Operação da Polícia Civil no JacarezinhoReginaldo Pimenta / Agencia O Dia

Por O Dia
Rio - Um relatório da plataforma Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) apontou que, após a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 do Superior Tribunal Federal (STF) de suspender operações policiais em comunidades do Rio no período da pandemia, o estado apresentou uma diminuição em índices de violência. Segundo o estudo, a letalidade policial no ano de 2020 apontou uma queda de 34% com relação ao ano anterior, a maior redução anual dos últimos 15 anos.
Em todo o estado do Rio, a queda no número de tiroteios no período de 2020 foi de 23% em relação ao período anterior a determinação do STF. O número de pessoas baleadas caiu ainda mais: 26%. Contudo, a plataforma ressalta que a proporção de tiroteios com vítimas – que ocorrem majoritariamente em casos com presença policial – se manteve estável, "o que indica que o comportamento das polícias não mudou, elas apenas atuaram menos". "Um tiroteio envolvendo agentes de segurança têm mais chances de terminar com pessoas baleadas do que de deixar as pessoas de fato mais seguras. No período anterior à ADPF os números eram praticamente os mesmos, mostrando que a medida não alterou o comportamento das polícias", explica a diretora de Programas da plataforma, Maria Isabel Couto.
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"Pode-se afirmar que a restrição das operações policiais salvou, ao menos, 288 vidas em 2020. A redução da letalidade policial ocorreu porque no ano de 2020 houve uma redução de 59% no número de operações policiais realizadas em relação ao ano de 2019, constatando-se o número mais baixo de operações quantificadas da série histórica entre 2007 e 2020 (320 operações, frente a uma média histórica de 808). Já o número de feridos em operações diminuiu 60% e o de mortos em operações 61%. Nesse mesmo ano, houve uma queda de 39% dos crimes contra o patrimônio e 24% dos crimes contra a vida", apontou o documento.
Também houve diminuição de feridos por bala perdida durante o período de 6 de junho de 2020 a 5 de junho de 2021, com uma variação de 33%. 
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Entretanto, a plataforma mapeou 4.715 tiroteios desde o início da determinação e um quarto desses tiroteios deixou baleados. Quando os tiroteios envolvem agentes de segurança pública - 1.300 do total -, a proporção de mortos ou feridos chega a 62%. "E quanto mais afastado da capital, maior o risco. Na Baixada Fluminense, mesmo após a ADPF, em 77% dos tiroteios com a presença de alguma força de segurança houve vítimas – o que mostra que a ADPF não chegou a ter efeito fora da capital".
Procurada, a Polícia Militar informou que as operações realizadas pela estão "rigorosamente alinhadas ao que preconiza a ADPF 635 do Supremo Tribunal Federal (STF)". E que em casos de mortes ou feridos, são instaurados procedimentos para investigação (confira a nota na íntegra). A Polícia Civil também foi procurada pelo DIA, mas ainda não retornou.
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Operação mais letal do Rio
A análise também destaca que, apesar da determinação do STF, as operações policiais estão aumentando em todo o estado. Em junho, quando a decisão de suspender as operações foi tomada, a frequência de ações foi a mais baixa observada. Já a partir de outubro, o número cresceu e foram 38 operações notificadas. Contudo, janeiro de 2021 já apresentou o maior número de ações, com 49, de todo o período, apontando um aumento de 123% na média mensal com relação ao período inicial de vigência da decisão.
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O relatório também destaca a ação no Jacarezinho, classificada como a mais letal da história do estado, com 28 mortos, incluindo um policial civil. "A partir do ano de 2021 não se pode mais classificar a violação da decisão liminar do STF como simples desobediência, isto é, como mero descumprimento de uma ordem judicial, mas sim como afronta, entendida aqui como uma grave e deliberada ofensa à mais alta Corte da estrutura judiciária do país", cita um trecho do documento.
"A chacina do Jacarezinho mostra de forma clara como a ineficiência das operações policiais e a brutalidade dessas ações são dois lados de uma mesma moeda. A decisão do STF procurou atuar sobre esses dois problemas, mas agora o que era desobediência se tornou uma afronta a mais alta corte do país e, com isso, perdemos inúmeras vidas", explicou o coordenador do GENI/UFF, Daniel Hirata.
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A plataforma ressalta que a truculência em operações policiais no Rio supera a de todo o Brasil. Os dados apontam que em 2019, a média nacional de mortes violentas cometidas por policiais no total dos homicídios era de 13%. No período de cinco meses antes da determinação do STF, a média do estado foi de 37%. Após a proibição de operações policiais, no período de Obediência Relativa, a média do estado aproximou-se da nacional: foram 17%. No período de Desobediência a média voltou a subir, chegando a 33%. Nos meses de Afronta, subiu a 39%, e superou a média do Rio de Janeiro pré-APDF.
Daniel Hirata alertou que "a afronta à decisão do STF diz respeito não apenas ao gravíssimo problema da letalidade policial e da ineficiência das operações policiais em controlar o crime, mas também a um processo de autonomização das forças policiais do Brasil em geral e do Rio de Janeiro em particular, que ameaça as instituições democráticas. É urgente uma resposta firme que responsabilize as autoridades políticas e policiais".
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Confira a nota da Polícia Militar na íntegra: 
A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar esclarece que as operações realizadas pela Corporação estão rigorosamente alinhadas ao que preconiza a ADPF 635 do Supremo Tribunal Federal (STF). Além de ser comunicado previamente, o Ministério Público estadual recebe relatórios sobre os resultados das operações, como pode acompanhá-las em tempo real por meio de um aplicativo desenvolvido com essa finalidade.
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Transparentes e protegidas pela legislação em vigor, as operações são precedidas de informações do setor de inteligência da Corporação e de órgãos oficiais, sendo executadas com base em protocolos técnicos com foco central na preservação de vidas.

Quando as operações resultam em lesões corporais e/ou óbitos, são instaurados automaticamente procedimentos que tramitam sob sigilo na Polícia Civil e na própria Polícia Militar (IPM), ambos supervisionados pelo MP.
Dentre os critérios considerados como de excepcionalidade para o planejamento das operações conduzidas pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro estão, sobretudo, a identificação de situações que ameaçam a segurança das populações residentes nas localidades afetadas pela presença de grupos criminosos fortemente armados e suas ações que põem em risco a liberdade de ir vir dos cidadãos.

Vale ressaltar que os policiais militares atuam num cenário complexo, construído há décadas pela disputa violenta por território entre organizações criminosas rivais, combatendo facções de traficantes e milicianos. Essas ações têm contribuído de forma significativa para redução expressiva e contínua dos indicadores criminais mais impactantes, tanto de crimes contra a vida como crimes contra o patrimônio. Os homicídios dolosos, por exemplo, vêm registrando os menores números da série histórica, iniciada em 1991, ou seja, nos últimos 30 anos.