Lucia Madeira é presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRH/RJ)Divulgação

Brasileiros negros e pardos são 55,8% da população e ocupam metade das vagas universitárias. Apesar disso, estes números não estão representados nos cargos qualificados do mercado de trabalho. Embora muitas empresas procurem aumentar a diversidade de seus quadros, na prática este movimento tem avançado lentamente. Muito se deve às barreiras invisíveis ocultas nos processos seletivos e de promoção para cargos qualificados. Os principais obstáculos: requisitos exagerados.
É preciso eliminar as exigências que as empresas incluem nos processos seletivos, sem que sejam importantes para a vaga em questão. Muitas vezes requisitos são criados para simplesmente reduzir o número de currículos a analisar. Exigências como inglês, a faculdade de origem e o local de moradia trazem embutidas uma classificação social, já que o acesso a um bom curso de idiomas, um intercâmbio no exterior e vaga numa faculdade particular implicam em investimentos acima das possibilidades de grande parte da população.
Esse cuidado deve ser maior ainda em processos automatizados, por inteligência artificial ou robôs, que podem repetir os mesmos erros das escolhas pessoais. Com isso, tendem a dar um peso maior a critérios que embutam discriminação ou preferências, os vieses inconscientes.
Sem abrir mão da qualidade dos candidatos, as empresas devem construir processos seletivos que busquem a criatividade, o raciocínio, a capacidade de expressão, onde quer que elas estejam. Aquele candidato com notas na média e que estuda à noite conciliando trabalho e estudo, que não é fluente inglês porque nunca foi ao exterior, mas que domina o português, resolve problemas e está antenado com o que acontece no mundo à sua volta merece ter uma oportunidade.
No entanto, muitas organizações transformam essa fase numa competição assustadora que não leva em conta o que cada candidato teve que superar para estar ali. Não dá para falar em igualdade de condições sem olhar para a história de cada um. Por isso, criar um ambiente receptivo, acolhedor, tarefas justas (e não uma gincana) pode revelar o que cada um tem de melhor, independentemente da cor ou condição econômica.
Muitas negras e negros sequer se candidatam a vagas anunciadas por medo da rejeição, tantas vezes vivenciada. É aí que entram o cuidado com a comunicação, que inclua pessoas negras nos anúncios, as vagas afirmativas destinadas especificamente aos públicos com menor representatividade e, idealmente, a presença de pessoas negras dentre os selecionadores, que criem empatia com os candidatos.
O desafio para as áreas de recursos humanos é olhar para seus critérios e ver o que têm de exagero, o que não está ligado à essência da vaga e que pode afastar bons candidatos. Outra preocupação é ver se não estamos reproduzindo modelos, buscando profissionais parecidos com o que já temos.
Ampliar o leque de recrutamento, procurando identificar pessoas além do perfil convencional. Essa busca dará mais trabalho, o volume de candidatos será maior, mas com certeza os resultados serão gratificantes e o mercado de trabalho terá cada vez mais a cara do Brasil: rico de diversidade e fluente de ideias.