Por thiago.antunes

Rio - A Justiça Federal do Rio recebeu nesta segunda-feira a denúncia ajuizada pelo MPF contra cinco militares, em razão do homicídio e ocultação de cadáver de Rubens Paiva. Trata-se da primeira decisão judicial da história do Brasil que afasta os argumentos de anistia e prescrição com relação aos crimes instantâneos (não-permanentes) cometidos por agentes da ditadura militar entre 1964 e 1979.

A partir da esquerda, o general Jose Antonio Nogueira Belham, o tenente Antonio Fernando Hughes de Carvalho (falecido), o coronel Rubens Paim Sampaio e os irmãos capitão Jacy Ochsendorf e Souza e capitão Jurandyr Ochsendorf e Souza. Também foi denunciado o general Raymundo Ronaldo Campos (sem foto)Arte%3A O Dia

A decisão é do juiz Caio Márcio Gutterres Taranto, da 4ª Vara Federal Criminal, que ressaltou que "a qualidade de crimes contra a humanidade do objeto da ação penal obsta a incidência da prescrição”. “O homicídio qualificado pela prática de tortura, a ocultação do cadáver (após tortura), a fraude processual para a impunidade (da prática de tortura) e a formação de quadrilha armada (que incluía tortura em suas práticas) foram cometidos por agentes do Estado como forma de perseguição política. (…) A esse fato, acrescenta-se que o Brasil (…) reconhece o caráter normativo dos princípios de direito costumeiro internacional preconizados (…) pelas leis de humanidade e pelas exigências da consciência pública”, assinalou o juiz.

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O deputado federal Rubens Paiva foi preso em casa na manhã do dia 20 de janeiro de 1971 por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Nunca mais retornou com vida. Ele foi levado a 3ª Zona Aérea e na mesma noite foi entregue a agentes do DOI-Codi onde foi torturado até a morte, possivelmente no dia seguinte.

Na semana passada, o Ministério Público Federal do Rio finalmente concluiu pela primeira vez uma investigação oficial do estado sobre sua morte. Os procuradores da República do Grupo Justiça de Transição denunciaram por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa armada: o general José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI-Codi, e o coronel Rubens Paim Sampaio, ex-oficial do Centro de Informações do Exército. Eles podem ser condenados até 37 anos e seis meses de prisão.

Já pelos crimes de ocultação de cadáver, fraude processual e associação criminosa armada foram denunciados o general reformado Raymundo Ronaldo Campos e os capitães reformados e irmãos Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza. As penas para os três podem superar dez anos de prisão.

“Não é um caso de desaparecido. É um caso de assassinato. O que está desaparecido é o corpo”, defendeu Vera Paiva, filha de Rubens Paiva.Ele era deputado e foi cassado logo após o golpe militar. No dia 20 de janeiro de 1971, Paiva foi levado de sua casa no Leblon por militares do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica e nunca mais voltou.

O MPF ofereceu à Justiça novas provas — documentais e testemunhais — que confirmam a participação dos cinco agentes. De acordo com o procurador da República Sérgio Suiama, o depoimento do coronel reformado Armando Avólio Filho foi fundamental para as investigações. Ele foi testemunha das torturas e da omissão do general Belham em impedir o homicídio e já havia sido apontado pela Comissão Nacional da Verdade como um dos autores do crime.

Também foi identificado o envolvimento de outros nove agentes no crime. São eles, o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, comandante do Cisa, o coronel Freddie Perdigão Pereira, ex-oficial do CIE, o general Syzeno Sarmento, ex-comandante do I Exército, coronel Ney Mendes, integrante do DOI, coronel José Ney Fernandes Antunes, comandante da Polícia do Exército, o coronel Paulo Malhães, ex-oficial do CIE, o delegado Orlando Rangel e o tenente Antonio Hughes de Carvalho. Todos já faleceram.

Para o MPF, a denúncia é baseada em crimes de estado contra a humanidade e que não estariam cobertos pela Lei de Anistia. “Não estamos discutindo a validade da lei”, afirmou o procurador.

Coronel Malhães confessou que participou de ação para ocultar cadáver

“Recebi a missão para resolver o problema, que não seria enterrar de novo. Procuramos até que se achou (o corpo), levou algum tempo. Foi um sufoco para achar (o corpo). Aí seguiu o destino normal.” Com essas palavras, em 20 de março, o coronel Paulo Malhães admitiu ao DIA que tinha participado de missão para dar um destino final aos restos mortais de Rubens Paiva.

Malhães contou que recebeu uma ordem do gabinete do ministro do Exército em 1973 para desenterrar o corpo que estava na areia, na Praia do Recreio dos Bandeirantes, e ocultá-lo definitivamente.

Na apresentação da denúncia, o procurador Sérgio Suiama ressaltou a importância dos documentos que mostram a relação entre Malhães e seu chefe, o general Belham.“O Malhães disse que retirou o corpo do Rubens Paiva da praia e levou para outro lugar. Ele não fez isso sozinho. Ele fez isso a mando de alguém”, apontou o procurador.

Na entrevista, Malhães contou que participaram da missão junto com ele o coronel reformado José Brandt Teixeira, parceiro de diversas outras operações. Além dele, os sargentos Jairo de Canaan Cony e Iracy Pedro Interaminense Corrêa. Apenas Cony está falecido

Malhães morreu 37 dias depois da entrevista, durante um assalto em sua casa, em circunstâncias ainda não esclarecidas. O caso é investigado pela Polícia Civil. Após a morte, a viúva contou ao DIA que ele admitiu a ela que participou da operação e que os restos mortais de Rubens Paiva foram jogados em um rio.


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