ADPF 635Divulgação
Suas declarações, publicadas no marco de um mês da chacina do Jacarezinho, apontam para a criminalização de organizações, movimentos sociais e defensores de direitos humanos. Sob a justificativa pueril da luta do bem e do mal, jazem os 28 corpos da maior chacina policial já vista em nosso estado. Talvez seja esta também a justificativa que veremos sobre a morte de Kathlen Romeu, baleada com um bebê em seu ventre no Complexo do Lins nesta terça-feira. Não é possível, pois, que restemos calados ante ao genocídio em curso.
As organizações e movimentos sociais que assinam estas linhas fazem parte de um amplo grupo da sociedade civil do Rio de Janeiro que participa da ADPF 635 – ou, como preferimos, da ADPF das Favelas. Por meio desta ação, proposta pelo PSB no Supremo Tribunal Federal (STF), conquistou-se a histórica queda dos índices de letalidade policial no Rio de Janeiro.
A partir da determinação do STF de suspender as operações policiais nas favelas, salvo casos absolutamente excepcionais, houve a redução da ordem de 70% da letalidade policial até setembro de 2020, segundo dados do ISP. Isto corresponde a uma média de 100 vidas poupadas por mês. Houve, ainda, significativa redução na vitimização policial, segundo os dados do GENI/UFF.
Contudo, a decisão do STF passou deste primeiro período de relativo cumprimento para um período de descumprimento, seguido do momento atual, que os pesquisadores do GENI acertadamente qualificam como “afronta”. Vivemos, agora, um estágio em que os números da letalidade policial não apenas se equiparam, mas superam os patamares anteriores à decisão do STF. É neste contexto que ocorre a chacina do Jacarezinho, resultado da Operação Exceptis, da Polícia Civil.
As declarações do secretário logo ao assumir o cargo já apontavam para o desdém com relação às decisões do STF. Em entrevista, afirmou que a violência no Rio seria, em si, um caso de exceção, justificando de antemão quaisquer ações da polícia. Em coletiva logo após a chacina, a Polícia qualificou como “ativismo judicial” as demandas legítimas da sociedade civil. Ato contínuo, decretaram o sigilo das operações policiais, retirando o controle público sobre os seus atos.
O passo seguinte desta cartilha do jogo de arquétipos morais foi o de associar, então, movimentos, organizações e pesquisadores da segurança pública a grupos ligados à criminalidade urbana. O desenho, então, faz-se completo: temos não apenas autoridades que afrontam a mais alta Corte do país e impõem sigilo sobre seus próprios atos, como criminalizam, sem qualquer pudor, a atuação da sociedade civil na defesa de direitos humanos. Se a polícia classifica como exitosas operações com tão elevada letalidade, tão discriminatórias e ineficientes, a concepção de bem do secretário de polícia certamente não se coaduna com a Constituição e as leis.
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