E aí foi clima de enterro total. Pessoas chorando muito na saída."

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Ele leva na esportiva quando "entrega" para amigos que viu do Mineirão o massacre da Alemanha: "Quando começa uma discussão sobre este jogo na sala de aula, eu levanto a mão e digo que fui ao Mineirão. Aí começam as brincadeiras e chamam de pé-frio e perguntam como foi assistir ao vexame. Muita gente brinca comigo. Ainda bem que não fui ao jogo que o Neymar se machucou (risos)..."

A dor do Gaúcho da Copa

Clóvis Fernandes, o Gaúcho da Copa, de 60 anos, tem mais experiência do que Thiago Bastos no assunto acompanhar a Seleção. Ele já viu in loco 160 jogos do Brasil. São sete Mundiais e sete Copas Américas no currículo. Para quem vivenciou de perto a glória de 2002, a tragédia no Mineirão foi ainda mais dolorosa. Ele estava com a neta Eduarda Fernandes Godinho, de 14 anos. Foi difícil ver o choro da menina.


"Foi a primeira vez que ela foi comigo. Ela mora em Belo Horizonte. Eu estava mal, tentando ainda segurar as lágrimas. Ela encostou em mim chorando e não deu para segurar. A minha neta estava sofrendo comigo. Ela viu cada momento em que eu me preparava para ir acompanhar a Seleção. Ela sabia o quanto estava fazendo mal para mim. Só ela sabia ali o quanto sou apaixonado pela seleção brasileira. Ela sentiu de uma maneira diferente tudo aquilo que eu estava sentindo. Ela ficou triste como todos os brasileiros, mais por ver o avô naquele estado. Ela tinha um sentimento maior por ter conhecimento da minha luta e de tudo que havia feito para chegar até aquele momento. Aquela dor de ter sido eliminado como foi, de maneira extremamente humilhante. E ela queria compartilhar de uma certa forma", relembra Clóvis.

É difícil esquecer aquele 8 de julho de 2014: "Foi um dia infernal. Foi o momento mais crítico dos otimistas. Os pessimistas jamais poderiam imaginar aquele resultado. Até hoje não acordamos. O Brasil se vestiu de verde e amarelo. Éramos 200 milhões de brasileiros que queriam a Copa. Nenhum brasileiro podia imaginar que a gente ia perder a Copa dentro de casa", declarou Clóvis.

A goleada alemã teve requinte de crueldade para Clóvis. Ele sofria a cada vez que Julio Cesar ia buscar a bola no fundo da rede.

"A cada gol que a gente tomava era uma coisa louca e me matava um pouco, tirava um pouco do que me movia. Quando deu o resultado final e não tínhamos mais nada a fazer, o jogo tinha acabado, eu era o mais triste entre todos os torcedores, sentindo a dor da humilhação do 7 a 1. Eu estava sofrendo porque não podia admitir que o melhor futebol do mundo, que encantava a todos, foi humilhado dentro de casa. Minhas lágrimas têm uma profundidade enorme. Toda a esperança saiu de mim de repente. Ficaram a dor e a tristeza. Eu me senti perdido, vazio. Não sabia o que fazer. Eu tinha certeza de que iríamos para a final", recorda.

Abalado pela humilhação, Clóvis ganhou o conforto de quem também presenciou o pior capítulo da história do futebol brasileiro: "O carinho das pessoas foi emocionante. Eu já tinha uma certa notoriedade pela minha imagem, por acompanhar a Seleção. Eu perdi a Copa, mas hoje, em eventos que eu tenho participado, eu sou reconhecido por todos e o carinho ficou marcado no meu coração para sempre."

Gol da Alemanha...

Novamente com a camisa do Brasil, Thiago Bastos assistiu aos gols da Alemanha e relembrou o que sentiu e pensou no dia 8 de julho de 2014.

1º Gol da Alemanha, Müller, aos 11' do 1ºT - "O primeiro gol é aquele que você toma uma susto, mas pensa: 'Copa em casa, vamos virar isso'. Estava tranquilo, foi no começo, ainda tem muito jogo. Pensei que só tinha dado azar. Mineirão lotado, 70 mil pessoas, achei que dava para virar."

2º Gol da Alemanha, Klose, aos 23' do 1ºT - "No segundo eu já pensei: 'Complicou. Fazer 3 a 2 na Alemanha vai ser difícil'. Mas vamos lá, não podia perder a esperança. Era bem no começo ainda, mas era uma sensação bem pior do que o primeiro."

3º Gol da Alemanha, Kroos, aos 25' do 1º T - "No terceiro gol eu já sabia que ia perder. Nesse gol já tinha gente com cara de espanto, assustada, chocada, mas ninguém estava chorando. As pessoas se olhavam na arquibancada e não sabiam o que falar. Mas eu estava lá com uma pontinha de esperança: 'Vai que no segundo tempo muda'. Felipão compacta o time, 'fecha a casinha' e dava uma pressão."

4º Gol da Alemanha, Kroos, aos 26' do 1ºT - "Quando fez esse gol eu fui para o bar que fica atrás das arquibancadas. Fui comer um cachorro-quente e beber alguma coisa. Ali já tinha gente chorando. Fiquei lá dentro do estádio, mas vendo pela TV da lanchonete. Meu pai e meu tio continuaram na arquibancada. Ali eu já tinha desistido mesmo. Talvez com dois gols eu me animasse..."

5º Gol da Alemanha, Khedira, aos 29' do 1ºT - "No quinto eu já estava rindo. Estavam brincando de linha de passe com a gente. Era uma vergonha a gente investir bilhões de reais e a Seleção faz esse vexame em casa."

Intervalo - "Tinha muita gente sem saber o que falar, perplexa, boquiaberta. E as pessoas já estavam perdendo a paciência. Quando o Brasil está ganhando é tudo festa, mas perdendo acaba tendo bate-boca. Esbarrão vira confusão, pessoal pedindo para sentar na cadeira. Um semifinal de Copa do Mundo e tinha gente querendo ficar sentada."

6º Gol da Alemanha, Schürrle, aos 24' do 2ºT - "Sexto gol não tinha mais reação. Nessa hora que começou o chororô geral. Saí da lanchonete e fui no meu pai falar com ele e tudo mundo chorando, inclusive ele e meu tio."

7º Gol da Alemanha, Schürrle, aos 34' do 2ºT - "Nessa hora o resultado já pouco importava e comecei a perceber que a seleção alemã foi respeitosa com a gente. Nenhum deles fez firula ou menosprezou. A única coisa que eles podiam fazer eles fizeram e sete vezes (risos). Na minha volta para casa, acho que de 50 pessoas na nossa volta, só eu e mais um não estávamos chorando. Meu sentimento era só de revolta. Uma Copa no Brasil! Perder é ruim, mas preferia que fosse de menos."

Gol do Oscar, aos 45' do 2ºT - "Esse gol... (risos)... eu olhei aquilo...(risos)... O que é que eu vou fazer? Comemorar?", ele começa rir, sem parar, e não consegue continuar falando e "dá de ombros", como se não soubesse definir o gol brasileiro.

Reportagem de Fábio Klotz, Renata Amaral e Victor Abreu

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