David é estudante universitário - Reprodução das redes sociais
David é estudante universitárioReprodução das redes sociais
Por ADRIANO ARAÚJO

Rio - Um estudante que cursa há um ano odontologia na Universidade Federal Fluminense (UFF) está sendo acusado pela PM de trocar tiros com policiais na favela do Brejal, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. David Nobio da Silva, de 22 anos, foi baleado e está internado, custodiado, em estado grave no Hospital Alberto Torres. A família e amigos contestam a versão da polícia e alegam a inocência do jovem. Parentes do outro ferido, identificado como Ramon Gregório, também dizem que ele é inocente. 

"Meu sobrinho David Nobio foi baleado, preso, acusado de homicídio, tráfico de drogas, sem nunca ter tocado em uma arma. Meu sobrinho é estudante de odontologia na UFF, passou no Enem, não é bandido. Meu Deus, meu sobrinho é inocente", se desespera uma tia do jovem, em postagem em rede social, acompanhada de fotos do jovem passando por trote comunitário e acompanhado de amigos da universidade.

Segundo família de David, em entrevista ao Bom Dia Rio, da TV Globo, ele saiu dizendo que iria para uma festa na cidade do Rio e que só retornaria na segunda ou terça-feira. Entretanto, uma amiga ligou e disse que ele nunca chegou à comemoração. A mãe começou a procurá-lo e, na 74ª DP (Alcântara), descobriu nesta terça-feira que ele tinha sido levado sob custódia para o Hospital Estadual Alberto Torres. A unidade de saúde afirma que o estado dele é grave, enquanto Ramon está estável. 

A PM informou que os policiais militares foram para a favela do Brejal em perseguição a criminosos que estariam praticando roubos na BR-101, na altura do bairro Bom Retiro. Segundo a PM, eles foram recebidos a tiros e houve confronto.

Após o cessar-fogo, David e Ramon foram encontrados baleados, ainda de acordo com a corporação, que alega ter apreendido 34 trouxinhas de maconha e 186 pinos de cocaína, dois rádios-transmissores e uma pistola calibre 380 com numeração raspada. Questionada, a corporação não informou se os policiais disseram se viram os dois baleados atirando, nem se pronunciou sobre as denúncias das famílias de David e Ramon.

Nesta terça-feira, a Justiça converteu a prisão em flagrante dos dois para preventiva, com base nas informações dadas pelos PMs envolvidos o confronto.  Em um trecho da decisão, a juíza Amanda Azevedo Ribeiro Alves, da 3ª Vara Criminal, disse que, com base nos elementos apresentados, há "fortes indícios de envolvimento dos mesmos junto à traficância local e à grande facção criminosa".

Já a Polícia Civil disse que, segundo a 74ª DP (Alcântara), David Nobio e Ramon Gregorio foram presos em flagrante pelos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico, porte ilegal de arma de fogo e tentativa de homicídio contra policiais militares. A prisão foi decretada "baseada no depoimento de policiais militares que levaram o fato ao conhecimento da autoridade policial", diz a instituição.

Foram apresentadas na delegacia as apreensões de dois rádios transmissores, drogas, um fuzil, uma pistola, carregador e cartuchos. "Os presos encontram-se hospitalizados e assim que possível serão encaminhados ao sistema penitenciário", continua o texto. Em seguida, a Polícia Civil atualizou a nota sobre as alegações da família. 

"De acordo com informações da 74ª DP, a prisão foi baseada no depoimento de policiais militares que serão novamente convocados para prestar novo depoimento. Policiais civis irão no Hospital com o objetivo de tentar ouvir os envolvidos, se for clinicamente possível. Demais diligências que possam ajudar no esclarecimento dos fatos estão em andamento", diz o texto.

Estudioso e sonho de atuar na área da Saúde

Amigos e familiares fazem coro quanto à inocência do universitário. Segundo eles, David Nobio sempre foi estudioso, focado e tinha o sonho de atuar na área da Saúde, entre elas a medicina. Em levantamento feito pelo DIA, descobrimos que ele passou para odontologia no primeiro semestre de 2018. Entretanto, um semestre antes ele já tinha sido aprovado para Enfermagem. 

"Convivi com David, na escola, durante o tempo em que foi nosso aluno. Sempre demonstrou bom comportamento, foco nos estudos e objetivo na vida. David dizia desejar cursar uma universidade na área de saúde. Batalhou por isso sempre com uma postura séria e compenetrada. Não consigo acreditar que o David esteja envolvido em algo errado. Espero tudo se esclareça e que ele fique bem", falou uma professora. 

David Nobio em foto durante "trote cultural": jovem estuda odontologia na UFF - Reprodução Facebook

Túlio Mota, professor de física e mestre em engenharia pela UFF, disse que deu aulas em um pré-vestibulas para o universitário, que queria tentar o curso de medicina.

"Acabo de saber que meu aluno David foi baleado e está sob custódia. David está sendo acusado de tráfico de drogas. Isso é um grande absurdo! Vou mover mundos e fundos para tirar o David dessa situação. David é aluno do curso de Odontologia da UFF. Estudou comigo no pH para tentar passar pra Medicina. David é inocente", escreveu.

