Por karilayn.areias
Formado pela Uerj%2C Luiz defente primeiro uma 'blindagem social' ao redor da escolaCléber Mendes/ Agência O DIa

Rio - Há um ano à frente da Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, em Acari, Luiz Menezes, de 54 anos, tem gasto boa parte de seu tempo com uma tarefa assustadora, que nada tem a ver com atividades pedagógicas. Ele se preocupa em tapar, com cada vez mais frequência, buracos de balas de fuzis nas paredes do colégio. As marcas de tiros são resultado de confrontos entre traficantes e policiais, como o que culminou, no dia 30, com a morte da estudante Maria Eduarda, de 13 anos, atingida por disparos no pátio da unidade.

“Perdemos a conta do número de buracos. Na hora dos tiroteios, as crianças já seguem orientações para se proteger, deitando no chão, ou se escondendo atrás de paredes e pilastras”. Não houve tempo para Maria Eduarda, conhecida como Duda. Ela foi atingida na cabeça, perna e nádegas, quando corria para se proteger das balas. O corpo ficou caído na quadra onde a menina jogava basquete.

“O esporte estava mudando o comportamento de Duda. Ela tinha um gênio forte, mas a prática do jogo estava lhe transformando numa menina dócil, feliz, alegre. O basquete estava lhe dando outra visão do mundo”, avalia.

A experiência de Luiz com áreas conflagradas começou há sete anos. Antes de dirigir a unidade de Acari, ele trabalhou na Escola Municipal Fernando Rodrigues da Silveira, no Complexo do Chapadão, em Costa Barros, uma das regiões mais expostas à ação de quadrilhas no Rio. Lá ele foi professor, coordenador pedagógico e diretor adjunto, passando a conviver com a realidade das crianças carentes e o que elas enfrentam em violentos territórios.

“O que a maioria dos alunos das favelas conhece é o mundo da banalização da morte, do tráfico, do roubo”, lamenta. “Precisamos suscitar esperanças nelas, cumprindo o compromisso sagrado de educadores de escola pública”. O diretor acredita que os alunos precisam de algo além das aulas. “Precisamos encorajá-las a construir sonhos e projetos”.

Muro da Escola Daniel Piza parece ‘escudo para PMs e bandidos’%3A pichações e marcas de tirosAgência O Dia

A rotina de tapar os buracos de tiros, colabora para este objetivo. “Procuramos apagar todas as marcas. É um gesto, acima de tudo, que nos faz acreditar que um dia esse pesadelo terminará. Que a esperança em dias melhores tem que prevalecer”, afirma o professor de Geografia, formado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Sua sala também foi atingida por um projétil, que perfurou um vidro e atingiu uma TV. “Estava em reunião ao lado”, lembra. Amanhã, ele terá a difícil missão de incentivar os cerca de 40 professores e 720 alunos do sexto ao novo ano, a voltarem às aulas, interrompidas desde a morte de Duda.

Aulas vão recomeçar amanhã na escola que ainda está de lutoAgência O Dia

“Estamos todos, professores, estudantes, pais de alunos, tentando ser fortes, juntando os cacos, o que sobrou de nós, para fazermos dessa tragédia, um salto maior para a vida”, explica. Ele conta que o luto na escola ainda permanecerá por um tempo. “Mas um luto consciente que precisamos nos guiar para a vida, para a força, para a união, que nos ajude a superar tragédias como a de Duda”.

Sua maior preocupação agora é “regar as outras crianças com novos sonhos”. “O (sonho) de Duda acabou, mas os das demais, não. E têm que ser estimulados”, diz. O diretor está cheio de projetos e usa como combustível para realizá-los, a emoção que sentiu com sua equipe, quinta-feira passada, quando recebeu cartas de apoio e solidariedade de professores e estudantes de outras escolas. “Pensei, agradecido: graças a Deus, não estamos sozinhos”.

Sempre com a voz firme, Luiz diz que a ideia do prefeito Marcelo Crivella, de blindar muros de escolas em áreas de conflitos com cimento especial, não é suficiente. “Primeiro é preciso haver uma blindagem social junto às comunidades, que necessitam de uma ocupação efetiva do estado”. Para ele, os moradores precisam de lonas culturais, de mais saúde, assistência social, e lazer. “Nem o bailão funk, uma cultura que surgiu na favela, podem mais fazer”, critica.

Maria Eduarda, segundo Luiz Menezes, estava mudando o ‘gênio forte’, graças ao esporteReprodução Internet

Nascido em Pilares, no subúrbio do Rio, e há 27 anos se dedicando à rede municipal de ensino, como tantos outros educadores do ensino público, o diretor não mede esforços para ver o sorriso brotar no rosto dos alunos.

Luiz chegou ao fim daquele trágico dia 30, sendo confortado por outra criança que, como Duda, tem 13 anos. “Cheguei em casa destruído. Mas um abraço longo e silencioso de meu filho e o apoio da minha esposa, foram suficientes para entender que não posso abandonar essa luta”. 

Passeio a praça de Petrópolis com recursos próprios

Parea fazer um bom trabalho, há muitos obstáculos. “Às vezes que não conseguimos chegar para dar aula, com ruas fechadas por traficantes para o descarregamento de cargas roubadas. O tráfico manda em tudo, até na circulação viária”, desabafa o professor de uma das escolas.

Quarta-feira, traficantes fecharam as ruas no entorno da Daniel Piza para descarregar um caminhão com produtos roubados, dificultando a chegada do secretário municipal de Educação, César Benjamin, e outros educadores, até o colégio. A reunião que seria realizada lá, acabou cancelada.

“A gente nunca imaginou que o movimento do tráfico e de ladrões de cargas, ou ações da polícia, fossem ultrapassar os limites dos nossos muros. Nosso espaço educacional sempre foi sagrado e respeitado por ambas as partes”, lamenta o diretor da Daniel Piza, Luiz Menezes.

O professor defende que o esforço para vencer os obstáculos impostos pela violência, tem quer ser diário. “Temos que mostrar para essas crianças que o mundo não é só o que eles vivenciam naquela região. Elas precisam conhecer outras realidades, ir ao museu do Rio, ir ao cinema, ao teatro. Dia desses, com apoio dos professores, lotamos nossos carros, com nossos recursos, e levamos as crianças para conhecer praça de esportes em Petrópolis, por exemplo. Foi maravilhoso”.

Ao todo, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação, da qual a Escola Daniel Piza faz parte, é responsável pelo ensino de 9,5 mil alunos em Costa Barros, Fazenda Botafogo, Acari, Pavuna, e Coelho Neto. O dia a dia nessas regiões é tenso. Os tiroteios constantes, ora por conta de operações policiais, ora por causa da guerra entre facções criminosas, já obrigaram as 25 unidades escolares localizadas nesses bairros, onde estudam 12 mil jovens, a suspenderem as aulas várias vezes este ano.

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