Por gabriela.mattos

Rio - A Oposição Sindical Metalúrgica recorreu ao Ministério Público do Trabalho contra a volta do turno de seis horas de trabalho na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, que havia sido conquistado às custas do massacre de três operários da empresa (Willian, Walmir e Barroso) da empresa pelo Exército, durante a histórica greve de 1988.

O retorno de duas horas a mais diárias foi aceita em polêmica votação ocorrida nesta quinta-feira, na Praça Juarez Antunes, no Centro da cidade. Com aprovação apertada, 2.022 (55,6%) metalúrgicos disseram sim à proposta, que já havia sido rejeitada em três pleitos anteriores, contra 1.742, que optaram pelo não (44%). Nulos e brancos somaram 0,7%.

Regresso do turno de oito horas foi decido em votação no Centro de Volta RedondaPaulo Dimas / Diário do Vale

Com o resultado homologado, o turno de oito horas deverá voltar a vigorar para quase 4 mil metalúrgicos nos próximos dias. As negociações entre o Sindicato dos Metalúrgicos e representantes da CSN se arrastaram por cerca de quatro meses.

O acordo chancelado na votação prevê o pagamento de abono de R$ 3.500,00 em duas parcelas, sendo a primeira de R$ 2.000,00 em até 5 dias úteis, e a outra de R$ 1.500,00, junto com o pagamento de maio de 2018. O montante será pago aos metalúrgicos que forem trabalhar no novo turno, nas datas do crédito. Os trabalhadores também receberão crédito extra de R$ 500,00 no Cartão Alimentação no dia 15 do próximo mês.

“Foi uma conquista do sindicato, que está desgastado, com sabor de derrota. Pois nas votações anteriores, os trabalhadores, que foram pressionados ao extremo por suas chefias e pelo próprio sindicado, manifestaram ser contra o turno de oito horas. Passaram como um rolo compressor sobre a história que custou as vidas de três mártires”, lamentou Erasmo Quricci, da Oposição Sindical, que prevê centenas de demissões com a nova rotina de trabalho.

Em 1988%2C o Exército invadiu a CSN para tentar por fim a greve geral dos metalúrgicos%2C culminando com a morte de três operáriosColetivo 9 de novembro / Divulgação

“Ignoraram o assassinato de colegas, que com sangue haviam conquistado o turno de seis horas. Mas lutamos o bom combate. A luta vai continuar”, completou Tarcísio Xavier, também da oposição, que espera que o MPT anule a votação, em detrimento das outras três negações anteriores da proposta e a participação, “irregular”, no ponto de vista da oposição, de funcionários dos setores de aços longos e embalagens, por exemplo. A oposição reclama da falta de participação de partidos e entidades de esquerda na luta contra o retorno do turno.

Já Sílvio Campos, presidente do sindicato, filiado à Força Sindical, em entrevista a jornalistas da região, garantiu que os trabalhadores “ficaram livres para escolher” a volta do turno de oito horas. “Essa foi a melhor proposta que conseguimos. Foram dias muito estressantes, nervosos. Rejeitamos as propostas deles na mesa diversas vezes”, argumentou Silvio Campos.

Entre os itens apresentados pela empresa, e aprovados em votação, também estão previstos: A possibilidade de que os próprios colaboradores do turno escolham a escala de trabalho, conforme as opções que poderão ser colocadas à disposição, inclusive com a opção de escala 4×1/ 4×1/ 4×2 com folga de 80 horas; atendimento do pleito do sindicato para que os próprios trabalhadores escolham os horários de turno (em qualquer uma das opções haverá uma hora de intervalo para refeição e descanso); O compromisso de que um ano após a implantação do turno de 8h, ocorra uma nova escolha ou revalidação da escala e horário escolhidos; a não redução de postos de trabalho em razão da implantação do turno, com a empresa mantendo apenas seu turnover normal.

Em nota divulgada na quinta-feira, a CSN alegou que com o regresso do turno de oito horas, haverá aumento da competitividade na produção. “Este regime (de oito horas) e outros semelhantes (de 8h e 12h) já são adotados por todas as concorrentes da CSN. A mudança proposta deve alavancar a produtividade e a competitividade da empresa, e garantir a viabilidade operacional da Usina Presidente Vargas”, diz um trecho da nota, encerrada com a frase: “A CSN parabeniza os colaboradores por esta aprovação”.

Memória

Os funcionários da CSN entraram em greve no dia 7 de novembro de 1988. Na pauta de reivindicações, os operários pediam a implementação do turno de seis horas, reposição de salários usurpados por planos econômicos e reintegração dos demitidos por atuação sindical. A greve atraiu toda a comunidade de Volta Redonda, que se posicionou em favor dos trabalhadores, que já estavam sendo apoiados pela Igreja Católica, através do então bispo dom Waldyr Calheiros, que ficou conhecido com “o bispo vermelho”.

No dia 9 de novembro, soldados do Exército de vários quartéis do estado, principalmente de Barra mansa, e do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro, dispersaram uma manifestação em frente ao Escritório Central da CSN e invadiram a usina.

O DIA revelou%2C através de documentos%2C dados do caso há mais de 20 anosReprodução

Na invasão, foram assassinados William Fernandes Leite, 22 anos, e Valmir Freitas Monteiro, 27 anos, com tiros de metralhadoras, e Carlos Augusto Barroso, 19, que teve o crânio esmagado. Em consequência de um forte golpe desferido por um soldado com o cabo de uma metralhadora, o cérebro de Barroso, que já estava rendido e caído na hora do crime, foi achado por colegas de trabalho, no chão do pátio da empresa, conforme o DIA revelou, através de documentos, com exclusividade, uma década depois, na matéria intitulada “O Segredo Guardado por Dez Anos”.

Mesmo após os assassinatos e várias prisões, a greve continuou até o dia 23 de novembro. Na época, os trabalhadores conquistaram todas as suas reivindicações, que hoje estão ameaçadas. A cobertura da greve de 1988 rendeu ao DIA seu primeiro Prêmio Esso da história.

No dia 1º de maio do ano seguinte, com a presença do então presidente nacional da CUT, Jair Meneguelli, foi erguido na Praça Juarez Antunes, memorial em homenagem aos três operários. Mas horas depois o monumento, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyr , foi explodido por uma potente bomba. O memorial foi colocado de pé novamente, mas, a pedido de Oscar, carrega até hoje as marcas da violência da explosão.

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