Especialistas entendem revogação do uso de máscaras como risco para a população
Especialistas entendem revogação do uso de máscaras como risco para a populaçãoLuciano Belford/Agencia O Dia
Por Larissa Amaral e Rachel Siston
Rio - Um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa (Alerj) pretende alterar a determinação que obriga o uso de máscaras enquanto o Rio de Janeiro estiver em estado de calamidade pública por conta da pandemia. A proposta do deputado Anderson Moraes (PSL), publicada nesta quarta-feira (19) no Diário Oficial, quer autorizar as pessoas que já receberam as duas doses da vacina contra a covid-19 a não usar o equipamento de proteção individual (EPI). Especialistas ouvidos pelo DIA criticaram a medida.

De acordo com o texto, os imunizados devem portar o comprovante de vacinação, impresso ou digital, para poderem circular sem máscara. O parlamentar justifica que quando o projeto foi feito, no último dia 14 de maio, o Ministério da Saúde contabilizava 50 milhões de doses aplicadas e 83 milhões distribuídas. Segundo ele, o Rio de Janeiro ocupava, até a data, a terceira posição entre os estados que mais vacinaram no país, com mais de 4 milhões de fluminenses beneficiados.
De acordo com a atualização desta quinta-feira (20) do Vacinômetro da Secretaria de Estado de Saúde do Rio, 3.012.290 pessoas receberam somente a primeira dose e a segunda contemplou 1.407.449. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio de Janeiro tem uma população estimada de 17.366.189 de pessoas, tendo como referência 1° de julho de 2020. Especialistas procurados pelo DIA alertaram sobre uma liberação precoce e os riscos que ela pode trazer à população. A presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Tânia Vergara, ressalta que as vacinas contra a doença não impedem que os imunizados não contraiam o vírus outras vezes.

"Eu entendo que liberar o uso de máscaras, só se grande parte da população estivesse vacinada. Senão, eu acho precoce e inadequado. Tem que lembrar que as vacinas não conferem proteção 100%. As pessoas mesmo tendo sido vacinadas ou tido covid-19, podem pegar outra infecção e mesmo não ficando muito doentes, podem transmitir. As vacinas que nós temos no momento têm uma proposta de evitar o adoecimento grave e o óbito", explicou a presidente.

A médica geriatra e psiquiatra Roberta França explica que, com base nos dados estatísticos, só é possível ter a chamada imunidade de rebanho quando 70% da população estiver efetivamente vacinada. "Até lá, a gente precisa manter as nossas medidas restritivas e os cuidados necessários", disse ela. A pesquisadora em saúde e membro do comitê de combate ao coronavírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chrystina Barros, afirma que, no cenário atual, o não uso do equipamento pode ser um retrocesso.

"É uma temeridade nós tentarmos avançar com esse tipo de liberação. Hoje, quando o uso de máscara é obrigatório, infelizmente, nós vemos muitas pessoas que não aderem e fiscalização deficitária em espaços compartilhados e de aglomeração. Independente de qualquer vacina, a pessoa pode ter covid-19 em sua forma leve e pode transmitir a doença. Enquanto o vírus estiver se propagando na proporção que temos, ninguém está seguro, não existe bolha perfeita e a falta da máscara pode ser um retrocesso absurdo."

Em seu argumento, o deputado também diz que o uso de máscara é desconfortável e pode causar danos à saúde da população, se usado em longos períodos. Mas, França e Barros ressaltam que estudos provaram que o utensílio não traz qualquer risco para a população e são eficazes para evitar contaminação.
Publicidade
"Falar que a máscara causa problema de saúde é outra falácia. Já foi mais do que provado que a máscara não causa nenhum dano. O dano que causa, é a falta de máscara que a gente vivencia no nosso país. A máscara não tem nenhuma contra-indicação, ela pode e deve ser usada. Se fosse assim, os profissionais de saúde estariam todos mortos, pelo uso durante 10, 12, quando não, 24 horas", esclarece a médica.

"Não existe qualquer dano à saúde pelo uso de máscara, isso já está comprovado. O uso de máscaras faz parte da rotina de várias profissões, nem por isso, são profissões que adoecem mais, muito pelo contrário. Máscaras quando bem utilizadas e indicadas, salvam vidas e neste momento se tornam uma estratégia de proteção coletiva. Máscaras podem interferir no conforto, o que se trata de uma adaptação, como o uso de qualquer roupa", continua a pesquisadora.

O parlamentar ainda alega que os Estados Unidos adotaram a medida. Atualmente, cerca de 35% da população americana, mais de 117 milhões de pessoas, receberam a ou as doses de vacina necessárias para serem imunizados contra o novo coronavírus. A vacina da Johnson & Johnson é administrada em uma única injeção, enquanto as da Pfizer e Moderna requerem duas.

"Nos Estados Unidos nós temos 35% da população do país vacinada, o que é muito longe da realidade do Brasil. Também temos uma questão social e educacional muito diferente, o uso de máscaras no nosso país nunca foi feito de maneira séria e adequada. As pessoas se recusam a usar e usar de maneira adequada. Um dos motivos de nós estarmos vivendo o processo da pandemia dessa forma catastrófica é justamente pela falta de educação social que foi estabelecida no nosso país desde o início da pandemia", explica França.

Barros expõe que a comunidade científica mundial vê a decisão dos EUA com cautela. "A própria comunidade científica norte-americana e diversos técnicos em todo o mundo estão questionando e vêm essa liberação com muita cautela, porque nós temos variantes, e, as vacinas usadas nos Estados Unidos têm uma taxa de eficácia diferente da CoronaVac e da Astrazeneca aplicadas por aqui. A cobertura vacinal também é diferente. O controle de variantes, de disseminação, também devem ser levados em conta."

Também no Diário Oficial da quarta-feira, o parlamentar propôs que as medidas de restrição adotadas para evitar a disseminação do vírus sejam revogadas para os imunizados com as duas doses, também tendo eles que portar o comprovante de imunização.

"Nós estamos aprendendo sobre essa doença. É inadmissível sob todos os aspectos. Manda a mensagem errada. É tratar o vírus por uma questão processual, por decreto, e não é. Quem ganha com isso é o vírus. Cenários não são comparáveis, coberturas vacinais não são comparáveis, taxas de eficácia de vacinas não são comparáveis, momentos de pandemia não são comparáveis. É completamente absurdo, presta um desserviço para a sociedade e, tecnicamente, abre espaço para que se tivermos variantes, joguemos fora toda a eficácia da vacina", ressalta a pesquisadora.