"E foi assim, em mais uma dessas idas ao supermercado, que vi o mundo retratado em várias cenas"
"E foi assim, em mais uma dessas idas ao supermercado, que vi o mundo retratado em várias cenas"Arte: Kiko
Por ANA CARLA GOMES
Pelos corredores e prateleiras do mercado, a vida está clara e evidente, retratando o nosso momento atual. Comecei a refletir sobre isso um dia desses. Ao passar as compras pelo caixa, uma atendente me contou que assentos próximos à saída do supermercado haviam sido retirados, por conta da pandemia. Ali era o cenário onde um senhor fazia suas palavras cruzadas para passar o tempo.
E foi assim, em mais uma dessas idas ao supermercado, que vi o mundo retratado em várias cenas. Na seção do hortifruti, após fingir costume na seleção dos alhos para ser aprovada na averiguação do meu pai, segui para a próxima parada: a escolha das cebolas. Um funcionário, já senhor, havia acabado de chegar com um caixote cheinho delas, e repassou as melhores para as minhas mãos: "Estou entregando para minha chefe". Sorri e perguntei: "Eu?". Ele prosseguiu: "Só trabalho aqui porque a senhora vem comprar". Simpatia no atendimento de quem precisa seguir trabalhando num serviço essencial.
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Passando para a batata-doce, três idosos conversavam sobre vacinas, numa demonstração de que ficamos íntimos dos nomes dos imunizantes e até palpitamos sobre eles. Sabemos muito bem qual exige um intervalo maior entre uma dose e outra. Sem tirar os olhos das batatas, uma senhora contou ter sido imunizada pela Coronavac, mas revelou que gostaria mesmo de ter recebido a AstraZeneca. Também já ouvi o contrário. Vacinas revelam até posicionamentos políticos.
Pelas gôndolas, os comentários se repetiam como um claro sinal dos tempos: "Olha o preço desse queijo ralado. Vamos levar o mais barato", "Isso é um escândalo. Está tudo caro". No mercado, o bolso do consumidor traduz de forma bem prática o 'economiquês'. Ali é a hora em que os índices passam a fazer sentido para os leigos no estica e puxa para as despesas entrarem no orçamento.
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Já na saída, uma cena me chamou a atenção: uma criança, sentada no carrinho de compras, balançava os pezinhos para fora, como já fiz um dia. Mas havia algo de diferente: a senhora que a guiava perguntou: "Vamos colocar álcool na mão?". De máscara, a pequena balançou a cabeça em sinal afirmativo. E, já próximo à porta de entrada, a menina estendeu o braço para a medição de temperatura. Definitivamente, estamos numa nova seção da vida.