Rozemar Vieira da Silva e Bruna Vieira de Lima, mãe e irmã do policial Eduardo Oliveira, lutam para provar que policial foi assassinado por colega                      - Estefan Radovicz / Agência O Dia
Rozemar Vieira da Silva e Bruna Vieira de Lima, mãe e irmã do policial Eduardo Oliveira, lutam para provar que policial foi assassinado por colega Estefan Radovicz / Agência O Dia
Por Beatriz Perez

Rio - O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) Antônio Pedro Soares identifica duas principais barreiras para o avanço da garantia de direitos no Estado do Rio. A primeira é a crise fiscal associada à falta de prioridade de políticas sociais no orçamento do estado, como as de proteção à mulher, à pessoa condenada de morte e de saúde. A outra dificuldade é o senso comum que entende direitos humanos como ‘direito de bandidos’. 

"Quando a gente discute direitos humanos para todos, a gente está discutindo também direitos dos policiais e denunciando que a lógica de guerra às drogas vitimiza os dois lados. Se temos anualmente mais de cem policiais mortos também é por causa desta lógica", defende Antônio Pedro.

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Ele reconhece que a relação dos Direitos Humanos com agentes de segurança é difícil, mas diz que há avanços.  

"Os agentes de segurança também são sujeitos de direitos. Precisam ter condições de trabalho dignas. Fizemos diversas audiências públicas nesse sentido. Aprovamos Projeto de Lei criando programa de saúde e segurança no trabalho para agentes de segurança, denunciamos situações de assédio sexual e o alto índice de suicídio entre agentes de segurança", exemplifica. 

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A comissão parlamentar tem a atribuição de fiscalizar o Poder Executivo e Políticas Públicas do Estado do Rio. "A partir dessa prerrogativa atendemos ao público com uma equipe multidisciplinar", diz Antônio. Ele brinca que a Comissão em si não resolve nada, mas encaminha as demandas e cobra para que sejam solucionadas.

"Recebemos tudo que se possa imaginar. Desde uma família que, por causa da crise, caiu a uma situação de miserabilidade até familiares de vítimas da polícia e de policiais mortos em serviço", explica. 

A vereadora Marielle Franco (Psol), que foi coordenadora da comissão, será homenageada na Assembleia Legislativa (Alerj) nesta segunda-feira, dia em que são comemorados o Dia Internacional dos Direitos Humanos e os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Familiares de Marielle receberão a Medalha Tiradentes em nome da ex-vereadora. A cerimônia será realizada no plenário da Alerj, às 10h.

Mães de policiais mortos lutam por Justiça 

Assassinada no dia 14 de março, Marielle também ajudou mães e familiares que tiveram seus entes queridos executados. Rozemar Vieira da Silva, foi uma delas, dona Roze teve o filho, o policial civil Eduardo Oliveira, morto por um colega em 2012. Ela conta que não recebeu amparo nem desculpas do estado, apenas uma bandeira da corporação. 

A irmã do policial civil Eduardo Oliveira, Bruna Vieira de Lima cobra mais articulação entre a Segurança Pública e os Direitos Humanos - Estefan Radovicz / Agência O Dia

O caso sofreu uma reviravolta, quando o exame de balística derrubou a versão de que Dudu, como era conhecido, teria morrido durante troca de tiros com assaltantes na Rodovia Washington Luiz em Duque de Caxias. O tiro, descobriu-se com três meses de investigação, partiu da arma do colega Lincoln Vinícius Bastos Vargas, que estava em pé atrás de Eduardo. O disparo, que deveria ter sido para frente, foi para baixo, atingindo o pescoço de Eduardo. Lincoln foi condenado por homicídio culposo e está na ativa. A família contou com a perícia independente do legista aposentado da Polícia Civil Leví Inimá, que indicou que o tiro partiu de 60 centímetros de distância. Dona Roze recorre da decisão da Justiça, porque para ela, houve intenção de matar. 

"Quando a justiça não acontece, contribui para que matem mais a gente. Justiça é condená-lo em penas que vão realmente trazer o conforto para a família, saber por que ele matou meu filho. Foi uma investigação conturbada. A gente teve que correr atrás e pressionar. O mínimo que a gente queria era que ele fosse exonerado", desabafa. 

Dona Rozemar Vieira procurou a Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Mas diz que estava com o pé atrás: 'Todos falavam que não iriam ajudar' - Estefan Radovicz / Agência O Dia

Dona Rozemar Vieira procurou a Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Mas diz que estava com o pé atrás. "Todos falavam que não iriam ajudar". Mas diz que constatou o contrário. 

"A gente conheceu a Marielle, que veio em nossa casa três vezes, prestou apoio psicológico, apresentou o defensor público que pegou o caso. O Poder Executivo agiu a passos de tartaruga, enquanto os Direitos Humanos vieram de cabeça, sem saber que foi outro policial o autor do disparo, porque isso veio à tona após três meses", acrescenta. 