Em nota, a Universidade Federal Fluminense (UFF) que tomou conhecimento do caso por meio de notícias veiculadas na imprensa e que acompanha de perto os acontecimentos. A instituição informou estar levantando informações sobre o caso para que as devidas providências sejam tomadas. "A UFF enviou um representante da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e um assistente social ao hospital para oferecer todo o suporte necessário à família", dizia a nota.

Ainda de acordo com a instituição, o caso gerou "profunda comoção" entre os estudantes e professores de Odontologia que "prontamente" manifestaram solidariedade a David. "A direção da Faculdade de Odontologia também se colocou à disposição da família do estudante para colaborar no sentido que este triste episódio seja apurado com o devido rigor. O vice-diretor, Esio Vieira, e a vice coordenadora do curso de graduação em Odontologia, Telma Aguiar, também estiveram em contato com a equipe médica do hospital", ressaltaram.

A UFF informou que "toda sua comunidade se junta às preces da família para que David se recupere completamente e volte às atividades regulares do curso". A instituição ainda garantiu que deve consultar a Procuradoria Geral para buscar amparo jurídico. Eles reivindicam "profunda apuração" do caso para que os responsáveis sejam identificados e processados nos ditames da lei.

 

O Diretório Acadêmico Agripino Ether, do curso de odontologia, divulgou um posicionamento através de suas páginas na Internet e disse que "é testemunha de que David sempre esteve ativo nas atividades acadêmicas da faculdade e que nunca esteve envolvido com práticas ilícitas, as quais está sendo incriminado". Confira a íntegra do texto abaixo. 

Muitos estudantes do curso da UFF também se manifestaram em favor de David. "Indignação! Quem deveria nos proteger, além de atirar com intenção de matar ainda acusa um estudante de homicídio???? Existe alguma lógica? NENHUMA!!!", disse Ramon Cruz em seu perfil no Facebook.

O deputado federal David Miranda (Psol), que assumirá o lugar deixado por Jean Wyllys na Câmara dos Deputados, compartilhou a postagem da tia do estudante e se posicionou sobre o caso, afirmando que a cor da pele antecede qualquer prova.

"Se você é negro e acontece alguma coisa, rapidamente te chamam de bandido, traficante, montam imagens, espalham notícias falsas. Se você é negro no Brasil, te matam duas vezes: primeiro seu corpo, depois seu nome, mas racismo é “mimimi”, né", escreveu.

DJ acusado injustamente por homicídio ficou preso uma semana

Leonardo Nascimento dos Santos, de 27 anos, ficou preso durante uma semana acusado da morte de Matheus Lessa, quando este defendia a mãe de assaltantes no mercadinho da família em Guaratiba. Desde o início, familiares e amigos lutaram para provar a sua inocência, enquanto a polícia insistia em dizer que ele era o criminoso, com base nos testemunhos da mãe e outras três pessoas, um dia após a trágica morte. 

No último domingo, o Fantástico mostrou uma entrevista com Leonardo, que disse não guardar mágoa de quem o reconheceu como o criminoso erradamente. Ele encontrou com a mãe de Matheus Lessa e ambos se emocionaram.

"A senhora é a mãe do Matheus? Senhora, prazer, Leonardo. Eu sinto muito pela perda do seu filho, tá bom? Mas eu espero que a senhora continue firme. A perda de um filho querido é muito grande, entendeu? Em nenhum momento eu julguei a senhora por ter me apontado de alguma forma, entendeu?”, afirmou Leonardo, chorando muito.

Abraçada a Leonardo, a mãe de Matheus Lessa, que morreu quando a defendia no mercado, também se emocionou no encontro. "Eu sempre pedi a Deus que fizesse justiça, né? E Deus não é injusto e não ia deixar nenhuma injustiça ser cumprida", falou para o DJ.

Caso revelado pelo DIA mostrou prisão injusta

A 'semelhança física' levou à prisão de outro inocente em julho do ano passado, conforme O DIA revelou na época. Antonio Carlos Rodrigues Junior ficou preso por sete dias no lugar de um criminoso que roubou a cônsul-geral adjunta da Venezuela no Rio.

A defesa, familiares e amigos de Prw, como é conhecido, investigaram o caso por conta própria e descobriram que o homem com qual ele era confundido já estava preso. Ele acabou inocentado e a Corregedoria da Polícia Civil abriu uma sindicância para apurar a investigação da Delegacia Especial de Apoio do Turista (Deat), na época chefiada pela delegada Valéria Aragão.

Outro que foi preso injustamente foi o trapezista Pablo Dias Bessa Martins, de 23 anos. Artista de circo reconhecido pela categoria, ele estava entre os 159 detidos numa operação da Polícia Civil, ocorrida em abril do ano passado , contra uma milícia que age na Zona Oeste do Rio. Por quase 10 diz, Pablo Prynce como é conhecido, ficou preso no Complexo de Gericinó.

Após a família provar que o artista circense era inocente e que estava com uma viagem marcada a trabalho na Europa — onde passa pelo menos quatro meses por ano — o juiz Eduardo Marques Hablitschek, da 2ª Vara Criminal, determinou a soltura do homem. Ao contrário do caso de Leonardo, a Polícia Civil nunca admitiu o erro e sempre insistiu dizendo que Pablo era miliciano.

 

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