Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Divulgação
Por Wagner Cinelli de Paula Freitas*
Certa vez, em uma animada cerimônia de formatura, surpreendeu-me uma placa levantada por alguns alunos que dizia: “Obrigado, Google!”. Minha primeira ideia foi: “Pronto, o Google agora é paraninfo!”. De fato, a internet invadiu nossas vidas, com reflexos nas nossas interações sociais e, com ela, chegaram os chamados buscadores, que são sites usados para pesquisa.

Pensando nos novos horizontes que são descortinados a cada época, lembrei-me de pesquisadores que há poucas décadas foram pioneiros em estudos utilizando classificados de jornal. Com essa inspiração de inovar e me transportando ao meu próprio tempo, elegi meu objeto de interesse, no caso o feminicídio praticado pelo companheiro, e resolvi fazer minha investigação na rede mundial.

Ligo o computador, aciono o navegador e chamo o Google. Digito “matou a mulher”, delimito a busca para notícias das últimas 24 horas e aperto a tecla enter. A primeira chamada é de A Semana, de Cabo Verde. Ei-la: “Português matou a mulher inglesa grávida, foi preso e deportado – 16 anos depois repete o feminicídio, a vítima é holandesa”. O assassino é Hugo Quintas, que já havia sido condenado pelo primeiro crime e agora responde pelo segundo.

O resultado seguinte é do site Sorocabanices: “Preso o homem que matou esposa e enteada de 9 anos e enterrou no quintal no interior de SP”. Aqui estamos diante de outro feminicídio, desta vez com duas vítimas no mesmo episódio. Fabrício confessou ter assassinado a mulher com uma faca e a enteada por asfixia. A notícia aponta ainda que ele é investigado por que teria repetidamente abusado sexualmente da outra enteada.

A terceira chamada é do sítio eletrônico do Correio da Manhã, de Lisboa: “Mata ex-companheira e volta ao tribunal por ter escrito palavra ofensiva numa parede com sangue da vítima”. Logo abaixo, temos: “Crime aconteceu na Madeira. Homem matou a mulher com mais de 22 facadas”. O “arguido”, que é como o réu é chamado em Portugal, já tinha sido condenado a 23 anos pelo assassinato da ex-companheira, enfrentando agora nova ação penal por conta de um delito que não constou da denúncia anterior, que é o crime de ofensa à memória da vítima.

São casos de assassinato de mulheres em países diferentes, cada um com marcas peculiares de crueldade. Todos trazidos pelo buscador da internet em uma espécie de arqueologia digital fast food. São uma pequena amostra, simples ponta de iceberg desse fenômeno que não tem pátria nem limite, que é o assassinato da mulher pelo atual ou ex-companheiro.

O delito de ódio do homem contra aquela que com ele se relacionou lamentavelmente não é novidade nem raro. Precisamos falar sobre isso. Falar para expor o problema, para conscientizar sobre sua gravidade, para prevenir sua ocorrência e para buscarmos juntos as soluções que podem ajudar a combatê-lo. Trilhemos esse caminho e certamente essa crueldade será reduzida, aqui e em todos os lugares. Aí, um dia quem sabe, ao repetir a mesma pesquisa, teremos como resposta “nenhum resultado”.
*É desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e autor do livro “Sobre ela: uma história de violência” (Editora Gryphus)