Renato Araújo é dono de coleção com pelo menos 40 pares, que ele usa em grande estilo com blusões de linho e chapéus panamá
 - Marcio Mercante / Agência O Dia
Renato Araújo é dono de coleção com pelo menos 40 pares, que ele usa em grande estilo com blusões de linho e chapéus panamá Marcio Mercante / Agência O Dia
Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - É assim, 'no sapatinho', como se diz na gíria carioca, sinônimo de algo discreto, que não causa alarde, que as duas fábricas de sapatos artesanais mais antigas em funcionamento no Rio de Janeiro, estão completando seis décadas de atividades. Especializadas em calçados sob medida, que podem custar de R$ 150 a R$ 1,4 mil o par, a Motex, em Copacabana, Zona Sul, e a Gomes Calçados, em Cascadura, Zona Norte, passaram a ser referências de pisantes personalizados, inclusive para estrangeiros.

Rio, 17/04/2019 ESPECIAL SAPATOS- Antonio Rafael Gomes, dono da sapataria, Cascadura, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foto: Armando Paiva/Agência O Dia sapatos, sapataria, feitos a mao - Armando Paiva/ Agência O Dia

"Gringos da França, Itália, Portugal, Alemanha e Japão, encomendam nossos sapatos, que não são descartáveis, como a maioria dos industriais. Damos garantia de dez anos. É uma honra. Abrimos as portas há 60 anos com sacrifício", diz Antônio Gomes Filho, de 62 anos, que herdou ferramentas e técnica do pai, de mesmo nome, e agora as repassa ao filho, Rafael Gomes, 35. "Manter essa tradição é uma responsabilidade", diz.

Antônio conta que virou designer na prática. "Hoje, olho para a cara do freguês e sei que sapato vai combinar. Tenho uns 4 mil modelos diferentes para oferecer", gaba-se, revelando um de seus segredos: há 35 anos é ele quem faz as sapatilhas da porta-bandeira recordista de prêmios na Sapucaí, Selminha Sorriso, da Beija-Flor.

"Fui o inventor do solado antiderrapante (de latex especial) para o Sambódromo, que mantém passistas e demais integrantes das escolas de pé, mesmo sob chuva", orgulha-se o sapateiro, que este ano entregou mais de 200 pares para seis agremiações. "Meu ofício é uma dádiva, por criar produtos que ligam o ser humano ao planeta", define.

Mantendo ainda os ares da década de 1960, a simplicidade da fábrica em Cascadura atrai pessoas "de todas as tribos", como dizem os dez funcionários, que gastam, cada um, dois dias para fazer um par. O diagramador Renato de Almeida Araújo, o Renatinho, de 47 anos, tem no armário pelo menos 40 modelos bicolores, tidos como exóticos, que usa com seus blusões de linho e chapéus de palha panamá.

"Sou democrático. Vario de fabricantes, sem abrir mão do conforto e qualidade das peças manuais, feitas com carinho, amor, dedicação", justifica Renatinho, do alto do seu visual de sambista das antigas.

Na Gomes também passam famosos como Sidney Magal, a cantora Wanderléa, o ator José Loreto, as bailarinas do Faustão e a rapaziada dos bailes charme de Madureira.

De sapatinhos de crianças ao número 52

Fundada em 1959 por três irmãos, a Motex, em Copacabana, é gerenciada atualmente pelo caçula, Humberto Abreu de Pádua. Seus oito sapateiros entregam, em média, 100 pares por mês a juízes, artistas, políticos, dançarinos e pastores de igrejas.

Humberto Pádua (acima), da Montex, entrega cerca de 100 pares por mês a juízes, artistas, políticos, dançarinos e pastores - Armando Paiva/ Agência O Dia

"Confeccionamos desde sapatinhos para pajens e daminhas de casamentos, até um inusitado número 52", lembra Humberto, lamentando a escassez de mão de obra especializada.

Poucas sapatarias ainda produzem sapatos à mão. Atualmente, a maior parte dos produtos é confeccionada por indústrias de alta escala, em dez estados. Elas empregam 300 mil trabalhadores, em 7,7 mil empresas. Juntas, produzem mais de 900 milhões de pares de calçados, dos quais 120 milhões são exportados, conforme dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).

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