Rio - A operação "Nocaute", que mirou milicianos da Zona Oeste nesta quarta-feira, não estava programada. Ela foi antecipada após delegados envolvidos na ação no sítio Três Irmãos, em Santa Cruz, onde 159 pessoas foram presas acusadas de envolvimento com paramilitares, terem sido ameaçados de morte. A Polícia Civil diz que o transporte de vans piratas é o carro-chefe quando o assunto é o faturamento da milícia, estimado em 70% da renda dos criminosos.
A primeira ameaça chegou por um bilhete entregue na 35ª DP (Campo Grande), cuja titularidade, do delegado William de Medeiros Pena Junior, foi mudada no mesmo dia por medida de segurança. Ele recebeu uma ligação no seu telefone pessoal de uma pessoa dizendo que ia matá-lo. Oficialmente, a Polícia Civil diz que a transferência aconteceu porque William "já tinha contribuído muito para a região."
Desde então, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) passou a monitorar grupo de milicianos e descobriu outras ameaças a outros delegados que investigam milícias da Zona Oeste. Entre os que receberam recados intimidadores estão os delegados Fábio Salvadoretti e Daniel Rosa, ambos da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF). O chefe do Departamento Geral de Polícia (DGP), Fábio Barucke, disse que ouvirá os dois sobre as coações sofridas.
Ação quer desestabilizar braço-financeiro da milícia
Participam da operação desta quarta-feira 180 agentes divididos em 60 equipes. Wellington da Silva Braga, o Ecko, suspeito de chefiar o maior grupo miliciano da região, a Liga da Justiça, é o principal alvo da ação. Até as 12h, 14 pessoas já tinham sido presas, entre cumprimento de mandados de prisão e flagrantes, e mais de 70 vans irregulares apreendidas na região. O número de veículos foi tão grande que faltou reboque e os próprios policiais os conduziram para o Pátio Legal do Detran em Campo Grande. A 36ª DP (Santa Cruz) é o quartel-general da operação.
Segundo Fábio Barucke, outros mandados ainda estão sendo cumpridos. Ele aponta o transporte de vans piratas como o principal faturamento da milícia, estimado em 70% da renda dos criminosos.
"A extorsão cometida por esses milicianos nas vans é a sua maior renda. Faremos outras ações para quebrar outros braços financeiros, como a distribuição de gás. Estamos verificando também centrais de distribuição de TV e Internet, inclusive algumas foram fechadas hoje", disse o delegado.
Na casa de Wallace da Silva Braga, irmão de Ecko, localizada na Rua Florentina Cordeiro, na Favela do Aço, a polícia encontrou um sistema de monitoramento, com mais de 20 câmeras, que registra imagens da entrada da residência e de toda a região, em Santa Cruz. Wallace estava no local e provavelmente fugir ao notar a chegada dos agentes pela "central de vigilância". A ação mira a milícia Liga da Justiça e outros grupos, acontecendo em várias comunidade, uma delas a Três Pontes. O principal objetivo é dar um golpe no braço financeiro da milícia que opera naquela região da cidade. Drogas também foram apreendidas.
"Existem alguns mandados de prisão para serem cumpridos, mas também vamos focar em fontes de renda da milícia, como vans", explicou Fábio Barucke. Ao todo, são 18 mandados de prisão, 11 deles contra pessoas com ligação direta com a milícia.
Um dos presos desta quarta-feira, segundo a polícia, tinha carteira assinada há 13 anos e trabalhava em uma grande rede de supermercados. Na sua casa foram apreendidos vários pacotes de drogas e, de acordo com as investigações, ele era ligado à milícia.
“Prenderam uma pessoa de 31 anos, 13 deles com carteira assinada, vendendo drogas em área de milícia. Isso é uma mostra de como existe esse perfil do miliciano, sem passagem criminal”, disse o delegado Marcus Vinicius Braga. Ainda durante a operação, agentes da Civil encontraram em um camelódromo, no calçadão de Santa Cruz, com quase uma tonelada de produtos falsificados.
Além da Polícia Civil — Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA), Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Delegacia do Consumidor (Decon), distritais da capital, Baixada Fluminense e Interior, peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) e a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) —, participam da operação órgãos que controlam ou fiscalizam atividades paralelas em que há milícia envolvida, entre eles o transporte ilegal em vans, venda e distribuição de gás e combustível, retirada ilegal de barro e comércio de mercadorias falsificadas. Alguns comércios foram fechados e estão sendo investigados.
Segundo Marcos Vinícius Braga, chefe do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), além de Santa Cruz, a operação também aconteceu em Campo Grande e Paciência. "O objetivo é cada vez mais libertar a sociedade da Zona Oeste das milícias existentes", falou.
Dão apoio à ação a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (Detro).
Operação acontece 18 dias após ação com 159 presos
A operação aconteceu 18 dias depois da ação que prendeu 159 pessoas em uma festa dentro de um sítio em Santa Cruz, também na Zona Oeste. Segundo a Polícia Civil, que intitulou as prisões como o "maior golpe contra a milícia", o alvo era Ecko, que estaria na festa e conseguiu fugir com a cobertura de comparsas.
Nesta terça-feira, o Ministério Público (MP-RJ) solicitou à Justiça a revogação da prisão preventiva de 138 dos 159 presos no último dia 7 de abril. De acordo com o MP-RJ, não há, até o momento, provas efetivas que permitam o oferecimento de denúncia contra eles. O único detido na ação que foi libertado foi o artista circense Pablo Dias Bessa Martins, no último domingo.
Segundo o MP, será oferecida denúncia apenas contra 21 dos 159. Portanto, há necessidade de manutenção da prisão preventiva destes suspeitos. O texto do pedido de liberdade deixa claro, no entanto, que não há nenhuma ilegalidade na ação policial, tampouco na decisão da Justiça que determinou a prisão dos 159 participantes da festa.
Para o órgão, de fato, havia integrantes no local do primeiro escalão da milícia que controla o crime organizado na região, o que se comprova pela troca de tiros iniciada pelos criminosos contra a Polícia Civil, quando os agentes iniciaram a operação. Segundo as investigações, além de disparos partidos de homens que estavam na portaria da festa e de um carro com três ocupantes estacionado na porta, parte dos tiros partiu também de dentro do local do evento, o que atesta que havia criminosos no interior.