Moradores do Jacarezinho e entidades de direitos humanos se reuniram para debater mortes provocadas em ação da polícia há um mês na comunidadeEstefan Radovicz/ Agência O Dia

Por Yuri Eiras
Rio - Líderes comunitários e representantes da Defensoria Pública, da Ordem de Advogados do Brasil (OAB/RJ) e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) se reuniram na manhã deste domingo, na comunidade do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, para um ato em memória às 28 pessoas mortas durante a Operação Exceptis, realizada pela Polícia Civil há exatamente um mês, dia 6 de maio. Na ocasião, um policial civil e outras 27 pessoas apontadas como criminosas pelo Estado morreram. Foi a operação mais letal da história do Rio.

Adriana Santana Araújo, mãe de Marlon, um dos mortos, esteve no encontro ao lado de Isabelle, que está grávida e é viúva do homem que morreu. "Essa criança aqui na barriga da mãe deveria ouvir falar bem do Estado, de um Estado que protege. Mas o que falar pra essa criança? Ela vai ser órfã de pai. O Estado matou o seu pai. O Estado não é confiável. Ele nos mata. Todo dia", desabafou Adriana. Dias após a operação, Adriana foi alvo de uma notícia falsa - associaram ela a um vídeo no qual uma mulher segura uma réplica de fuzil (a arma era de airsoft).
Rumba Gabriel, líder comunitário do Jacarezinho, durante encontro com moradores neste domingo - Estefan Radovicz/ Agência O Dia
Rumba Gabriel, líder comunitário do Jacarezinho, durante encontro com moradores neste domingoEstefan Radovicz/ Agência O Dia


Líder comunitário do Jacarezinho, Rumba Gabriel tem planos de criar um memorial na entrada da favela, dedicado às pessoas mortas na operação. "A cultura do medo está implantada aqui. Essa chacina não foi a primeira, e infelizmente não será a última. Vida do favelado não interessa", afirmou Rumba. "Favela não é lugar para se morar. Nossas mães sempre lutaram para que a gente pudesse descer e morarmos bem, mas estamos cansados dessa coisa odiosa. No Jacarezinho, que concentra a maior população negra entre as favelas do Rio, não há um projeto social sequer do estado", completou o líder.
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'Violações de direitos foram inúmeras', diz deputada
Representantes da OAB, da Defensoria Pública e da comissão de Direitos Humanos da Alerj estiveram no encontro. A deputada estadual Dani Monteiro (PSOL) classificou como "temerária" a decisão da Polícia Civil de tornar sigilosas, por cinco anos, as informações sobre a operação.
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"É temerária (a decisão) porque não fortalece a ideia de imparcialidade das instituições públicas. A gente está aqui desde o dia 6 de maio, e as violações de direito aqui foram inúmeras. De lá para cá, estamos pressionando para a abertura das investigações", comentou a deputada.
Na semana passada, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ) determinou que três presos na ação sejam soltos. A decisão do desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto ocorreu por excesso de prazo, já que desde a prisão dos acusados não foi oferecida denúncia. Também na terça, o Ministério expediu um ofício à Secretaria da Polícia Civil, para que o órgão remeta as informações requeridas e ainda pendentes de cumprimento sobre a operação. A investigação estabeleceu um novo prazo de 10 dias
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'É uma batalha entre o Estado do Rio e uma facção criminosa’, afirma secretário ao DIA
Em entrevista exclusiva publicada na edição do jornal O DIA deste domingo, o secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski, afirmou que a operação que terminou com 28 mortos, há um mês, foi "muito mais do que uma operação da polícia em uma comunidade". Segundo ele, "o que gente vive hoje é uma batalha entre o Estado do Rio e uma facção criminosa". 
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"E é muito claro você ver essa diferença: a gente tem uma força-tarefa contra milícia, instituída pelo governador Cláudio Castro, que já causou o prejuízo de mais de R$ 1,5 bilhão aos milicianos. Mais de 700 milicianos presos. E, tivemos 12 mortos em uma única ação; cinco outros, em outra ação. Quando houve a morte desses criminosos milicianos, em nenhum momento teve crítica. Em nenhum momento explodiu nas redes sociais essa articulação. Pelo contrário, fomos até elogiados. Hoje, essas 17 mortes estão arquivadas", declarou Turnowski à repórter Bruna Fantti.
O representante do Estado ressaltou que a Polícia Civil recebeu um recado, uma semana antes da operação, de líderes do Comando Vermelho de dentro de uma cadeia apontando que não aceitariam mais operações policiais. "Nós não vamos aceitar mais operações em nossas áreas", dizia a mensagem, segundo o secretário.  "Ou seja, fica claro que o recado dos traficantes é para que eles não se rendam. O que a polícia sente hoje é que há uma articulação desses traficantes [com setores da sociedade], como se fosse uma defesa dessa facção criminosa para que eles não fujam [do confronto]. Pois quanto maior a confusão, melhor para o negócio deles. ‘Se vocês matarem um inocente a gente coloca em xeque a operação e eles não voltam mais’. Essa é a mensagem deles", disse Turnowski. 
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