Homeschooling: formação de crianças, adolescentes e jovens comprometida
Sob o argumento de que as famílias devem ter a prerrogativa de "decidir a forma como a criança deve ser educada", setores conservadores arrogam-se no direito de privar crianças, adolescentes e jovens do convívio social mais amplo e diverso oportunizado pela Educação escolar
No último dia 18 de maio foi aprovado, pela Câmara dos Deputados, Projeto de Lei n. 3.179/2012, que regulamenta a Educação Domiciliar e aponta uma perspectiva preocupante de instituição de normativas que afrontam o direito à igualdade de acesso e permanência na escola.
Ao criar o arcabouço jurídico que desobriga as famílias a proporcionarem às crianças, adolescentes e jovens a experiência da educação escolar, o Projeto de Lei da Educação Domiciliar, ou homeschooling, não apenas compromete a socialização das crianças, jovens e adolescentes, mas a formação integral desses sujeitos, uma vez que o pleno desenvolvimento dos aspectos cognitivo, físico, social e afetivo está em dependência direta com a amplitude e diversificação da experiência educativa, algo que sem a Educação escolar de qualidade social não pode ser plenamente alcançado.
Sob o argumento de que as famílias devem ter a prerrogativa de “decidir a forma como a criança deve ser educada”, setores conservadores arrogam-se no direito de privar crianças, adolescentes e jovens do convívio social mais amplo e diverso oportunizado pela Educação escolar, dissimulando a verdadeira motivação para reivindicarem o monopólio do processo educativo: evitar que esses sujeitos, como protagonistas de direitos, tenham acesso aos conhecimentos e experiências formativas que os inserem na esfera pública.
Importa lembrar que, diferentemente do que costumam sugerir esses setores, a criança não é uma propriedade das famílias, mas um sujeito social, cujos direitos, incluindo os relativos à Educação, não podem ser privados, nem mesmo por aqueles/as que detêm sua tutela legal. Não por acaso, o Artigo 205 da nossa Constituição consagra a Educação como direito de todos/as e como dever do Estado e da família em colaboração com a sociedade. Em nenhum caso o Estado pode eximir-se dessa condicionalidade preeminente que a Carta Magna impõe.
Ademais, o pressuposto de que as famílias podem assumir o papel de professores/as é uma acintosa afronta ao estatuto profissional do magistério, que se constitui mediante o domínio competente de fundamentos teóricos e práticos no campo da Pedagogia para exercer o ensino como ação profissional sustentada por saberes obtidos por processos formativos específicos orientados por uma sólida base científica.
Supor que pessoas sem tais prerrogativas possam praticar o ensino junto às crianças, adolescentes e jovens, além de reproduzir discursos que convergem para desqualificação e desprofissionalização do magistério, também pode trazer sérias consequências para o processo formativo desses sujeitos, pois, a rigor, trata-se da substituição do exercício profissional de um/a professor/a em contexto escolar pelo voluntarismo educativo praticado de forma amadora por pessoas sem a formação disciplinar, pedagógica e didática necessária ao ensino dos conteúdos escolares.
É preciso ainda questionarmos a prioridade atribuída a essa pauta em detrimento da necessidade urgente de ampliação de investimentos na Educação pública, considerando os prejuízos educacionais decorrentes da pandemia de Covid-19 e o baixo impacto de metas constitutivas do Plano Nacional de Educação (2014-2024).
Rede Nacional de Pesquisadores em Pedagogia (RePPed)
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