Dona Maria Rosalina, de 64 anos, mãe da soldado Alda, que foi morta em serviço durante ataque à Unidade de Polícia Pacificadora em que trabalhava no Complexo do Alemão,Zona Norte do Rio, em 2014, intensificou o trabalho como empregada doméstica para não sucumbir à depressão. 

À época repercutiu que ninguém dos Direitos Humanos a teria procurado. "Alguém me perguntou se Direitos Humanos me procuraram, eu falei que não. Eu não sabia o que era. Não sei dos meus direitos, só sabia dos deveres. Estiveram aqui em casa um advogado e coordenadores da Comissão de Direitos Humanos da Alerj para oferecer acompanhamento jurídico e psicológico. Mas nada vai trazer a minha filha de volta", lembra. 

"Para mim dói muito. Uma coisa é assistir na televisão, outra é sentir na pele e olhar a casa vazia. Eu, como cidadã da baixada, sou um pingo d’água no oceano”, lamenta dona Rosa. 

A irmã de Dudu, Bruna Vieira de Lima, 22 anos, refuta o discurso que os Direitos Humanos não olham pelos policiais, e diz que o Executivo deveria olhar mais para os servidores públicos. "Marielle foi no julgamento do meu irmão. Chegou correndo de trem, mas fez questão de estar com a gente. Em 2015, foi a uma manifestação de policiais em Copacabana. Políticos subiram no palanque e criticaram a suposta ausência dos Direitos Humanos. Ela estava lá”, diz, cobrando uma maior articulação entre a Segurança Pública e os Direitos Humanos. 

Neste sentido, o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Alerj diz que houve avanços. Em 2017, ano que teve 18 policiais mortos apenas em janeiro e 134 no ano todo, uma reunião entre a comissão e o Comando Geral da Polícia Militar firmou um protocolo de parceria para atender familiares de policiais mortos. A Comissão agora articula com a PM e com a Presidência da Alerj um termo de cooperação entre as instituições para que a parceria não seja rompida em caso de mudança na presidência da Comissão de Direitos Humanos, que hoje é do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol). 

Mônica Cunha fundou o Movimento Moleque quando o filho Rafael da Silva Cunha, aos 15 anos, se tornou autor de ato infracional - Reprodução/ Arquivo Pessoal

União para suportar a dor

A coordenadora e fundadora do Movimento Moleque, Mônica Cunha, entrou para a militância para não sucumbir a dor da violação de direitos do seu filho Rafael da Silva Cunha. Ele foi morto por policiais civis no dia 5 de dezembro de 2006, quando estava rendido de joelhos, no bairro do Riachuelo, Zona Norte do Rio. Desde 2003, Mônica luta com outras mães para provar à sociedade e ao estado que adolescentes autores de atos infracionais são seres humanos detentores de direitos.

"Quando um filho que cumpre medida socioeducativa, está no sistema penal, ou foi executado pelo estado, o adoecimento é a primeira coisa que nos acomete e nos paralisa. Estar com outras mães nos ajuda a dar continuidade à vida, ao trabalho e a outros filhos. Nos ajuda a levantar. O próprio estado não nos dá, só nos tira”, diz Mônica.

Ela fundou o Movimento Moleque quando o filho Rafael, aos 15 anos, se tornou adolescente autor de ato infracional. “Eu vim na contramão da estatística, por que pertencia à Classe Média, mas ele é filho de uma mãe negra que tem na sua raiz um histórico de todo um povo que tem seus direitos negados”, diz.

Mônica diz que há uma divisão dos jovens negros e moradores de favela aos olhos da sociedade entre 'meninos bons' e 'meninos maus' que é dura para mães de quem cometeu atos infracionais. "O menino do bem é o que está na escola, como o Marcos Vinícius, que morreu com a camisa da escola, que todos protestam contra a morte. O menino do mal, a sociedade grita pedindo a morte. Este é o menino que está no tráfico ou cometeu algum ato infracional. Esquecem que o menino do mal não está na escola porque a escola não tem nada a oferecer".

Mônica argumenta que pautas como a redução da maioridade penal, aumento de pena e pena de morte reforçam a falta de direitos desses jovens. "Esses adolescentes têm família, foram gerados, foram para a escola e viveram e conviveram como qualquer criança e adolescente vive nesta cidade, pertencente a este estado que se diz de direitos e democrático. Somos a maioria de um povo, mas não somos a maioria de direitos”, afirma.

Ela conta que mães que perdem seus filhos por ação do Estado lutam para que nenhuma outra mulher viva esta dor. "Faz 12 anos que meu filho foi assassinado. ( A entrevista foi concedida no dia 5 de dezembro) Esse mês é muito difícil para nós. Natal é família. Como pode você olhar dentro da sua casa e estar faltando um?. Você fica vivendo de sonhos e lembranças. É o que sobra para nós”, finaliza.

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