Rio - A morte do marido, o mototaxista André Luís Medeiros, de 36 anos, fez a assistente comercial Maíra Mendonça viver o mesmo drama de 17 anos. No mesmo local e nas mesmas circunstâncias que André foi morto em uma operação no Jacarezinho, um tio dela também foi atingido por um tiro e morreu. Segundo ela, até hoje ninguém foi responsabilizado pela morte do parente.
O mototaxista foi ferido na última sexta-feira e morreu no Hospital Souza Aguiar, no Centro, nesta quarta. O corpo dele será enterrado, nesta sexta-feira, às 15h30, em Inhaúma. Maíra contou que, desde que o marido foi baleado, ela vive no hospital por medo de voltar para casa, já que os confrontos na comunidade não param há uma semana.
"As pessoas me ligavam e diziam 'não venha para casa'. Enquanto houver aquilo (confronto), eu vou reviver o momento que meu marido foi baleado. É devastador ter uma casa e ter um parente vitimado e não poder voltar pra sua residência para consolar seus outros familiares. A gente mora lá e precisa ter o direito de ir e vir", desabafou Maíra contando que o marido levou três tiros na perna.
"Tomaram ele de mim. Não foi por doença que o perdi. Mataram ele. Se fosse outra coisa eu até tentaria entender. Não perdi, tiraram ele pra mim", lamentou a viúva, vestida com uma camisa do Fluminense, time do coração de André.
Ela revelou que o marido era tão fã do clube que tinha 35 blusas do Fluminense e colocou o nome do cachorro de Fred, em homenagem ao ex-jogador do time. Segundo a mulher, ele também gostava de Assis, de quem tinha duas camisas.
"A última vez que foi a um jogo do Fluminense faz dois meses. Ele não ia sempre porque era caro. Estávamos juntando dinheiro para mandar a filha dele de 13 anos para a Disney. É o sonho dela, que agora está dopada de remédios", contou Maíra. "Está muito difícil de explicar para uma criança que ela não pode brincar no terreiro de casa porque a qualquer momento vai ter tiroteio. O que a gente faz é incentivar os estudos para eles saírem dessa vida", destacou.
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Ela contou que os policiais entraram atirando no momento em que o marido estava subindo na moto. "O caveirão (carro blindado da polícia) entrou atirando. O André não ia trabalhar naquele dia, mas os tiros haviam cessado e ele foi fazer uma corrida", lembrou Maíra.
Amigo de André há mais de 20 anos e também mototaxista, Thiago Soares da Silva, de 33, faz coro com Maíra. Ele havia saído do ponto para ir em casa almoçar quando começou o confronto. "Não aliviaram para ninguém. Os tiros vieram do caveirão. A gente tem que se abrigar quando tem tiroteio. Já entram atirando sem saber onde a bala vai pegar. Nos últimos dias, está sendo dificil viver no Jacarezinho. Não dá para trabalhar todo dia. O comércio fica fechado e as crianças não podem ir à escola. E mataram mais um trabalhador", desabafou ele.
?Reportagem do estagiário Rafael Nascimento, sob supervisão de Maria Inez Magalhães